segunda-feira, 30 de setembro de 2013

S. Pedro e o Escudo

Histórias Tradicionais

Hoje damos início à publicação de textos elaborados a partir da
RECRIAÇÃO de NARRATIVAS TRADICIONAIS. 

Colabore e remeta-nos o seu texto recriado para publicação. Ouse! A polifonia rasga horizontes.

Histórias Tradicionais
Conceição Cação

A seus pés, as casas iam ficando cada vez mais pequenas, as estradas e rios eram agora simples linhas a separar aqueles aglomerados urbanos e até a Mesquita de Al-Aqsa, de cúpula dourada, ia abdicando da sua imponência. Visto assim, de cima, todo aquele território se assemelhava a um puzzle colossal que um gigante com alma de menino tivesse acabado de encaixar. Nem sinais de guerra, nem vestígios de ódio.
O avião rasgava agora aquele imenso mar de algodão, generosamente iluminado pelos raios de sol, que refulgiam no metálico das asas.  
Porquê esta viagem a Portugal?
− Já vos sigo há tanto tempo, Mestre, e não parais de me surpreender. Porquê esta viagem a Portugal?
E Cristo pensou no carinho que sempre dedicou a este povo, desde os primórdios da nacionalidade. O próprio D. Afonso Henriques tinha beneficiado do seu auxílio, em forma de aprovação e encorajamento, ao aparecer-lhe antes da batalha de Ourique. Outros tempos! Não, não podia abandoná-lo assim neste momento crucial da sua história.
− Já tentei ajudá-los de várias formas, até enviei uma legião de anjos e nada.
− Mas… têm lá a troika.
− Com perdão de Meu Pai, que se lixe a troika!
− Já ouvi falar do Gaspar. Ele é um dos que, em Belém, vos ofereceram…
− Não, homem, esse Gaspar é outro. Não ofereceu nada, só tirou. Quando teve a pasta das finanças, eram só cortes e mais cortes… Já se demitiu. Demorou mais dum ano para perceber que estava errado…
− E o de Santa Comba? Lembrai-vos que tendes o poder de ressuscitar os mortos.
Vade retro, Satanás. Quereis que o povo volte a ter 40 anos de ditadura?
− Não, Mestre. Mas dizem que foi um bom ministro das finanças…
− Nem pensar! O homem já expiou a sua culpa no purgatório por ter sido um ditador. Incumbi-lo de equilibrar aquelas finanças, equivaleria ao inferno. Não pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime.

− Estamos quase a chegar. Ainda bem. Estou cheio de fome. Estas companhias de low cost…
− Que queres, Pedro? O nosso orçamento não dá para mais.
− Mas não poderiam, pelo menos, oferecer-nos um voo em económica na TAP?
− Vê-se que não conheces aqueles políticos. São uns ingratos. Lembras-te dos esforços que eu fiz para conseguir que a TAP não fosse vendida àquele russo colombiano brasileiro?
Nunca usastes tanto as redes sociais
− Se lembro, Senhor! Movestes Céus e Terra: recorrestes a todos os vossos contactos; mobilizastes todas as influências; foram mensagens, apelos… Nunca usastes tanto as redes sociais.
− É verdade, Pedro. E olha que deles não tive nem um like.
− Mas… Vamos aterrar na Portela?!
− Claro, em Alcochete jamais!

domingo, 8 de setembro de 2013

O meu futuro é a multiplicação das minhas memórias divididas pelas lágrimas que correram para a foz

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Virgínia Rafael

A manhã despontou fria, mas cheia de um sol apaziguador para qualquer alma inquieta.  O final do período movia-se com passadas de gigante. Dias, alguns dias para amainar este bulício de adolescentes e jovens que me consomem as entranhas. Eu – já com tantos ontens – permanentemente impelida a uma energia sôfrega, frenética, como se tivesse sido anunciado o fim do mundo.
Sentia-me triste com a desgraça que batia de frente nas nossas vidas - uma desgraça sem qualquer solução, sem possibilidade de ser amainada por uma ténue réstia de esperança. O passado, trampolim para sonhos futuros, vestia-se de morte.  
O passado vestia-se de morte.
Já na rua, poisava o olhar nos prédios perfilados ainda de janelas cerradas – o que  está para além delas? -, sem que deixasse de sentir vontade de voltar atrás, correr as persianas do meu quarto e enfiar-me na cama.
Quando estava mesmo a chegar, não reconheci a escola. Toda a fachada estava coberta de placas metálicas – trabalhadas ao estilo manuelino – que não deixavam ver nada para dentro. Apenas uma porta permitia o acesso. Atónita e incrédula, lá me aproximei. O controle era apertado. Uma figura robusta, de membros desconformes e sem cabeça fez-me uma vénia com uma mão delicada e garantiu-me que eu ia ser feliz. Fui a última a entrar. A porta fechou-se. Abateu-se sobre mim uma névoa de medo.
(As janelas cerradas – o que estará para além delas?). 
Chegada ao átrio, deram-me a mão com ternura e disseram-me que, ali, a única realidade para viver, era o sonho.
E, de repente, pelas fendas do tempo incerto nasceu maio, dia treze. O manto da Virgem escurecia. A tarde caía pelas fachadas e o céu já não era azul. Baixinho balbuciei:

                                 Nesta hora derradeira
                                 morre-te o corpo na alma.

                                 Nada faças.
                                 Nada digas
                                 Nada sintas.
             
                                 Deixa desaguar a eternidade nas teias que te prendem.
                                 Estende-se um pomar pelo teu corpo.
                                 Um mar doce acerca-se das tuas mãos.
                                 Baloiçam harpas penduradas nas tuas artérias.
                                 É maio e o etéreo toca-te vagarosamente.
Evo, só evo.

                                 Já nada fazes.
                                 Já nada dizes.
                                 Já nada sentes.

                                 Evo, só evo.

                                 Porque  agora
                                 sem que se veja
                                 Vive-te a alma no corpo.

                                 Amaviosamente.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

REMINISCÊNCIAS

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação

Susana Ramos

Uma alma a Ocidente
Todos os mares percorreu
Até terras do sol nascente,
Outro lar distante do seu.

Terra de beleza estranha,
De  grandes contradições
Do mar azul à montanha
Um oscilar de emoções.

Chegando, segue viagem
Para o coração do país
E já como a bruta paisagem
Se confunde, é feliz.

Já é noite e chega a hora
Do mundo se ir deitar
Apenas eu permaneço
Sozinha o céu a fitar.

“Não há outro céu assim
Tão negro e tão brilhante”
E perco-me dentro de mim
Ainda que por um instante.

Viagens longas e árduas
Por sinuosos caminhos
O céu e o inferno se tocam
Como rosas e espinhos.

Gritos mudos,
Silêncio ensurdecedor,
São ouvidos e sentidos
Um pouco por todo o Timor.

Sem procurar encontrei
O que muitos seguem buscando
E neste abismo me lancei
Nem um segundo hesitando.

Timor, Timor…
Se soubesses o quanto te amei
Terias subido ao trono
Deste coração que te fez rei.

15 de Março de 2013
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