sexta-feira, 20 de maio de 2016

Ia chegar atrasada

©Albertina Vaz 

Tinha saído a horas mas uma turbulência inopinada obrigara o piloto a esperar nova oportunidade de aterragem. E ali estávamos, em voo planado, a circundar a cidade cujas luzes se começavam a divisar. Tremia de impaciência. Isto era tudo o que não queria e aí estava a realidade: não havia qualquer hipótese – ia chegar atrasada.
Ía chegar atrasada
Atravessei, em passo de corrida, os corredores intermináveis do aeroporto e aguardei, outra vez, numa impaciência sem medida, a bagagem que persistia em aparecer depois de todas as outras. Quase me apetecia sair sem ela mas aquele sentimento de pertença impediu-me de sair dali. Finalmente: lá estava ela.
Só dei por mim quando me vi de novo numa fila interminável. Desta vez era o táxi e todas as pessoas que, à minha frente, faziam questão de chegar, elas também, a horas. Martelava-me na cabeça a certeza de que o avô estava sozinho em casa e lhe tinha prometido que jantaria com ele. Chegas sempre tarde, não vale de nada pedir-te para respeitares as minhas horas. Não tens sequer horas. Nem para mim, nem para ti, nem para ninguém. Vida de viajante não dá felicidade a ninguém.
Esta corrida em que a minha vida se transformara estava a doer-me cada vez mais. Deixei de ter os meus silêncios, as minhas leituras, as palavras que gostava de escrever. Até deixei para trás os olhares, os gostos, os sorrisos.
Estava a chegar e uma chuva miudinha chegava comigo. Como se nada mais bastasse para me desesperar. Até aquela chuva irritante vinha festejar o meu atraso. Meti a chave na fechadura e entrei. A medo e em sofrimento.
Apressei-me nas desculpas: o voo que atrasara, a bagagem que não chegava, muitas
Alva, como a neve
pessoas e poucos táxis e até a chuva. Um turbilhão de palavras. E de desculpas. Só então reparei que o avô, imponentemente, estava sentado no topo da mesa, com um sorriso no rosto, imperturbável. Nem me ouvira sequer. Olhava para um e outro lado e ia distribuindo sorrisos e abraços. Amigos imaginários? Ou simplesmente a doença a avançar?
Olhei à sua volta e percebi que a toalha de renda, bordada pela avó, se espalhava pela mesa. Alva, como a neve. Linda como nenhuma. Tudo estava meticulosamente pensado: o serviço de jantar dos dias de festa, o talher de prata, os copos de cristal. No centro, um arranjo de flores vermelhas pendia de um arabesco, como se de uma cascata se tratasse. Dois candelabros de velas acesas deixavam cair, em gotículas pendentes, a cera que se acumulava num prato que as circundava. O cheiro a cera queimada dava ao ambiente um certo ar de mistério que se tornava envolvente.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Noite Velha

Isabel Maria ©

Lentamente o manto
De seda azul
Vai dando lugar
A um manto diáfano
Escuro de cetim…
Mais uma vez
A noite venceu o dia!                       
Agarro o tempo
A lua encantada
Renova de brilho
O meu quarto é todo luz
Dou voltas no sono
Que deixo subitamente
Fugir…
Vagueio na noite acordada
Espreito a lua
Sonho com olhos ávidos de sono
Que vou ser feliz.
Agarro o tempo
Olhando um fio de luz
P’ra me guiar…
Noite
Noite de sonhos e medos
Noite etérea e vadia
De perfumes a levitar
Velha noite dos meus sítios
Onde os mistérios da lua
São meus segredos e ilusões
E se confundem com sons
Na minha voz
Que na tua voz flutua!...


Isabel Maria ©2016,Aveiro,Portugal

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Carta à minha mãe

 ©Idalinda Pereira

(A ser entregue no dia do meu nascimento)


Ainda não sabias que estavas grávida, mas eu já existia.
Eu sabia que era fruto do amor, de uma paixão, e não do acaso ou de um descuido.
Eu vivia em silêncio, dentro de ti, e tu continuavas a ignorar-me. Foi necessário haver uma explosão hormonal para te provocar tonturas, enjoos e mau estar - eureka! Aí fez-se luz!
Então, pela quinta vez, segredaste ao ouvido do meu pai: estou grávida. Fiquei mais tranquila porque ia ser reconhecida.
Quando se deu a minha divisão celular, senti-me muito aflita e tive que te roubar muita energia, porque precisava de oxigénio para a formação do meu cérebro, ossos, vasos sanguíneos, músculos e todos os meus órgãos, o que te causou um grande stresse e muito nervosismo. Eu chamava por ti, mas mesmo sabendo que eu já existia, continuavas indiferente até mesmo ignorando-me!.. Só passados sessenta dias, é que tomaste plena consciência de que, nas tuas entranhas, havia um novo ser e que eras a pessoa mais importante para ele! Então começaste a ajudar-me.
Tiveste cuidado com a tua alimentação, mais horas de descanso, pediste ajuda especializada para que nada me faltasse, sabias que só assim eu viria a nascer saudável, perfeita e escorreita, como é o desejo de todas as mães.
Gostei muito de me aninhar no teu ventre e permanecer nele durante as várias fases do meu crescimento e desenvolvimento: ovo, embrião e feto.
Através da placenta, deste-me tudo o que eu precisava. Sei que sofreste, o teu stresse aumentava, mas não eras a única. Eu. por vezes, também ficava muito irrequieta com falta de oxigénio; tu não respiravas corretamente e eu tinha que aguentar com o meu stresse e com o teu! Mas depois passavas a mão na tua barriga e eu acalmava, sentia-me bem.

domingo, 1 de maio de 2016

AMOR DE MÃE

 ©Maria Celeste Salgueiro 




Deste-me, minha Mãe, a vida, o ser.
Foste na minha infância o sol, o guia;
Ensinaste-me a andar, a escrever,
A ver, além das coisas, a poesia!

Foste a amiga que todos sonham ter,
Pronta para ajudar em cada dia;
Foste o meu lenitivo no sofrer,
Comigo te alegraste na alegria!

Tu deste-me um amor ilimitado
Que nada pede em troca, dá sómente,
Como outro assim não há desinteressado.

Hoje o pranto é um rio que inda corre...
Mas, minha Mãe, tu estás sempre presente,
Quem é sempre lembrada, nunca morre.


Maria Celeste Salgueiro ©2016,Aveiro,Portugal
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