domingo, 29 de janeiro de 2017

Oiço a tua voz

© Isabel Maria

Oiço a tua voz
Porque vieste?
Não chamei por ti!
Tua voz…
Oiço a tua voz!
Tão perto, tão longe
tão dentro de nós!...

Uma parte de mim
vive longe…
É fogo, é luz
rosa do meu jardim
presa ao meu coração
Chamo tua voz                                   
mas, não regresses mais
Assim!...

Embora a dor me fira,
De tal modo
Que só tuas mãos saibam
Curar-me…
Ou ninguém, se não tu,
possa entender
o meu contentamento,
sem que tua voz me faça estremecer!...


Isabel Maria ©2017,Aveiro,Portugal

domingo, 22 de janeiro de 2017

Alabastro


© Vitor Sousa


Opaco, persistente, frágil, compulsivo no descrédito dos valores mundanos, o João soava a Alabastro.
Nascido para carregar penitências, era a personificação das noites revoltas, da febre, das maleitas e de um vómito cáustico oriundo de um qualquer manifesto de repúdio aos deuses ou às contrariedades de bom comportamento.
Opaco,persistente, frágil, o João soava a Alabastro
O seu universo tinha de ser retocado, amarfanhado e reinventado por ele, como se ele fosse o princípio e o fim de todas as coisas na plenitude desordenada do instinto.
A perspectiva da observância era antagónica na captação pictórica do mundo, sempre pautada pelo confronto às verdades absolutas e à força absurda das razões que enjaulam os caminhos.
Era um artesão da alma.
A vista da imensidão, ou a mão pousada no sossego da muralha castelã imprimiam um derrube do temporal, onde todo o rasto histórico é agora. A relação com o outro era fácil, espontânea, afável e curta.
A vivência humana na sua complexidade, imprimia-lhe sempre uma impressão de transacção comercial submersa movida por vómicas cumplicidades sarapintadas a custo por retalhos necrófagos de aparência isenta e sadia.
Até a caridade, supostamente nobre e altruísta era castrada pela contrapartida do amanhã desconhecido, pelo dilema medonho de fazer o bem para garantir o bem-estar sem vir a precisar do pão alheio ou de estender a mão à vergonha do pedir.
Valiam-lhe os bichos, para lhe nortear as contendas e harmonizar a existência.

domingo, 15 de janeiro de 2017

O homem que contava as estrelas

 © Albertina Vaz 


Era uma vez um homem que contava as estrelas. Ficava muito tempo a olhar para elas e a vê-las tremelicar. O homem não era nem velho, nem novo. Era apenas um homem. A contar estrelas: aquela, lá mesmo ao fundo, era a estrela do João, a outra, mesmo ao seu lado, era a da Maria; no meio, lá estava a estrela do sol nascente e, mais abaixo, a estrela da boa vontade. O homem dava nome a todas as estrelas. E todas as estrelas o conheciam por homem. Nenhuma das estrelas sabia o nome do homem, mas todas o chamavam pelo nome.

Olha, lá em cima, tantas estrelas!
Algumas vezes, quando o céu se enfrascava de chuva, as estrelas gritavam: vai para casa, homem, olha que vai chover muito. Mas o homem não ouvia as estrelas. Vi-as a brilhar ou a escurecerem. E, quando as estrelas ficavam escuras, o homem dizia: é a vida! Foram-se. Talvez voltem amanhã.

No dia seguinte, o homem voltava para contar as estrelas. E elas lá estavam, brilhantes, como se o sol estivesse por perto e a noite não tivesse descido. Vai ali a Francisca – dizia o homem. Do lado esquerdo, deve ser o Pedro. Um dia ainda os hei-de juntar – pensava o homem. Mas o homem acabava sempre a noite a contar as estrelas. A ver se faltava alguma, ou se alguma estava fora do seu lugar.
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