segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A bela adormecida

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Albertina Silva Monteiro

Era uma vez uma princesa que se chamava Bela. Bela só acreditava no amor e apenas vivia por amor à sua família. E sonhava, sonhava tanto que parecia dormir enquanto caminhava. E alheia aos outros, ouvia:
- Bela, és uma bela adormecida…
Bela caminhava até ao castelo
E Bela olhava, sorria e continuava o seu caminho diário até ao castelo para buscar o seu filho – o seu príncipe de dez anos. Na casa de Bela, um palácio de amor, como dizia o seu rei, todos se sentiam personagens de uma história encantada; eles encantavam-se uns aos outros. Era por isso. Eles eram tão felizes dentro daquele amor que despertaram a inveja e a cobiça de uma bruxa má que decidiu terminar com a felicidade de Bela.
No dia seguinte, ao chegar ao castelo, Bela reparou que o seu príncipe não a esperava no sítio do costume. Bela, como vivia num estado de graça permanente, não pensou em feitiços ou bruxas más; então esperou. E esperou mais um pouco. Mas de repente Bela sentiu uma picada bem no meio do coração, uma dor estranha, um vazio seco que descia da garganta até ao coração; correu. Não sabia o que sentia mas sabia que devia correr; ir ter com ele, o seu príncipe.
Aconteceu um grito. Porque aconteceu um roubo. Uma bruxa má roubou-o, ouviu-se dos céus. Bela caiu. Depois adormeceu.
Bela Adormecida dormia profundamente. Caíra em sono profundo, cedera ao vazio no coração, à impotência da magia, ao tempo que vagarosamente corria pela vida. Todos choravam. Havia sido enfeitiçada pela bruxa má que se escondia na imensa floresta negra protegida por ogres e fortes feitiços negros que impediam a magia branca, tão lenta, impotente e diminuta, de a encontrar e resgatar o príncipe da Bela adormecida, o único que a poderia despertar.
Tentaram despertá-la com o beijo do rei, mas Bela adormecida dormia um sono profundo, um
Bela dormia um sono profundo
sono assim: fragmentos de um beijo e de um abraço, fragmentos de um lugar escuro, frio, caras estranhas, fumos e cheiros nauseabundos; fragmentos de uma gargalhada, uma corrida pelo jardim de erva verde-escuro, um lago com peixes dourados e vermelhos; fragmentos de uma bruxa histérica, um ogre enorme e desconcertante; fragmentos de uma luz negra agora inundada por uma luz branca; um trovão, uma mão, duas mãos e uma é de criança, um beijo, um pedido, um vazio, um príncipe, um príncipe que ri os seus dez anos. Bela adormecida quer o beijo do seu príncipe que lhe foi roubado. Dorme Bela, dorme.
Dois anos depois, do outro lado do mundo, numa floresta negra, vamos imaginar um lugar com quatro paredes. Agora imaginemos um príncipe preso; apenas isso.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Branca de neve e os três anões

Fernanda Reigota

Quando os sete anões chegaram a casa, cansados do trabalho, estacaram o passo, perante a visão da Branca de Neve. Como eram cultos, sabiam muito bem quem ela era. Por educação, perguntaram-lhe o que fazia ali.
– Sabemos que é sobejamente conhecida na Europa, depois que os irmãos Grimm
Não entendemos o que faz
em nossa casa
fixaram em livro a sua história da tradição oral alemã. Mas não entendemos o que faz em nossa casa, embora pareça muito mais arrumada.
– Descansem que não me enganei. Antes de entrar, li os vossos nomes: Sabichão, Feliz, Zangado, Soneca, Dunga, Atchim e Dengoso. Venho dar-vos aulas, ou pensam que o programa é para andar a esticar uma eternidade? Claro que só preciso de três alunos. Amanhã, o Pê Feliz, o Gás Sabichão e o Pau Zangado não vão trabalhar para os mineirostérios. Mas tu, Gás Sabichão, não tragas a Luisinha Discípula! Ela serve muito bem é para decorar mesas de conferências de imprensa. Tu depois lá lhe passas as ordens.
Soneca Limas Pato, Dunga Cristas,
Aguinar Mota, Atchim Paulo....
E continuou, acrescentando que, para começar a poupar, o Soneca Limas Prato, o Dunga Cristas Aguinar Mota, o Atchim Paulo Cruz Marques e o Dengoso Miguelito Poisares iriam trabalhar num único mineirostério. Caso os assessores nomeados não tenham lugar, que fiquem em casa. Sempre se poupa alguma coisa pagando-lhes só o magro ordenado.
Branca de Neve tinha umas chamadas em linha e foi sentar-se na cama que havia preparado, juntando três camas dos anõezinhos. Recostou-se e passeou o olhar pela mais recente autoestrada de tráfego digital rodoviário, que passava mesmo ao lado da casa dos sete anões. Observou que não havia trânsito. A PPP que a havia construído, sabiamente decidira que, sem carros, a manutenção ficava a custo zero. E tudo o que fosse a custo zero para a PPP era negócio. E aquele sossego oferecia-lhe segurança absoluta de não ser perturbada nem encontrada. A sua missão era secreta, à semelhança de outras que já desenvolvera nalguns países despesistas.

domingo, 20 de outubro de 2013

À procura de Nemo

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação

JORGE SANTOS

... o sorriso pintado na cara
          Marlin era um palhaço. Não no significado depreciativo, mas profissional: era um palhaço, que deixara de trabalhar no circo e agora aparecia em festas de crianças, com o seu fato largo de várias cores, o nariz vermelho e o sorriso pintado na cara. Gostava do que fazia e esforçava-se para estar sempre bem disposto e brincalhão, mesmo que, ultimamente, o sorriso fosse meramente um adorno. Por dentro, Marlin perdera a vontade de sorrir desde que a mulher, Coral, chegara a casa com os resultados dos exames médicos. As palavras leucemia, radioterapia e quimioterapia entraram naquela casa como se fosse uma tempestade. Apenas o pequeno Nemo, na altura com dois anos, estava alheio às possíveis implicações da doença da mãe.
Marlin esforçou-se o mais possível para se manter junto da esposa, vendo-a a definhar e a ter de se mostrar sempre bem disposto e alegre. Por dentro estava com o ego estraçalhado, apenas um fragmento do Marlin que antes fora, um fragmento de homem que, um dia, recebeu a notícia, cuja esperança de não receber alimentara nos últimos dois anos: Coral já não voltaria a casa. Marlin chegou a casa e agarrou-se ao filho, a chorar. Agora eram só os dois.

Nemo tinha o sonho de ser jogador
de futebol
          Dez anos passados, Marlin trabalha agora num supermercado. Nemo tornara-se um rapaz esperto com a mania da bola, como qualquer outro rapaz de 14 anos, independentemente do seu grau de esperteza. Tinha o sonho de ser jogador de futebol numa grande equipa, mas o pai tinha receio: aos 7 anos, o Nemo chegara a casa com dificuldade em respirar. O médico dera as más notícias - naquela casa, eram sempre os médicos que davam as más notícias, e o Marlin já estava a ficar farto: Nemo tinha asma. Durante os anos que se seguiram, o rapaz foi parar às urgências do hospital quase todos os meses, até que, recentemente, Marlin o proibira de jogar futebol.
       “Pai, não me podes proibir!”, berrou o Nemo, no seu quarto, agarrado à bola, sem ter consciência de que o estava a fazer exactamente no mesmo sítio onde o pai o abraçara quando a mãe tinha falecido.
          “É para o teu bem, Nemo.”

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um pastor chamado Horácio

Júlia Sardo

Numa terra distante havia um rapazinho que tinha um grande sonho: ser líder. Ou seja: desde cedo começou por demonstrar, quer a brincar com os companheiros da escola, quer em outras tarefas, a grande paixão de liderar.
Ele queria chefiar sempre
Em qualquer brincadeira de que fizesse parte ou em qualquer evento, ele queria chefiar sempre.
Horácio, assim se chamava o rapazinho, fez a instrução primária, na aldeia natal. Teve como mestre um professor austero, que obrigava os alunos a terem um perfil de bom comportamento. Todos os alunos tinham que ter disciplina.
Horácio era bom aluno, limpo, asseado em todos os seus trabalhos. Era bastante metódico, em todas as tarefas a que se propunha.
Foi fazer o liceu para a cidade mais próxima, acabando-o com distinção.
Entretanto, entrou na universidade, onde continuou a ser um bom aluno, mas já com instinto de se aproximar das pessoas e professores com competências elevadas para ouvir e aprender assuntos que já lhe aguçavam o interesse: onde ele pudesse beber conhecimentos que lhe dessem a possibilidade de subir na vida e de fazer o que mais gostava: liderar.
Com o passar dos tempos ele já liderava no grupo dos mais jovens, ou seja, a juventude que conseguia agregar à sua volta.
Os anos foram passando até que algumas pessoas de muito prestígio, lá da terra, entenderam haver necessidade de alguém, com perfil, para estar à frente do clube de futebol.
Quem escolher para estar à frente deste empreendimento? Foi escolhido o Horácio, por unanimidade.
Claro que ficou muito satisfeito e resolveu criar uma instituição sólida e já com umas certas características para o futuro. As pessoas que o escolheram e confiaram nele não se arrependeriam, dizia ele.
As primeiras infraestruturas foram feitas e tudo correu bem.O relvado foi semeado, regado para que crescesse saudável e rápido.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Lenda do galo de Barcelos

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Virgínia Rafael 

Certa noite, um forasteiro, vindo do centro de Portugal, a caminho da Espanha, chegava a Barcelos.
Que cidade bonita!
- Que cidade bonita! Um castelo, uma bela igreja a enamorar-se do rio, um largo com bela
Torre! Cidadezinha simpática!
À medida que calcorreava a cidade, espantava-se com a sua beleza e com a sua pacatez.
- Tantas mulheres de fato de treino numa azáfama! Para onde irão? Algumas andam tão depressa que se fossem comigo, num instante nos púnhamos em Espanha.
- Ó miúda queres fazer-me companhia?
- Pensas que estou para te aturar, ó pedinte!
- Lá pedinte até pareço! Bolas! Então ela não vai para a Espanha?!
Passa por mais umas mulheres com o mesmo passo da primeira.
- Ó miúdas! Posso ir convosco?
- Ó miúdas! Posso ir convosco?
As mulheres olham-no com desdém.
- Ai! Este parvo pensa o quê?
- Para a Espanha não é por aí acima?
- Por aí acima e por aí abaixo! Estica-te muito e os nossos maridos…
- Vou segui-las. Elas de certeza que vão para a Espanha.
O forasteiro seguiu-as sem fôlego, tal era a marcação de passo das mulheres.
- Irra! Estas devem ir para além de Santiago de Compostela!
As mulheres vão olhando para trás com cara de poucas amigas. Uma delas pega no telemóvel e telefona ao marido.
Cinco minutos depois chega um carro com cinco homens.
- Ouve lá! Tu pensas que estás onde? A meteres-te com as nossas mulheres! Isto é uma cidade pacata.
- Não! Não! Por favor, eu não seria capaz! Eu pensei…
- Pensaste o quê? Achas que tenho cara de parvo!
- É dar-lhe já uma ensinadela! Desfaço-te a cara. Está um gajo sossegado a ver a bola enquanto elas andam juntas a ver se emagrecem e aparece um imbecil a segui-las?! Tem um tipo de deixar o jogo a meio…
- Eu pensei…

sábado, 5 de outubro de 2013

Era uma vez… uma história dos nossos dias

Albertina Vaz

Era uma vez três porquinhos que viviam com a sua mãe numa casinha lá no meio da floresta. Passavam o dia a brincar e a dançar com os seus amiguinhos e um dia a mãe chamou-os e disse-lhes:
- Meus filhos, chegou a hora de ver o que já aprenderam: ide e não vos esqueçais de tudo o que vos tenho ensinado! Tenho aqui um saco com algumas moedas para cada um e quero ver o que fazem com elas. Depois encontramo-nos em casa de novo.
Era uma vez três porquinhos
Os três porquinhos lá foram todos contentes pela floresta fora para descobrirem a vida e o que ela esconde atrás de cada esquina. E resolveram seguir cada um o seu caminho, combinando que, ao fim de um certo tempo, se voltavam a reencontrar.
Passado algum tempo voltaram à casa da floresta e correram a cercar a mãe que já tinha muitas saudades deles. Depois dos abraços olharam uns para os outros e, ao mesmo tempo, disseram os três:
- Ó mãe, há por aí alguma coisa que se coma?
A mãe achou muito estranho mas foi de imediato arranjar um jantarinho de que todos gostassem e ficou derretida ao ver os três filhotes a comerem regalados o que lhes preparara. No fim do jantar, os porquinhos, já mais refeitos da caminhada, preparavam-se para fazer uma boa soneca mas a mãe não resistiu e perguntou-lhes:
- Então, meus filhos, como fizeram para organizar a vossa vida longe da floresta?
Um a um foram falando, cabisbaixos, sem saber como começar. Com os olhos no chão, atrapalhado, o porquinho mais pequeno começou:
Eu resolvi fazer uma casa pequenina
- Eu resolvi fazer uma casa pequenina e gastei quase todo o dinheiro que tinha. Era uma casa feita de cartão e tábuas que ia encontrando no caminho. Eu gostava muito dela mas fazia frio lá dentro e às vezes recordava-me muito da nossa casa aqui na floresta. Só que um dia veio um Lobo Mau que me bateu à porta e me disse: esta casa é minha! Eu sou o dono do terreno onde ela está e dos materiais que utilizaste. Ou me pagas tudo ou deito a tua casa abaixo!
Ora eu não tinha mais dinheiro e só me deu para fugir até à casa do mano enquanto via o Lobo Mau a deitar a minha casinha abaixo. Nem percebi porque é que ele estava a fazê-lo, mas o que eu sabia era que não podia continuar ali.
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