segunda-feira, 27 de julho de 2015

Vermelha, esguia, fora de uso

Albertina Vaz

Queira ou não queira, caí em desuso. Já tive nas minhas mãos os segredos de tantos e de todos. Era vê-los, em fila indiana, aguardando a sua vez, desesperados com o tempo de espera, ali, à minha volta, como se eu pudesse resolver todos os problemas do mundo.

E eu escutava-os com muita atenção, permanecendo em silêncio porque me era exigido o silêncio, guardando segredos, escutando anseios – grandes e pequenos, palavras sem nexo, angústias urgentes.

Vermelha, esguia, fora de uso
Podia contar-vos mil e uma histórias de gente que me procurava para comunicar. A do jovem a quem faltara a mesada que os pais não tinham podido enviar, a da mãe que tinha saudades da filha que já não via há muito, a da filha que só queria ouvir a voz dum amigo, a do amigo que pretendia partilhar sentimentos.

Eram tantos que precisavam de mim para encontrarem quem queriam e ouvir quem não estava ali e de quem sentiam falta. Sentia-me útil e desejada, sentia que tinha uma função importante e necessária. Até que um dia fui ultrapassada por esse instrumento indesejável que passou a fazer parte da vida deles. Deram-me até outro formato mais moderno, mais apelativo – deixei de ser fechada, de ter porta e janelas pequeninas. Passei a ser arejada, apenas com o indispensável para um recado rápido, sem sentimentos nem anseios.

E fomos sendo afastadas dos espaços públicos. Dos milhares que se espalhavam pela cidade restam meia dúzia de outras iguais a mim, sem préstimo e sem jeito. Brevemente virão retirar-me daqui e passarei a ser mais um lixo, no monte de lixo das coisas inúteis. Eu, que já fui a cabine telefónica mais frequentada desta cidade.

                                                                                          Albertina Vaz ©2015,Aveiro,Portugal

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Objetos com vida

Maria Jorge 

A vida tramou Joana por diversas vezes. Seu filho único, e o grande amor da sua vida, morreu brutalmente num desastre de automóvel já há um bom par de anos e o seu companheiro deixou-a recentemente. Depois de ter uma vida muito ativa, agora já quase não saía de casa, porque as suas pernas não a deixavam ter a mesma agilidade de outrora. Os dias iam passando lentamente e o seu objetivo era, ao final de cada dia, falar telefonicamente com o neto e os dois bisnetos.
...não é todos os dias que se faz 85 anos.
O dia do seu aniversário estava a aproximar-se e, como este ano coincidia com um fim-de-semana, era a altura ideal para todos se reunirem, até porque não é todos os dias que se faz 85 anos... e quem estaria cá para o ano?
Com o sol a raiar por entre as persianas, adivinhava-se um dia primaveril de domingo. Mas, apesar disso, resolveram comer dentro de casa, até porque o tempo ainda estava muito incerto e não se fossem levantar aquelas nortadas habituais para o meio da tarde o que tornaria tudo desagradável.
Era o dia ideal para Joana tirar da gaveta aquela toalha branca bordada que lhe tinha sido oferecida pela sua avó como prenda de casamento e o serviço de faiança inglesa que só era usado em ocasiões muito especiais.

sábado, 4 de julho de 2015

A minha cidade

       José Luís Vaz 


Como é bela a minha cidade! Vou a qualquer lado e quando digo que vivo em Aveiro, as pessoas fazem logo desfilar uma série de adjectivos elogiosos. É verdade, Aveiro e os seus canais, onde a Ria exuberante ondeia de vaidosa com o movimento dos moliceiros repletos de visitantes extasiados com a paisagem, fazem dela uma cidade ímpar.
As palmeiras do Rossio.
As palmeiras do Rossio dão-lhe um ar exótico como se fossem nobres castiçais a embelezar faustosas entradas de monumentos.
A velha Avenida Dr. Lourenço Peixinho, agora despida do refrescante arvoredo intenso e denso, permite à Ria espreitar pelas “Pontes”, lá para o fundo, a sempre linda Estação da CP forrada com azulejos doutras épocas.
Cidade da Arte Nova exibida por muitos edifícios da cidade, alguns deles bem necessitados de cuidadosa atenção, antes que a ignorância e a ambição ocupem os seus espaços.
Os Museus de Arte Nova e da cidade de Aveiro, também conhecido por Museu de Santa Joana, conservam e eternizam muita da cultura da região através das peças de arte que neles abrigam.
A Sé, majestosa e imponente catedral, está ligada a uma obra não menos importante, As
A Sé
Florinhas do Vouga, que se preocupa com os excluídos e sem abrigo, ajudando-os com um pouco do muito que eles não têm.
Logo ao sair da cidade, no percurso para as praias, as marcas de uma paisagem apaixonante formada pelas marinhas, permanentemente vigiadas pelas gaivotas que com os seus voos desenham no ar o que a água espelha para delícia de quem passa. Marinhas que outrora produziram muito sal suado pela labuta de marnotos que para ganharem o pão ali deixavam muita da sua saúde.
Também Aveiro teve belas muralhas que acabou por perder no século IXX, quando demolidas para que as suas pedras fossem utilizadas em obras da Barra e na construção do liceu.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

AVEIRO de ontem e hoje…

Maria Pedro 


Ó Aveiro de emoções,
De belas recordações
Em tempos bem remotos,
Logo pela manhãzinha
Passavam para a marinha,
Apressados marnotos.

Gente assim laboriosa,
Alimentavam a prosa
Com as belas tricaninhas,
Que parecendo toutinegras
Vestiam como mandam as regras
Até pareciam princesinhas!

O mercado do peixe
Aveiro de antigamente,
Como te recorda a gente
Dessa beira-mar ribeirinha,
Onde no mercado do peixe
Mesmo que a gente se queixe
Se vai vendendo a sardinha...




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