domingo, 31 de março de 2013

Cleptocracia

                                              Fernanda Reigota


Mal aparecem as primeiras aragens que perfumam o ar com o cheiro das mimosas, a primavera está anunciada.                                                      

Depois é só prestar atenção e ir descobrindo umas papoilas rubras como os sonhos da infância; umas hortênsias azuis, resistentes e dignas, como os ideais da juventude; umas margaridas amarelas, amigas e amorosas, como a consistência dos sentimentos da idade adulta; ou uns miosótis, frágeis mas  fraternos, como a experiência da idade madura.
Imagino caminhadas em campos que me vão oferecendo esta profusão de manchas coloridas que, para mim, são símbolos de plenitude e da verdadeira harmonia entre as pessoas. Num campo assim, congestionado por todas as promessas de vida que se renova, respiro fundo e esqueço, por momentos, o que estão a fazer ao meu país.
A criança que eu já fui e a criança que ainda sou procuram um cheiro, procuram um objeto. Evocado esse cheiro com muita intensidade, a qualquer momento serei transportada para a minha infância. Desembarcarei na plataforma do alpendre para onde dava aquela porta de cozinha de aldeia.
Entro e vejo que tudo está novamente preparado para amassar os folares: já lá está a gamela, no chão, sobre um pano branco grande, o saco da farinha, os ovos, o acrescento bem lêvedo, a água quente para ir molhando as mãos e a canela num cartucho de papel branco… Para que o casamento dos cheiros seja completo procuro o fermento e, avidamente, desfaço um pouco entre os dedos e extasio-me.


sábado, 30 de março de 2013

Não sei que te diga, nem sei se te diga


Albertina Vaz

Não sei que te diga, nem sei se te diga.
Não sei se sou capaz de falar das palavras, dos dias que corremos juntos, que passeámos de mão dada junto ao rio, que te ouvi e me ouvi, em que te confessei segredos, em que partilhámos sonhos, em que seguraste a minha mão e me levaste a transpor um degrau difícil, um obstáculo penoso.
aquela mão que me segurava
Não sei se sou capaz de recordar aquele sorriso dos teus olhos, aquela mão que me segurava, ou a tua voz grave que me prevenia dos caminhos tortuosos e serenava as minhas dúvidas quando o desconhecido me assustava ou o ignoto me atraía.
Não sei se vou conseguir esquecer aquelas manhãs de sol, as gaivotas a circularem à nossa volta e os patos em fila a fugirem perseguidos pelo gato e tu e eu a rirmos até cairmos numa alegria feita esperança e sol nascente.
Não sei se ainda me lembro daqueles dias em que as nossas vozes se cruzavam e se digladiavam discordando e discutindo como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, ou mesmo naquele dia. Não sei se me recordo dos dias em que nos deitámos de costas voltadas e de testa enrugada como se nunca mais houvesse possibilidade de voltarmos a apertar as nossas mãos.
Não sei se vou esquecer aquele circo repleto de animais e palhaços e acrobatas a que assistíamos juntos saboreando a magia de que tanto gostávamos e o feitiço duma noite diferente em que a tua mão prendia a minha e eu vivia o sonho de estar contigo e estarmos juntos.
Não sei se ainda me lembro da primeira vez que me levaste a ver um filme com uma história de fantasia em que a quimera se transformava em devaneio e a utopia se instalava sem receio, como se a vida de cada um de nós se esgotasse ali, naquele segundo, naquele instante.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Avós do meu país


Júlia Sardo

Maria era uma criança gorduchinha de cabelo comprido sempre penteado em trancinhas e presas em feitio de mala. Vestia pobremente, umas sainhas de chita e umas blusinhas com flores, de manga comprida e franzido na cinta, feito com elástico. Era a filha do meio, de um grupo de cinco irmãos. Os pais eram pessoas muito humildes, viviam com muitas dificuldades, por isso não podiam dar uma boa refeição aos filhos. 
Trabalhavam de sol a sol
Trabalhavam de sol a sol e, mesmo assim, tinham de poupar de uns dias para os outros. Coziam o pão de milho, de semana a semana, que era guardado numa caixa de madeira, da mesma maneira que eram outros alimentos.A alimentação deles era quase sempre peixe, que o pai pescava, e batatas, que a mãe semeava no aido, ou uma sopinha de feijão sem ser adubada com carne. Quando o peixe era frito, guardava-se num prato de barro, dentro dum armário pequeno, por causa das moscas, fixo na parede, o chamado mosqueiro.
Dos cinco irmãos, as duas mais velhitas eram as mais sacrificadas, porque não foram aprender as letras, para a escola. Não era obrigatório ir aprender a ler e escrever; isso era um luxo, só para os filhos dos ricos.Ficavam em casa, tratando dos irmãos; faziam alguma coisa para comerem, enquanto os pais trabalhavam até ser noite.


Lavava a roupa
Além da Maria, havia a Custódia, que era a mais velha, a Joana, a Glória e o Manuel, também chamado Manatum, não sei porquê; talvez por ter nascido muito depois das irmãs e ser novito, em relação a elas.
Pois, continuando a falar de Maria; ela foi crescendo e trabalhando para ajudar na lida da casa que, apesar de ser pobre, tinha de ser limpa. O chão da pequena casa era de terra, coberto de junco, que iam buscar aos juncais perto da ria, a borda, como vulgarmente chamavam, e este tinha de ser mexido ou substituído com regularidade. Lavava a roupa, no tripé de madeira, com a água que tirava do poço, com um balde amarrado a uma corda. Punha a roupa lavada numa celha de madeira, para ir secar ou, então, alguma mais suja, tinha de ser posta a corar.

quinta-feira, 28 de março de 2013

O MELRO



EVOLUIR agradece este texto para publicação


Maria José Pereira


Ouço
os meus passos
percorrendo o jardim.



Um melro atrevido
Aqui e além
surgem pinceladas de cor
espalhadas pelo tapete verde.

Ouço
um saltitar, de mansinho.
Espreito...
Um melro atrevido
persegue os meus passos...
Observo
o seu voo apressado
dirigindo-se à árvore mais próxima.
Inebrio-me
com a sua melodia.

Será uma canção de amor?
Ou...
um hino à Primavera
que, pelas cores, cheiros e sons,
se avizinha?

terça-feira, 26 de março de 2013

O Pai Natal existe



Maria Jorge
Bela viveu no seio duma família remediada. Talvez por o seu pai ser uma pessoa pouco presente, uma vez que era embarcado nos barcos de bacalhau e, naquela época, passava meses consecutivos nos bancos da Terra Nova e Gronelândia, a cumplicidade deles era muito grande e o tempo que passava em terra era pouco para estarem juntos, recuperando da ausência, e matarem saudades. No que se refere à mãe, pessoa austera e fria nunca lhe deu liberdade para criar amizades. Nunca recebeu um carinho ou um beijo de boa-noite.
Talvez pelo ambiente familiar e por ter sido tão oprimida pela mãe, Bela era uma criança rebelde e desobediente. Já mulher era muito introvertida e o seu semblante era carregado, aparentando frieza.
Constituiu família e pensa ter sido feliz durante alguns anos. Vivia exclusivamente para a sua nova família e para o trabalho. Amigos? Poucos e esses tinham vindo através do marido, pessoa muito extrovertida e o oposto de Bela.
E, como tudo tem um fim, também o seu casamento acabou. Demorou muito tempo a recompor-se. O castelo que demorou tantos anos a construir e pelo qual tanto lutou, ruiu apenas de um dia para o outro. Sofreu, cometeu erros, alguns grandes, outros enormes. Julgava-se um farrapo, olhava-se ao espelho e não gostava do que via. Afinal porque acreditava tanto nas pessoas que se cruzavam com ela?
“A partir de hoje, vou ser uma pessoa diferente, não vou ser mais enganada, as pessoas não merecem nada” – pensava Bela, mas… só pensava. No outro dia estava a cometer, se não os mesmos, outros erros de menor importância. Porque o seu semblante carregado aparentando frieza esconde um coração carente de afeto e amor ao próximo.
Há poucos anos Bela conheceu um casal que vivia em união de facto. Pouca afinidade tinha com eles, escondia-se um pouco na sua concha.


segunda-feira, 25 de março de 2013

CARTA

EVOLUIR agradece este texto para publicação
MARIA  SILVIA  PARADELA

Uma carta vou escrever
          Uma carta vou escrever                                
          Já vai longa a minha ausência.
          Sabendo que me queres ler…
          – Se de ti sinto carência
          É um convite a pairar
           Par’cendo em mim vir pousar
          Para uma carta escrever.


                                                  


Meu espírito verte água
E a minha alma o enxuga.
A esp'rança em mim não morre

(Mora nela alguma mágoa                                                
Criando nele esta fuga)                                                      
E do peito pena grave                                                            
Sai dizendo em voz suave:
Meu espírito verte água. 
Se os homens não são feras,
Por que alguns são tão maus
Que sempre em todas as eras
Há os que incitam o caos?
Ó vida, és um mistério,
Confuso poema etéreo
Porque homens não são feras

sábado, 23 de março de 2013

Eu tenho uma caneta


Albertina Vaz

Tinha uma caneta na mão: olhei dum lado, do outro, de trás e de frente. Era igual a tantas outras – canetas grandes, pequenas, azuis, simples, de tantas e tão variadas cores. Tantos tamanhos, tantas formas, tantos cheiros: há até canetas que falam, que dizem… coisas. Umas sem nexo como olá, tudo bem? Outras são canetas que não falam mas transmitem: gosto de ti, amo-te muito, não vou esquecer-me, tenho tantas … saudades!
Umas falam de campos em flor
São sempre canetas, é claro. Só que umas são canetas com cor e outras não passam de sombras; umas são canetas que falam de dias de sol e de campos em flor; outras são canetas que só vêm dias de nuvens cinzentas num céu sombrio a ameaçar tempestade. Umas são canetas dançarinas que falam de modas e que gostam de gostos de quem toda a gente gosta: são canetas vazias, sem conteúdo ou sem interior. Outras são canetas cinzentas, quase que relatam os factos e choram sobre um passado ou sobre um presente que, de tão negro, se faz negro profundo e termina quase, quase num fim de mundo.
Há canetas... que fazem da vida uma roda de mil cores
Há canetas vermelhas, azuis, amarelas… há canetas que brilham, que sorriem, que soltam gargalhadas e que fazem da vida uma roda de mil cores. Como um arco-íris, ou um círculo que vai e volta, num voltejar duma narceja que atravessa a ria refrescando o vento num agitar de asas remanseado pela brisa que se esgota num dia de Verão.
Há ainda aquelas canetas que sorriem de sarcasmo, que tudo criticam e que sabem – ah! sim elas sabem – que tudo está mal e que elas nada fizeram, nem contribuíram para esse erro que faz parte da história de todos nós e enche o céu onde proliferam as estrelas e onde tudo é perfeito.
Depois há as canetas dos doutores, dos que sabem a verdade e que a detêm como absoluta, a verdade que é a sua e que, de uma forma ou de outra, tem de ser imposta, sub-repticiamente, sem que alguém dê por isso ou sem que alguém se aperceba de que ela está a chegar, a entrar, a introduzir-se devagarinho, a instalar-se, a tomar o seu lugar.

sexta-feira, 22 de março de 2013

A ÚLTIMA ÁRVORE DO BOSQUE


Conceição Cação

Sinto-me só, muito só
Sinto-me só, muito só. Olho ao redor - no chão gretado, rastejam apenas os tojos e cardos raquíticos de picos ainda mais aguçados pela longa seca; nas velhas fábricas, as máquinas choram a sua inutilidade entre os telhados prostrados e as paredes esmaecidas; ao longe, a aldeia assombrada pelos fantasmas dos operários que agora labutam em terras longínquas; portas e janelas cerradas; fechaduras enferrujadas
Cresci vigorosa e saudável
Vou-me alimentando de memórias entrelaçadas de saudade. Inebriava-me o cheiro da terra húmida que me acolheu no seu seio quando eu não passava duma plantinha franzina, nascida da barriga de aluguer dum horto municipal. Cresci vigorosa e saudável entre as minhas companheiras. Os corvos, as rolas e os pombos bravos descansavam nos meus ramos. Na primavera, a brisa suave vinda do mar embalava os passarinhos que, aninhados nas camas fofas, esperavam o momento tão desejado em que, amparados pelos pais, se lançariam na aventura do ar. Os coelhos e as lebres abrigavam-se nas suas luras, cavadas no mato mais espesso. Quantas vezes estremeci ao ver cair morto um animalzinho atingido pelo chumbo disparado por arma impiedosa! Este bosque foi também paraíso de namorados. Ah! Tantos segredos guardaram as minhas folhas! No meu tronco, protegi do tempo destruidor, gravadas em sulcos profundos, juras de amor eterno. E, a anunciar essa união, chegavam, mais tarde, até mim as badaladas festivas do sino.

Reencarnei neste mesmo lugar
Mas vieram tempos de dor. Assisti, sem nada poder fazer, ao sofrimento de muitos dos meus vizinhos – pinheiros bravos – dizimados pelo inseto implacável. As chamas aterradoras invadiram várias vezes o nosso espaço: chão coberto de cinzas, árvores de braços enegrecidos como cruzes num campo santo. Embora com as folhas e ramos feridos, sobrevivi aos ataques do fogo devastador.
Todavia não fui poupada: tal como muitos dos meus amigos, fui abatida, sem piedade, pelo machado insensato. Senti-me a ser transportado para o Além, mas, graças à persistência da minha alma e à robustez da minha seiva, reencarnei neste mesmo lugar; renasci do velho cepo de raízes profundas. E não estou só, tenho mais dois irmãozinhos gémeos. Vamos crescer juntos e das nossas sementes vão nascer novas árvores, criar um novo bosque. Desiludam-se os que pensavam que eu ia morrer, não me rendo à tristeza. Sou forte, comigo mora a esperança.



quinta-feira, 21 de março de 2013

A MEU PAI


EVOLUIR agradece este texto para publicação
Maria Celeste Salgueiro
De pé, sem te vergar!






Como o alto carvalho a dominar
Os vendavais da vida e da má sorte,
Tu foste assim , meu Pai, altivo e forte,
Tu morreste de pé sem te vergar!
Tu foste a sombra amiga a concentrar
Toda a família em volta, o seu suporte;
Exemplo de  trabalho, o guia, o norte,
Uma mão estendida p´ra ajudar.
Tu foste o meu orgulho e afeição
Que em momentos de dor e aflição
Sabia  à minha espera ir encontrar.
Uma Obra criaste! Até ao fim
Teu espirito aberto foi clarim,
Padrão a minha vida a nortear.




quarta-feira, 20 de março de 2013

MEU PAI


EVOLUIR agradece este texto para publicação


Aida Viegas



Para mim foste luz e ainda brilhas


                O meu Pai era bom por natureza
           Era homem de grande coração
           Trabalhou sempre p’ra ganhar seu pão,
           Para que nada faltasse à sua mesa  

           Raramente em seu rosto, vi tristeza.

           Era simpático e folgazão.

           Amava o bem, a verdade, a razão,
           E sempre lutou, contra a pobreza.
           Ele era moderado e paciente,
           Amigo da esposa e das filhas.
           E, ao ver-nos crescer alegremente,
           Para nós, só sonhava maravilhas.
           Lembro-te Pai, saudosa e docemente,
           Para mim foste luz, e ainda brilhas.



 
            .
          

terça-feira, 19 de março de 2013

O meu Pai!


EVOLUIR agradece este texto para publicação

                                                                                 Daniel Vaz

Dei de caras contigo...
Foi a 27 de junho de 1976 que te conheci!
Mal saí para ver o mundo dei de caras contigo, e quase me afoguei na baba…
Não sabia ao certo quem eras, mas depois comecei a perceber tudo! Havia uma mama que me dava leitinho… e tu estavas sempre lá ao lado!
Pouco tempo depois comecei a ter outra perceção da realidade. Afinal aquela mama tinha uma mãe por trás a quem davas muitos beijinhos, e fazias palhaçadas para eu rir… Eu ria, mamava, voltava a rir, e voltava a mamar! Uma vida cansativa à qual tu adicionavas os beijinhos e os miminhos que me sabiam tão bem.
Ensinaste-me a cair....
Até que um dia fui para a escola!
Tinha que descrever o corpo, as casas e “outras coisas que não me apetece dizer agora…” mas tiveste muita paciência e ajudaste-me a crescer para vir a ser aquele menino que metia a mão na panela da sopa à procura das batatas e que fazia marcha atrás em direção a um balde de tinta!...
Adorava andar de bicicleta e tu ensinaste-me a cair… e a levantar-me também!
Muitas corridas deste atrás de mim, mas até certo ponto acho que era eu quem te punha em forma!


domingo, 17 de março de 2013

AHI MATE




EVOLUIR agradece este texto para publicação



Susana Ramos
 

No mais profundo silêncio, na escuridão mais abjeta
Das entranhas do fim do mundo, lava a alma um poeta.
 
A luz há muito se foi...não há vela que não se apague
Quando digo que 'nem há lua', testemunho um milagre. 
E é à luz dela que agora, no chão frio me deito e escrevo
Sem saber como dizer...coisas que penso e não me  atrevo. 
Em mil pensamentos me afundo, para um só me resgatar
Não há visão neste mundo, mais bela que o teu olhar. 
Será apenas fantasia? Ou a minha imaginação?
Não conseguem ver os olhos o que sente o coração. 
Na solidão deste devaneio, sob a atenta luz do luar
Tento em vão sonhar sonhos que jamais se irão consumar. 
Eu paro...repenso um plano, de seguir sem olhar p'ra trás
Mas há coisas neste mundo que me tornam incapaz. 
Oscilo entre ideais, não tenho nada nem tudo 
Eu estranho, pergunto ao céu...ele fica quieto e mudo. 
Ó Deus! Entidades divinas! Se não é este desígnio vosso
Dai-me cá uma ajudinha, que esta noite estou que nem posso!
E vós que haveis lido, estas linhas que a pérfida lucidez abate
Escreveu-as Susana Ramos, numa noite de AHI MATE!


Díli, 18 de Fevereiro de 2013
Professora/Consultora no Ministério da Educação de Timor-Leste

sexta-feira, 15 de março de 2013

O Meu Herói


EVOLUIR agradece este texto para publicação

Margarida Pinho
Não voas,
Não aniquilas os teus inimigos,
Não tens poderes.
Não tens aquele talento utópico
Tão corrente nas BD.
Sim, és real
No entanto, tão singular…
Tão exótica…
Tão excecional.
É-me dificil compreender a tua audácia
É-me difícil compreender a tua audácia,
Aquele teu ímpar jeito para a missão que te foi indicada:
A missão de ser mãe.
Seja num terno abraço que nos permite voar
Para além de qualquer infortúnio,
Seja quando me proteges com garra,
Seja quando adquires o poder de me perdoar.
Não tens aquele talento utópico
Tão corrente nas BD.
E se o tivesses, servia para quê?
Para mim, por mais virtudes que pudesses abarcar,
Superarias sempre aqueles que usufruem de uma capa para voar.

quinta-feira, 14 de março de 2013

A razão para escrever um texto



José Luis Vaz

Em pouco tempo e quase sem me aperceber, descobri, nesta fase da minha vida, mais um prazer: escrever. Integrado num grupo de escrita, as nossas experiências de vida são revividas com o entusiasmo de quem quer contar uma história que muito nos diz. E assim se começa uma atividade que julgávamos estar só ao alcance de alguns.
As minhas emoções passam para o texto com a mesma facilidade com que a memória de acontecimentos antigos me faz reviver tristezas, alegrias e tantas saudades daqueles que tanto amei.
Um dia, o desafio era fazermos um texto que refletisse grande tensão psicológica realçando, naturalmente, as alegrias e tristezas inerentes a essa situação. De imediato, tive a certeza do que iria escrever. Há marcas, momentos vividos, situações duras, que julgamos arrumadas no nosso cérebro, só para recordar, quando, com alguém muito íntimo, decidimos partilhar. Mas, pensei alguns dias, sobre a forma como iria fazer o meu trabalho e cheguei à conclusão que me tinha precipitado, porque era impossível, escrever uma pequena história com o assunto que me propunha abordar. Tratava-se de rebuscar nos armários do pensamento um acontecimento que muito tinha para desenvolver e que, ainda por cima, tanto me dizia.

terça-feira, 12 de março de 2013

Vivências da Luisinha


Júlia Sardo

Luísa era uma menina de cinco anos. Era gordita, de pele branquinha, loira e olhos azuis. Era filha única, muito amada pelos pais. O pai, quando a mostrava aos amigos, mostrava um orgulho tão grande que os olhos brilhavam.
Andava sempre cuidadosamente vestida, com vestidinhos bem alegres que a mãe lhe fazia. Laçarote na cabeça, branco ou de seda às riscas coloridas. Eram tão lindas essas fitas…
A Luísa tinha um carinho muito especial pela sua avó paterna, que além de ser avó, era também a madrinha. De forma que estava sempre ansiosa que a avó viesse passar o fim de semana a casa. Ela trabalhava numa empresa e vivia lá durante toda a semana.
Ora, por infelicidade, a mãe da Luísa apanhou uma tuberculose; doença muito contagiosa que, nessa época, existia com bastante intensidade. As pessoas que a contraíam, ou tinham de se afastar ou, então, toda a louça, onde eles comiam, era fervida e as crianças eram afastadas.
Pois foi o que aconteceu à Luísa. Foi viver uns tempos na empresa onde trabalhava a avó. Claro que ela sentia muito a falta da mãe, mas como se sentia bem junto da avó, a saudade era atenuada.
A menina brincava todo o dia, andando atrás dos patos, que corriam por baixo das mesas, onde era posto o bacalhau a secar, em dias de vento. Aproveitava e ia procurar os ninhos onde as patas punham os ovos. Era uma alegria quando encontrava algum. Eram retirados cestos cheios, todos os dias.
Luisinha, como era chamada carinhosamente pelas pessoas amigas, conhecia todos os cantos naquela empresa. Cada armazém tinha um nome: o armazém do peixe sujo, porque era nesse armazém que ia ser lavado nas tinas, e posto em pilhas para ir escorrendo.

O PARTO

EVOLUIR agradece este texto para publicação
Graciete Manangão

Maria estava prenhe de palavras.

Há vários meses, não sabe bem desde quando, o pensamento e a realidade andavam enredados. Enlaçados e em luta.
As palavras revolviam-se nas entranhas, sem nexo ou forma definida. Por vezes, não conseguia articular uma simples frase.
Mas não queria desistir de criar.                                                                             
Maria estava prenhe de palavras
Aos poucos, de dia para dia, algo ia ganhando corpo e sentido.
Os sonhos sobrepunham-se à realidade. E cresciam, cresciam, até fazer doer a alma.
Maria desejava sentir os batimentos daquele estranho coraçãozinho.
As noites e os dias foram correndo.
Maria queria muito que o sonho se tornasse realidade. Queria ser a protagonista do acto de criar. Desejava construir, materializar uma vida. Dar forma definida a algo quase indefinido, mas avassalador.
Até que numa noite de lua cheia, fecunda e inspiradora, após algumas horas de maior sofrimento, deu à luz a personagem toda inteirinha, que alimentara dentro de si.
Uma história, uma vida repleta de sentidos e de sentimentos acabara de nascer.
Tinha conseguido.
Que felicidade, Maria!


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...