Ontem fui para a cama um pouco mais
cedo que o habitual. Talvez contagiada pelo tempo chuvoso e frio, estava um
tanto ou quanto taciturna e não me apetecia ver TV.
De repente acordei. Olhei para o
relógio da mesinha de cabeceira. Marcava três e um quarto da madrugada. Já
tinha dormido tanto, sono já não tinha e o que iria fazer até de manhã?
Sentei-me e, bem acordada, comecei a sonhar, e regressei à minha meninice.
Eletricidade, gás, água canalizada,
novas tecnologias, partidos políticos, democracia, emigração massiva dos nossos
quadros técnicos, de famílias completas, de jovens e menos jovens, fome,
desemprego? Alguém sabia o que isso era?
Apanhar azedas da terra e comer; subir
às árvores e, com uma ponta da saia, limpar a fruta e comê-la, quantas vezes,
ainda verde; jogar à macaca, à cabra-cega, ao calote e tantos outros jogos; andar
na bicicleta dos crescidos; meter-me dentro das medas de palha com os meus
amigos e brincar aos senhores doutores; ir para as marinhas com o meu avô e,
enquanto ele apanhava o junco, eu apanhava flores; rebolar-me naquele areal
imenso enquanto a minha mãe lavava, corava com anil e secava a roupa, para, ao
fim do dia, já cansadas, voltarmos; ela com uma mão segurava a roupa à cabeça e
com a outra um pote de barro com água fresquinha; eu, imitando as pessoas
crescidas quando vinham das feiras, metendo a mala da escola e os sapatos à
cabeça, caminhava pela regueira (certo e sabido que a seguir ficava doente);
apanhar peixes-sapos, metê-los na mão e esperar que saltassem para dentro de
água novamente; ir para o rio lavar as tripas do porco para fazer chouriços; arear
a máquina de petróleo; aos serões fazer grandes rolos de tiras de restos de
tecidos para depois serem levados pelas senhoras de Pardilhó para tecerem
mantas que serviam para fazer peso nas camas e nos aquecerem no inverno; levar
tareias da minha mãe pela minha irreverência e traquinice.
Queria rapidamente crescer. Queria
rapidamente ser mulher.
Era feliz e não sabia!
Voltar a criança e saber o que sabemos hoje? Assim se costuma dizer, mas não seria o melhor. A beleza de uma criança é a sua ingenuidade. À medida que crescemos perdemo-la. Coitados dos adultos que não tenham saudades do tempo de criança!
ResponderEliminarComo é bom recordar. Não imaginas como fico feliz quando dou por mim a recordar quando era menina. Quem me dera...
ResponderEliminarGostei muito do teu texto e lembro perfeitamente o sítio onde tiraste a fotografia.
Gostei muito deste regresso à infância e da forma poética como descreves a vida simples e singela como se vivia há pouco tempo. Era bom que esta publicação fosse lida por muitos jovens para lhes dar oportunidade de vivenciarem, em testemunho, a vida dos pais e dos avós.
ResponderEliminarContinua, Maria, estou a ver que esta nossa experiência também te está a dar muito gozo...