quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Um momento diferente


José Luís Vaz

Saí de casa, sem carro, desejoso de caminhar sem destino, espairecer, respirar ar puro, descontrair, desligar do quotidiano dos noticiários que, quanto mais longos, mais deprimentes. Começa a ser muito penoso ser uma pessoa minimamente informada. Notícias, umas a seguir às outras, sempre, sempre, a falar da crise e sempre da pior forma. Caminhava descontraidamente, saboreando o tempo, que ao tempo não tinha, para relaxar e desfrutar as coisas mais simples da vida. O silêncio da natureza, harmonizado, aqui e ali, pelo chilrear de um pássaro que, senhor do seu bico, faz questão de dizer que, aqui quem “canta” sou eu. Andei bastante, o suficiente, para me apetecer sentar num dos bancos de um jardim, muito frequentado por pessoas idosas, que ali deixam passar o tempo que teima em não parar. Julgava eu, continuar o meu salutar alheamento de tudo e de todos os que diariamente nos massacram. Mas não. Próximas de mim, num banco ao lado, conversavam compulsivamente três senhoras, sobre um assunto muito pertinente, a crise! Arrependido de me ter levantado, disfarcei, passeei um pouco por ali e voltei a sentar-me. Estava disposto a usufruir de um lugar, pelo qual nada paguei, para poder assistir a um verdadeiro espectáculo popular que me fazia recordar o tempo em que a “revista à portuguesa” nos informava e mobilizava divertindo-nos profundamente.
– Olhe menina, eu agora decidi deixar essa malandragem e ir aos mercados.
Com um dito destes, é evidente, que qualquer um se colava ao assento procurando nada perder dum novo estilo de abordagem da famigerada crise.
– O quê? Ó Guilhermina, isso nem parece seu? Então, vive tão perto de um ótimo supermercado, com três empregados tão simpáticos, e vai andar aí a dar voltas, à procura dos mercados?
– Também digo, ainda se valesse a pena?

Alboi - o meu bairro

Dores Topete
Hoje estou muito triste, passei uma vez mais no bairro onde nasci e onde brinquei, no jardim que tantas e tão boas recordações me deixou. Não pude evitar que uma revolta sem fim tomasse conta de mim e que este desgosto que sinto me doa como uma dor física que nos assola e se torna intolerável.
Alboi, o meu bairro, está destruído, irreconhecível… Como é que uns senhores, só porque ganharam as eleições, se outorgam o direito de destruírem as zonas verdes da nossa terra, as árvores com uma idade sem fim? Quem é que devemos responsabilizar por tanta devastação, irresponsabilidade e falta de espírito de coerência social?
Estou a recordar-me do anterior mandato da responsabilidade do partido socialista, que foi altamente recriminado, e muito bem, por ter destruído árvores da nossa cidade.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

História da Dona Redonda


EVOLUIR agradece este texto para publicação


Lindonor Silveirinha
       

Quando eu era pequena, ofereceram-me um livro de histórias, que se chamava Dona Redonda e os seus fanicos.

A Dona Redonda era mesmo redonda e a história contava que ela fora um dia por uma ribanceira abaixo e se desfizera em fanicos, ou seja, dezenas de pequenas donas redondas iguaizinhas a ela.

A história em si era muito complicada, até metia um dragão que fazia um barulho horrível e pouco me lembro dela, a não ser da D. Redonda e dos seus fanicos.

Assim, resolvi escrever a minha versão da história, como eu acho que ela deveria ser, para que crianças pequenas a entendam e lhe achem graça. A autora da história original, Virgínia de Castro e Almeida, que me perdoe, pois não pretendo plagiá-la, nem depreciar o seu trabalho.

Um sonho


 Maria Jorge


Ontem fui para a cama um pouco mais cedo que o habitual. Talvez contagiada pelo tempo chuvoso e frio, estava um tanto ou quanto taciturna e não me apetecia ver TV.
De repente acordei. Olhei para o relógio da mesinha de cabeceira. Marcava três e um quarto da madrugada. Já tinha dormido tanto, sono já não tinha e o que iria fazer até de manhã? Sentei-me e, bem acordada, comecei a sonhar, e regressei à minha meninice.
Eletricidade, gás, água canalizada, novas tecnologias, partidos políticos, democracia, emigração massiva dos nossos quadros técnicos, de famílias completas, de jovens e menos jovens, fome, desemprego? Alguém sabia o que isso era?

domingo, 27 de janeiro de 2013

Eu trabalho!



Albertina Vaz
Eu não, eu trabalho, eu sou … uma privilegiada!
Ainda é noite e a chuva cai, mas o dia começa bem cedo e tenho de me apressar. Retiro as crianças à pressa do sono encurtado, sussurro meias palavras: lavar os dentes, a cara, despir o pijama, tomar o leite… depressa, depressa, é tarde, já estamos atrasados. A mochila da escola, o lanche arranjado de véspera e o autocarro que não espera.
Quase dói a pressa com que os apresso, quase dói o dia que começa!
Um beijo de despedida, um até logo, um aviso – nada de asneiras – uma promessa – eu logo venho buscar-vos – uma dúvida – e se não te deixarem, mãe? – uma certeza – vem a avó!
Eles vão, pequeninos e indefesos, rumo a uma vida que começa, num misto de brincadeira apressada que se desfaz numa esquina. Deixo de os ver ao cruzar da rua e dou uma corrida. Já lá vem o autocarro: não posso perdê-lo!
Entro e… descanso! Sabem bem estes minutos que me conduzem: vejo as luzes que iluminam as montras e as janelas das casas e dentro delas imagino gente apressada, como eu, que se prepara para mais um dia de trabalho.

E vejo também aquela fila interminável de gente que dá a volta ao quarteirão e espera, e desespera à porta do Centro de Emprego! Já passei vezes sem conta por tudo isso! Mas hoje não, hoje eu sou uma privilegiada: tenho um emprego!
Sou uma trabalhadora especializada: tenho uma licenciatura em Comunicação Social, um Mestrado em Estudos Sociais e um Doutoramento em Respostas Sociológicas ao desenvolvimento. Fiz um Erasmo na Alemanha, tenho um estágio na Bélgica, um pós-doutoramento na Holanda.





quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Testemunho na 1ª pessoa

Maria Jorge


Reformei-me do privado com 61 anos de idade e 39 de contribuições para a Segurança Social.
Na altura, pedi uma simulação do que seria a minha reforma. Depois de me apresentarem os cálculos, baseados nas contribuições entregues ao longo de toda uma vida, fizeram-me diversas advertências: não podia nos cinco anos seguintes trabalhar para a mesma entidade patronal ou em qualquer empresa onde figurasse o nome da mesma, quer fosse a tempo parcial ou mesmo grátis; iria sofrer uma penalização por pedir a minha reforma antecipada e ainda, se prosseguisse com a minha petição, não poderia voltar atrás.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um azar nunca vem só


Maria Jorge

Senão vejamos:

Azar nº 1 – Em Fevereiro de 2009 deram-me um cachorro com apenas 2 meses. Peguei nele, olhei e gostei do que estava ali nos meus braços. Muito dócil, muito brincalhão e, carinhosamente, decidi pôr-lhe o nome de GASPAR.

O meu cão, hoje com 4 anos de idade, já adulto e nada arrogante, sabendo as dificuldades que a dona atravessa, (sim porque o meu cão ouve as notícias e sabe que a dona é reformada) não é nada exigente, apenas quer comer atempadamente, banho de vez em quando e diariamente dar o seu passeio higiénico. Também gosta de receber muita atenção, porque também a dá e até consegue ler o pensamento da dona quando está menos bem.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CASAS MORTAS

EVOLUIR agradece este texto para publicação

Graciete Manangão



Na minha aldeia há mais casas mortas do que casas vivas.
Numa casa “viva”, há vida durante 24 horas. Em todos os segundos que compõem o dia de quem nela habita.
Vida fervilhando, construindo ou destruindo, amando ou odiando, ora latente ora activa, vida projectada ou adiada.
Casa vazias, silenciosas, fechadas a sete chaves são casas mortas.
É urgente abrir portas, abrir caminhos, desvendar corpos e almas.
É urgente viver, abrigar corpos e almas.
Não quero ver mais casas mortas.
Quero adiar a morte.

Queremos ressuscitar as casas mortas.








quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O PESO DA SOLIDÃO - CARTA A UMA AMIGA

Dores Topete 

Olá Lígia

Há tanto tempo que não te escrevo, aliás, parece que a escrita está cada vez mais em desuso, o nosso último contacto foi pelo telefone e já lá vão uns meses. Espero que tu e a tua família continuem bem.
Hoje quero escrever-te porque sinto que ao fazê-lo, vou poder extravasar tudo o que me vai na alma, e só contigo o posso fazer, não só porque és a minha melhor amiga, mas também porque sempre me aconselhaste bem, eu é que infelizmente nem sempre te dei ouvidos.
Por isso, agora, que a minha vida vai levar uma reviravolta, és tu a pessoa a quem quero contar, porque sempre viste o que eu nunca quis ver e, por isso, sofri e paguei caro a minha cegueira.
Estou a recordar a minha vida, a infância maravilhosa que tive, filha e neta única, vivi sempre rodeada de amor e carinho, tive muitos amigos, brinquei, estudei e namorei, e tu foste a amiga que me acompanhou desde sempre.
Como tudo na vida tem um fim, a minha felicidade acabou, precisamente quando acreditei que iria ser completa. Enamorei-me da pessoa errada, acabei grávida e viúva sem sequer ter casado. O Ernesto foi na minha vida um pesadelo, não só porque foi um ser humano mal formado, que me enganou, me engravidou, me mentiu, mas também porque não aceitou a minha gravidez, e acabou por morrer vítima de um acidente em consequência das noitadas tresloucadas que fazia com os amigos, antes mesmo de ter tempo para reconhecer o filho.


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