domingo, 24 de fevereiro de 2013

QUERIDO, NÃO MUDES A CASA


Maria da Conceição Cação
Tiro a venda. Eis-me perante um lugar de sonho: o jardim. Do rectângulo de relva verdejante, elevam-se, em surpreendente harmonia, um jacarandá, uma acácia e um abeto. Nos cantos, as flores exuberantes dos hibiscos oferecem-se aos beija-flores. Ao abrigo do alto muro, onde um casal de namorados emerge, enlaçado, dum painel de azulejos azul e branco, tufos de alfazema coroados de anil, impregnam o ar dum perfume discreto. Num lago, ao centro, ondulando as águas, deslizam, majestosos, dois cisnes brancos. À esquerda, numa gaiola de ferro rendilhado, assente sobre a calçada, um papagaio palrador acolhe-me com uma saudação. Incrédula, avanço uns passos. Ao meu olhar, deslumbrado, apresentam-se a piscina, as cadeiras, as tendas, o cantinho de convívio e leitura, onde não faltam os sofás, as mesinhas de apoio, as prateleiras, os vasos floridos, as lanternas, as velas… Aproximo-me da cancela de madeira. Do lado de lá, mais recatados, a horta e o pomar. Uma mistura de aromas, ainda há pouco tão subtil, insinua-se agora aos meus sentidos. Inebriada, alongo a vista. Alinhadas ao longo do passadiço, frondosas árvores exóticas ostentam garbosamente os seus frutos.

Sinto-me perplexa. Como foi possível aliar tanta beleza, harmonia, conforto? Que fada teria derramado aqui tão generosamente a sua magia? Aquele era o espaço perfeito, muito mais do eu ousara desejar! E, no entanto, sinto-me constrangida. Não consigo retribuir a simpatia que me circunda. Esboço expressões de entusiasmo, de contentamento, que logo esmorecem na garganta. É como se me encontrasse de visita a um belo parque da cidade. O meu coração permanece distante. Sinto-me como uma criança a quem fosse, de súbito, retirada a modesta mãe e visse, no seu lugar, uma madrasta coberta de jóias.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

AI AGUENTA, AGUENTA



José Luis Vaz

A economia, há mais de uma década na crista da onda, mobiliza, ou antes, deveria mobilizar, muitos recursos que evidenciassem benefícios para as pessoas. Na verdade, pelos piores motivos, a sociedade tem vindo a sofrer grandes tumultos, que acabam sempre por favorecer um ou outro grupo “ bem colocado” ou “bem posicionado” para influenciar “os mercados”, por via de norma, a seu favor. Pacífica, legal e civicamente nós recebemos esses resultados, como se se tratasse de um fatalismo, esperando que venha um dia, em que os raios solares, venham direitinhos à sociedade em geral e a nenhum em particular. O milagre aguarda-se, entretanto, cada um, à sua maneira, vai vivendo à medida do possível, resistindo o melhor que pode e sabe, a esta dinastia da regressão.

Numa, das muitas feiras de cariz popular, tão típicas deste nosso país, as pessoas, feirantes e clientes, expressam, das mais diversas formas, as suas frustrações e ansiedades.
— Ó freguesa, cinco euros a peça, é só escolher, é só escolher.
— Por uma camisa, ainda vá lá… agora você está a pedir cinco euros por umas cuecas?
— Ai senhora, não se vá embora, quer levar uma camisa e umas cuecas? Dê-me oito euros e não diga nada a ninguém.
— Mesmo assim… Onde é que já se viu, que umas cuecas custem tanto como uma camisa?
— Olhe, leve estas encarnadas ao marido e vai ver que se não vai arrepender…

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Melro

Júlia Sardo


Ao ler estas simples palavras deve pensar: é a história duma ave. Pensou? Pois está enganado. Melro era o nome de um gato; um verdadeiro gatarrão. De cor parda, uma mistura de cinzento com riscas pretas.
  Era na realidade um gato bonito, de olhos verdes e esbugalhados, grande, gordo, pachorrento e de cauda cortada, mais ou menos, a meio da ponta.Veio de longe; trouxe-o um oficial dos barcos, da pesca longínqua, da Terra Nova.
Veio com o propósito de ser oferecido à minha avó paterna.Era um gato muito mimado e muito senhor do seu nariz. Quando queria estar num determinado lugar, ninguém mais se podia aproximar. Era dono e senhor, apropriando-se desse lugar.
Cheio de manias, fazia-se dono duma cadeira, que tinha uma almofada, bem fofa, de cabedal, que havia no escritório. Houvesse alguém, com audácia, de se sentar nela. O Melro chegava, sentava-se ao lado da pessoa que estivesse na cadeira, olhava-a com olhos bem abertos e bem fixos.
Com esta pose ele assustava de tal maneira, que a pessoa saía.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

DA MINHA JANELA


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Maria Sílvia Paradela





Abrindo a janela de par em par

Contemplo o Mundo, qual fascinação!
A voz dos rouxinóis a redobrar
Na resplandecência do azul do Céu!
Do pastor a flauta ouço tocar
Guiando o rebanho com devoção,
Como o Sacerdote a evangelizar
Convidando os fiéis à oração!
O Mundo! Como é belo o Mundo, oh Deus!
Por que não o salvas dos fariseus
Se mágoas cruéis já a Cristo criaram?
Salva-o, salva, salva, Senhor, salva!
Da minha janela Te oro com alma
– Eles já Teu Filho crucificaram!





terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

As cidades e as cores



Albertina Vaz


Naquela terra havia janelas de todas as cores – vermelhas, verdes, amareladas, lilases, azuladas, branquinhas e até da cor do mar. E de formas muito diversas, umas redondas, outras retangulares, outras em forma de triângulo, outras arredondadas no topo. Até os tamanhos – que promiscuidade enorme: umas grandes, outras pequenas, umas esguias a lembrar vitrais, outras enormes a rasgar paredes.
Em todas as casas se viam janelas - vidros pequenos e cortinas branquinhas a bordar dentro delas. E havia também muita cor – e a cor era um passo de dança e um som a compasso vibrando no ar.
E o espaço estava cheio – E de que maneira!!! – com aquelas janelas de mil formas e mil cores.

Mas aquelas janelas viviam nas casas e as casas também tinham portas. Portas antigas de madeira maciça e aldrabas pesadas cujos batentes soavam em eco quando se batia nelas. Portas leves como plumas esvoaçando ao vento norte portador da mensagem do longe e da distância que se esfuma na linha do horizonte.
E as portas também eram de muitas cores e de muitas formas e de muitos materiais. Umas finas que nem papel, outras pesadas, gordas. Imensas. Umas até tinham um quadradinho, feito janela, por onde o sol entrava. Às vezes, nesses postigos – porque de pequenos postigos se tratava – havia cortinas iguais às das janelas.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A importância da cor neste mundo cinzento


Júlia Sardo



Não há dúvida de que a cor é duma importância extrema no mundo.

A cor negra é deprimente; será por isso que as pessoas negras gostam tanto das cores bem garridas para o seu vestuário?Não sei. O certo é que os povos de origem negra são muito mais alegres. Dançam e cantam mesmo quando estão tristes.

Mas cinzento, pode referir-se a escuro, como a tristeza.
O mundo tornou-se cruel. Tantas injustiças que existem neste mundo.
Pois é; o dinheiro envolve tantos negócios e principalmente promove as guerras que despedaçam povos inteiros. A guerra e as guerrilhas sempre existiram ao longo dos tempos, porque a ganância do poder fala mais alto. Já não se estranha se houver uma guerrazinha.

Há por esse mundo fora tanta gente a morrer com fome, à sede e com falta de tudo. Mas a humanidade é arrogante e serve os interesses dos poderosos.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

“Menina estás à janela!”


Fernanda Reigota


Gosto de conversar como quem gosta de morangos, mas sem açúcar. Aquele morango bom que deixa que o Sol lhe aqueça o corpo e lhe dê sabor natural! Aquele morango perfumado que soube esperar pelo tempo certo! Aquele morango que me põe bem-disposta por muitas horas. Essas são as conversas de que eu gosto, aquelas que não me deixam igual ao que eu era antes.

Claro que há muitas formas de conversar como quem come morangos saborosos. Embora ainda haja reticências, é um facto que a Internet pode ser um veículo de conversação muito rica. É só nós queremos ir um pouco mais além do Olá! Tudo Bem!

Acontece-me, com alguma frequência, lembrara-me da canção “Menina estás à janela” de Vitorino, quando “passeio” nas avenidas da Internet, simplesmente olhando, ou parando com este ou aquele conhecido que tem tempo para falar. Ou, então, escolhendo as mensagens que penso valer a pena ler. E para dar coerência a esta associação entre navegar na Net e “estar à janela”, encaro a Internet como uma janela e eu sou a cibernauta.

Para mim, “estar à janela” é viver o meu tempo ao meu ritmo, é valorizar a conversa e a comunicação, gostar de ouvir os outros, deixar-me desafiar pela vida. Assumir este enquadramento, ou seja, ser cibernauta e estar à janela, será, para muitos, uma contradição.



Agradecimento


Dores Topete


Olá, a todos os meus amigos!
Finalmente estou em casa e com a disposição necessária para vos saudar e agradecer por todo o vosso carinho e atenção, que me foram transmitidos das mais variadas formas.
É verdade, durante mais de vinte anos adiei uma cirurgia que deveria ser feita o mais tardiamente possível. Finalmente, depois de anos de sofrimento, decidi com alguma apreensão colocar uma prótese no joelho. Não foi e ainda não é fácil, por ser, no meu caso, muito doloroso, mas felizmente está a correr bem e eu quero partilhar convosco este momento de satisfação e esperança de que tudo continue a correr bem.
Vou recomeçar as minhas aulas, participar de forma ativa no nosso blogue, para sentir que estou a voltar à minha vida de sempre, com o meu grupo da Avenida da Escrita nº 60, que tanto me entusiasma pelo empenho de todos os seus membros e pelo trabalho profícuo que tem apresentado.
Um beijão grande para todos e mais uma vez obrigada.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Há dias assim...



Maria Jorge


São 8 e 30 da manhã, vou levantar-me. Acordei muito aborrecida, porque dormi muito mal com a chuva a bater nas persianas e a humidade a querer entrar na minha estrutura óssea sem eu lhe ter dado permissão.

O dia vai hoje continuar chuvoso, tal como ontem e no dia anterior e hoje com o complemento de um forte vento.

O Gaspar não pode sair para o pátio e se o fizer, além de se molhar, vem com as patas molhadas para dentro de casa e suja-me tudo. Que maçada…

Não me apetece fazer nada. E tanto eu gostaria de fazer, como por exemplo, ir para o computador e escrever qualquer coisa no nosso blogue…

Vou voltar novamente para a cama esperando que a preguiça desapareça e a vontade volte.

Há dias assim…


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Visita Inesperada


Júlia Sardo


Estávamos no verão; o calor apertava durante o dia, refrescando um pouco, ao entardecer. Não me recordo em que dia estávamos. Sei que andava no jardim, a apanhar umas ervitas, que teimavam em aparecer, e a regar.
  Quando levantei a cabeça, a descansar um pouco, vi uma pomba a bicar areia, junto ao portão da garagem.
Chamei a atenção do meu marido que me disse, tratar-se dum pombo-correio, porque nessa altura se faziam concursos de longas distâncias e, também, porque tinha uma anilha, com o número próprio, numa patinha. O animal estava com muita fome e sede. Pusemos uma taça com água e atirámos-lhe milho. Ainda ficou um pouco desconfiada, mas a fome era tanta que resolveu aventurar-se e comer. A partir desse momento, já não fugia de nós.
  Entretanto, ela devia estar tão cansada que se deixou apanhar e o meu marido meteu-a numa   gaiola, grande, com água e comida. Todos os dias íamos ter com ela fazendo-lhe festas, falando, e o animal habituou-se a nós.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

CARNAVAL

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CELESTE SALGUEIRO




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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Letra N


Maria Jorge


Sou o N de nanar. Como é bom recordar os tempos em que dizia aos meus filhos para irem para a cama.
– Sou o N de narcisista. Há muitos neste país.
– Sou o N de natalidade. Cada vez menos neste mesmo e nosso país.
– Sou o N de Natal. A lareira acesa, a família reunida, crianças meio acordadas, meio a dormir, esperando a meia-noite. Como será este ano?
– Sou o N de natural. Aquilo que procuro ser no meu dia-a-dia.
– Sou o N de navegador. Por mares nunca antes navegados, assim os nossos antepassados criaram um império. Já não há homens como antigamente.
– Sou o N de . Vocabulário atual… Modernices…
– Sou o N de nazismo. Nunca mais!
– Sou o N de necessidade. Cada vez mais…
– Sou o N de negro. Noite de Lua Nova.
– Sou o N de negativo. Estado de espírito de inúmeros portugueses.
– Sou o N de neurologista. Profissão em franca ascensão.
– Sou o N de nível. Gostaria muito de saber onde estou.
– Sou N de noite. Agradável uma noite de Lua Cheia.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Pensar Alto


Júlia Sardo


  Estamos a viver um momento, a nível mundial, bastante grave.
  Esta situação tem consequências muito nefastas, a nível europeu; logo os que mais sofrem são os países com uma economia pobre, como o nosso.
  Muitas vezes dou comigo a pensar nos mais jovens; o que será o futuro deles? Terão futuro?
  O país está num caos; as médias e pequenas empresas estão a fechar sem conseguirem ver algo que lhes dê alento e coragem de continuar a laborar. Fecham as portas e simplesmente dizem aos empregados que não têm possibilidades de continuar. Dizendo isto aos empregados, alguns patrões viram-se para o lado e choram, porque muito sofreram para ter aquele bem, pedindo empréstimos ao banco e agora foi tudo destruído; os seus sonhos e o futuro dos seus filhos. Assim ficam tantas fábricas fechadas, algumas com matéria-prima que ainda lhes dava margem para laborar mais algum tempo.
  Todos os dias encerram postos de trabalho, deixando tantos agregados familiares sem possibilidades de pagarem os encargos a que se tinham comprometido.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Teresa e Margarida


Fernanda Reigota


Aquela figura alta e esguia lançava na minha direção um sorriso desenhado pelo lápis da felicidade. O cabelo louro e os olhos verdes sublinhavam a maternidade esplendorosa desta mulher.

Desde o momento em que soube que a Teresa ia ser mãe, nunca tive dúvidas: um dia iria ser testemunha de uma cena como a que hoje tive o prazer de partilhar. No momento em que reconheci Teresa, o meu olhar procurou de imediato a Margarida. E lá estava ela, muito cheia de personalidade: não dá beijos a desconhecidos, mas atira-os com muita convicção e um olhar que obriga a reparar no seu sorriso que tão bem decalcou da mãe.

Não dá beijos, mas seduz com a sua naturalidade. Ativa por natureza, logo foi pedindo ajuda para alcançar a roupa que queria experimentar. Vestiu um casaco, reparou nas mangas demasiado compridas, vestiu outro, mirou as costas para ver como lhe assentava e, ao mesmo tempo, prestava atenção ao comportamento da plateia. O sorriso de Margarida iluminava a cena.




domingo, 3 de fevereiro de 2013

SOBREVIVENTE

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Maria José Pereira

Durante dias, ouvia-se o esgaravatar de uma ave, na chaminé.

Ontem, (cheia de sorte!) a ave (que afinal era uma pomba) aterrou na minha lareira.

Debilitadíssima, nem se mexia.

Levei-a para a varanda. Continuava sem se mexer...

Bem, pensei, há que tentar que ela beba água e coma.

Bebeu água, que se fartou, mas comer, nada! Toca a abrir-lhe o bico, e enfiar- lhe a comida pela goela abaixo.

Chegou a noite e a pomba, lá, continuou, muito quietinha.

De manhã, quando acordei, fui à varanda e qual não foi o meu espanto... ela já tinha desaparecido!

Bateu as asas...e voou!

A isto se chama liberdade!


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Um momento diferente


José Luís Vaz

Saí de casa, sem carro, desejoso de caminhar sem destino, espairecer, respirar ar puro, descontrair, desligar do quotidiano dos noticiários que, quanto mais longos, mais deprimentes. Começa a ser muito penoso ser uma pessoa minimamente informada. Notícias, umas a seguir às outras, sempre, sempre, a falar da crise e sempre da pior forma. Caminhava descontraidamente, saboreando o tempo, que ao tempo não tinha, para relaxar e desfrutar as coisas mais simples da vida. O silêncio da natureza, harmonizado, aqui e ali, pelo chilrear de um pássaro que, senhor do seu bico, faz questão de dizer que, aqui quem “canta” sou eu. Andei bastante, o suficiente, para me apetecer sentar num dos bancos de um jardim, muito frequentado por pessoas idosas, que ali deixam passar o tempo que teima em não parar. Julgava eu, continuar o meu salutar alheamento de tudo e de todos os que diariamente nos massacram. Mas não. Próximas de mim, num banco ao lado, conversavam compulsivamente três senhoras, sobre um assunto muito pertinente, a crise! Arrependido de me ter levantado, disfarcei, passeei um pouco por ali e voltei a sentar-me. Estava disposto a usufruir de um lugar, pelo qual nada paguei, para poder assistir a um verdadeiro espectáculo popular que me fazia recordar o tempo em que a “revista à portuguesa” nos informava e mobilizava divertindo-nos profundamente.
– Olhe menina, eu agora decidi deixar essa malandragem e ir aos mercados.
Com um dito destes, é evidente, que qualquer um se colava ao assento procurando nada perder dum novo estilo de abordagem da famigerada crise.
– O quê? Ó Guilhermina, isso nem parece seu? Então, vive tão perto de um ótimo supermercado, com três empregados tão simpáticos, e vai andar aí a dar voltas, à procura dos mercados?
– Também digo, ainda se valesse a pena?

Alboi - o meu bairro

Dores Topete
Hoje estou muito triste, passei uma vez mais no bairro onde nasci e onde brinquei, no jardim que tantas e tão boas recordações me deixou. Não pude evitar que uma revolta sem fim tomasse conta de mim e que este desgosto que sinto me doa como uma dor física que nos assola e se torna intolerável.
Alboi, o meu bairro, está destruído, irreconhecível… Como é que uns senhores, só porque ganharam as eleições, se outorgam o direito de destruírem as zonas verdes da nossa terra, as árvores com uma idade sem fim? Quem é que devemos responsabilizar por tanta devastação, irresponsabilidade e falta de espírito de coerência social?
Estou a recordar-me do anterior mandato da responsabilidade do partido socialista, que foi altamente recriminado, e muito bem, por ter destruído árvores da nossa cidade.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

História da Dona Redonda


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Lindonor Silveirinha
       

Quando eu era pequena, ofereceram-me um livro de histórias, que se chamava Dona Redonda e os seus fanicos.

A Dona Redonda era mesmo redonda e a história contava que ela fora um dia por uma ribanceira abaixo e se desfizera em fanicos, ou seja, dezenas de pequenas donas redondas iguaizinhas a ela.

A história em si era muito complicada, até metia um dragão que fazia um barulho horrível e pouco me lembro dela, a não ser da D. Redonda e dos seus fanicos.

Assim, resolvi escrever a minha versão da história, como eu acho que ela deveria ser, para que crianças pequenas a entendam e lhe achem graça. A autora da história original, Virgínia de Castro e Almeida, que me perdoe, pois não pretendo plagiá-la, nem depreciar o seu trabalho.

Um sonho


 Maria Jorge


Ontem fui para a cama um pouco mais cedo que o habitual. Talvez contagiada pelo tempo chuvoso e frio, estava um tanto ou quanto taciturna e não me apetecia ver TV.
De repente acordei. Olhei para o relógio da mesinha de cabeceira. Marcava três e um quarto da madrugada. Já tinha dormido tanto, sono já não tinha e o que iria fazer até de manhã? Sentei-me e, bem acordada, comecei a sonhar, e regressei à minha meninice.
Eletricidade, gás, água canalizada, novas tecnologias, partidos políticos, democracia, emigração massiva dos nossos quadros técnicos, de famílias completas, de jovens e menos jovens, fome, desemprego? Alguém sabia o que isso era?

domingo, 27 de janeiro de 2013

Eu trabalho!



Albertina Vaz
Eu não, eu trabalho, eu sou … uma privilegiada!
Ainda é noite e a chuva cai, mas o dia começa bem cedo e tenho de me apressar. Retiro as crianças à pressa do sono encurtado, sussurro meias palavras: lavar os dentes, a cara, despir o pijama, tomar o leite… depressa, depressa, é tarde, já estamos atrasados. A mochila da escola, o lanche arranjado de véspera e o autocarro que não espera.
Quase dói a pressa com que os apresso, quase dói o dia que começa!
Um beijo de despedida, um até logo, um aviso – nada de asneiras – uma promessa – eu logo venho buscar-vos – uma dúvida – e se não te deixarem, mãe? – uma certeza – vem a avó!
Eles vão, pequeninos e indefesos, rumo a uma vida que começa, num misto de brincadeira apressada que se desfaz numa esquina. Deixo de os ver ao cruzar da rua e dou uma corrida. Já lá vem o autocarro: não posso perdê-lo!
Entro e… descanso! Sabem bem estes minutos que me conduzem: vejo as luzes que iluminam as montras e as janelas das casas e dentro delas imagino gente apressada, como eu, que se prepara para mais um dia de trabalho.

E vejo também aquela fila interminável de gente que dá a volta ao quarteirão e espera, e desespera à porta do Centro de Emprego! Já passei vezes sem conta por tudo isso! Mas hoje não, hoje eu sou uma privilegiada: tenho um emprego!
Sou uma trabalhadora especializada: tenho uma licenciatura em Comunicação Social, um Mestrado em Estudos Sociais e um Doutoramento em Respostas Sociológicas ao desenvolvimento. Fiz um Erasmo na Alemanha, tenho um estágio na Bélgica, um pós-doutoramento na Holanda.





quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Testemunho na 1ª pessoa

Maria Jorge


Reformei-me do privado com 61 anos de idade e 39 de contribuições para a Segurança Social.
Na altura, pedi uma simulação do que seria a minha reforma. Depois de me apresentarem os cálculos, baseados nas contribuições entregues ao longo de toda uma vida, fizeram-me diversas advertências: não podia nos cinco anos seguintes trabalhar para a mesma entidade patronal ou em qualquer empresa onde figurasse o nome da mesma, quer fosse a tempo parcial ou mesmo grátis; iria sofrer uma penalização por pedir a minha reforma antecipada e ainda, se prosseguisse com a minha petição, não poderia voltar atrás.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um azar nunca vem só


Maria Jorge

Senão vejamos:

Azar nº 1 – Em Fevereiro de 2009 deram-me um cachorro com apenas 2 meses. Peguei nele, olhei e gostei do que estava ali nos meus braços. Muito dócil, muito brincalhão e, carinhosamente, decidi pôr-lhe o nome de GASPAR.

O meu cão, hoje com 4 anos de idade, já adulto e nada arrogante, sabendo as dificuldades que a dona atravessa, (sim porque o meu cão ouve as notícias e sabe que a dona é reformada) não é nada exigente, apenas quer comer atempadamente, banho de vez em quando e diariamente dar o seu passeio higiénico. Também gosta de receber muita atenção, porque também a dá e até consegue ler o pensamento da dona quando está menos bem.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CASAS MORTAS

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Graciete Manangão



Na minha aldeia há mais casas mortas do que casas vivas.
Numa casa “viva”, há vida durante 24 horas. Em todos os segundos que compõem o dia de quem nela habita.
Vida fervilhando, construindo ou destruindo, amando ou odiando, ora latente ora activa, vida projectada ou adiada.
Casa vazias, silenciosas, fechadas a sete chaves são casas mortas.
É urgente abrir portas, abrir caminhos, desvendar corpos e almas.
É urgente viver, abrigar corpos e almas.
Não quero ver mais casas mortas.
Quero adiar a morte.

Queremos ressuscitar as casas mortas.








quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O PESO DA SOLIDÃO - CARTA A UMA AMIGA

Dores Topete 

Olá Lígia

Há tanto tempo que não te escrevo, aliás, parece que a escrita está cada vez mais em desuso, o nosso último contacto foi pelo telefone e já lá vão uns meses. Espero que tu e a tua família continuem bem.
Hoje quero escrever-te porque sinto que ao fazê-lo, vou poder extravasar tudo o que me vai na alma, e só contigo o posso fazer, não só porque és a minha melhor amiga, mas também porque sempre me aconselhaste bem, eu é que infelizmente nem sempre te dei ouvidos.
Por isso, agora, que a minha vida vai levar uma reviravolta, és tu a pessoa a quem quero contar, porque sempre viste o que eu nunca quis ver e, por isso, sofri e paguei caro a minha cegueira.
Estou a recordar a minha vida, a infância maravilhosa que tive, filha e neta única, vivi sempre rodeada de amor e carinho, tive muitos amigos, brinquei, estudei e namorei, e tu foste a amiga que me acompanhou desde sempre.
Como tudo na vida tem um fim, a minha felicidade acabou, precisamente quando acreditei que iria ser completa. Enamorei-me da pessoa errada, acabei grávida e viúva sem sequer ter casado. O Ernesto foi na minha vida um pesadelo, não só porque foi um ser humano mal formado, que me enganou, me engravidou, me mentiu, mas também porque não aceitou a minha gravidez, e acabou por morrer vítima de um acidente em consequência das noitadas tresloucadas que fazia com os amigos, antes mesmo de ter tempo para reconhecer o filho.


domingo, 30 de dezembro de 2012

UM BOM ANO, 2013?

José Luis Vaz

O “nosso” espaço permite-me partilhar com todo o grupo a satisfação, por mais, uma ferramenta, na continuação da brilhante “EVOLUIR” que todas tiveram a coragem de publicar. Hoje, apetece-me, especialmente, desejar a todas as minhas companheiras de escrita, (perdoe-me o atrevimento, Sr.ª Professora!), um bom novo ano. Sinceramente que é isso que vos desejo. Mas, permitam-me a franqueza, já que a amizade mo impõe. No fundo, no fundo, aquilo que pretendo, é que 2013 vos prejudique o menos possível. Gostaria de poder, ser nesta altura, o optimista que com o seu entusiasmo empurrasse os outros para a esperança, para a alegria ou tão simplesmente para a paz do dia-a-dia. Todavia, poderemos ignorar o que vemos, ouvimos e lemos? Crianças com fome, pais desempregados, avós abandonados, em lares ou na sua própria casa, jovens, licenciados, ou não, à procura da sustentabilidade por esse mundo fora, aldeias abandonadas, lá longe, a quem retiraram os CTT, hospitais com menos camas, pessoas tristes, que, pelas ruas, andam à procura de tudo e de nada, casas vazias, casas superlotadas, animais com fome, um horror de acontecimentos que todos os dias nos torturam, porque, não podemos ignorá-los. E neste mesmo mundo, na parte batida pelo sol, vivem, os políticos, parasitas, ou não, os banqueiros, agiotas, ou não, os produtores de riqueza, mesmo quando a dormir, ou não, os senhores gestores, administradores ou directores que a trabalhar se esgotam, ou não, os que ostentam grandes fortunas à conta da droga que a muitos compra e a outros desgraça.
Desejar-vos um bom ano? É difícil afastarmos alguma ansiedade que nos intranquiliza, que nos preocupa. Vendo a vida dos nossos filhos, como será o futuro dos nossos netos? Que culpa têm uns e outros por este mundo ser assim?

Que 2013, o tal ano novo que aí vem, seja para todas uma agradável e surpreendente surpresa que, vos proporcione ler, ouvir e ver os mais belos acontecimentos.   

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ESCAPATÓRIA

 Fernanda Reigota




É habitual ouvir dizer “Esta folha em branco bloqueia-me e não sei por onde começar”. Pois, a mim, bloqueia-me esta página negra que me estão a fazer engolir. Já vivi em tempo de papel pardo! E o açúcar que ele trazia, adoçava o meu café da manhã, embora continuasse a ser pardo. Agora, para esta página negra a embrulhar a minha vida, ninguém assume quem escolheu a cor. E, se sempre gostei de cores alegres, neste momento continuo a precisar delas para ver o horizonte como dizem que é, e não esta parede negra que me barra a vida. Eu quero sonhar o futuro dos meus netos, quero dizer-lhes que vale a pena estudar, que vale a pena a cultura, também a nossa! Não quero que lhes roubem o lanche, porque o colega, que ficou com fome à hora do almoço, comeu o que tinham levado. Todos têm direito a não ter fome! Mas há quem pense e diga que basta esticar... O que não há?
Grito, famosa obra do pintor
 norueguês expressionista Edvard Munch

    E esta parede não recua, como o horizonte, quando me desloco. Pelo contrário! Se tento saber quem se endividou e agora falsificou a minha assinatura para que eu pague a letra ao banco, no lugar de resposta, constroem-me mais uma parede negra!
     Não se esqueçam da minha situação! Estou a ser cercada: já me rodeiam duas paredes negras!
    Sento-me para pensar no passado. Deem-me um bocadinho para descansar e recobrar forças.
E vem-me à memória um dia de celebração do aniversário de uma criança. Um amigo estava inquieto e partilhou aquilo que o agitava. “Soube hoje que Bruxelas aprovou ajuda a Portugal. Nem imaginam o dinheiro que aí vem!” E quisemos saber a que se destinava o dinheiro. A empresa onde trabalhava tinha sabido em primeira mão e, no dia em que obteve confirmação privilegiada, avançou com a assinatura de contratos pré-preparados para fornecer equipamentos informáticos a duas universidades e alguns hospitais. Nesse dia o meu amigo tinha assessorado a nível técnico, para que o cenário da “confiança entre as partes” fosse montado. Não assistiu à assinatura de nenhum desses contratos milionários, mas sabia que meia dúzia ia enriquecer.

sábado, 22 de dezembro de 2012

SOU...

Albertina Vaz



Sou um homem comum: tenho cerca de um metro e setenta, não sou gordo nem sou magro, tenho olhos castanhos, cabelo curto, visto calças de ganga aos fins de semana e, quando posso, gosto de passear à beira-mar ou de ficar sentado numa esplanada, olhando o horizonte sem pensar em nada. Gosto de crianças que riem, de pássaros a voar, de gaivotas que circulam, do nascer do sol, duma manhã de chuva miudinha e de barcos que cortam as ondas e rasgam o mar. Gosto duma música dolente, de um toque de guitarra, de um som de piano, de um livro de muitas páginas, de uma página em branco e de uma foto de reflexos.
E num momento, sem saber como nem porquê, senti-me ainda mais vulgar: estou desempregado!
Primeiro, foi não acreditar no que estava a ouvir: entra, entra. Vamos ao assunto sem mais delongas: tu sabes que isto está mau, que já não se vende como antigamente, que temos que racionalizar os custos, e tu também já não és novo… Não, não, tu és um excelente profissional, tens um imenso talento… Mas é assim: passa pelos recursos humanos e tenho a certeza que em breve conseguirás até uma melhor situação.

Assim, de um momento para o outro, como quem bebe um copo de água ou se refresca com a brisa do mar, numa noite de luar.
Depois o espanto: já não sou novo? Então com quarenta anos sou velho? E por ser velho já não sei trabalhar, já perdi capacidades? Pensava que à medida que vivemos adquirimos maior maturidade, que somos capazes de desenvolver maior volume de trabalho e com mais qualidade… Mas parece que estava enganado: já não sou novo e estou desempregado!



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