sábado, 13 de junho de 2015

A minha “Cidade” de sonho

Elsa Borges

Junho de 1966 chegava ao fim. Outra fase da minha vida se desenhava no futuro que, apesar de desconhecido ou talvez por isso, eu desejava que acontecesse rapidamente. Queria ir estudar para a cidade, experimentar vivências de alguma independência, carregar livros nos braços, apenas numa capa e abandonar a mala que usei, desde a primeira classe que, para além de gasta era já objeto fora de moda.   
A nossa professora preparava-nos com empenho para o desafio de nos apresentar ao exame da quarta classe na Escola da Glória. Dizia-nos com frequência:
– Quero os nomes das minhas alunas inscritos no quadro dos “Aprovados com
"Aprovados com distinção"
distinção”. Lá, na cidade, pensam que por estarmos para cá da 109, não somos capazes de ser tão bons ou melhores que eles!
Havia um grupo de alunas que assumia como missão este objetivo da professora e, então, cada uma com o seu melhor, criava à sua volta pequenos grupos de companheiras e, para além dos horários das aulas, procurava transmitir às suas “aprendizes” de forma simples, de igual para igual, como conseguiam resolver problemas de matemática, memorizar sem hesitar as tabuadas, jogar com as palavras na redação, papaguear o Portugal dos mapas, com os seu rios, montanhas, linhas férreas e culturas de cada região, contar a História de Portugal desde Viriato a Salazar, como se fosse um verdadeiro conto. Falar de tudo isto como sendo essencial para o nosso futuro, sabermos de onde viemos e para onde queremos ir. Era assim que conseguíamos aprender umas com as outras.
Foi assim que um grupo, a pé, em fila indiana, escoltado pelos professores, saiu de S. Bernardo em direção ao centro da cidade. Brilhou, para orgulho dos mestres de quem foi muito elogiado o trabalho. A prestação das escolas para além da 109 foi considerado excelente.
Eu por mim senti um choque ao presenciar aqueles bandos de alunos palradores,
"para além ou para cá da 109"
em contrastes connosco, os tímidos, vindos das áreas rurais como eu e percebi o que a nossa professora queria dizer com a expressão “para além ou para cá da 109”.
Olhei os campos de milho que existiam junto à linha de caminho-de-ferro, olhei as ruas largas com os seus edifícios mais ricos e embelezados por azulejos de flores e cores exuberantes, com guardas de varandas e janelas em renda de ferro forjado. Outros edifícios, mais recentes, despontavam já, numa corrente mais cubista, contestada pelos aveirenses pela sua inadequação ao espaço. Depois a famosa ria de Aveiro que, vinda dos lados do mar, atravessava a cidade por baixo da 109 e se encontrava com pequenos riachos vindos de S. Bernardo, passando por Vilar, engrossando o caudal de águas lodosas.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Um objeto

Maria Helena Linhares 

Não sou moldável, mas ocupo um espaço razoável. Sou feliz porque me considero imprescindível para o meu dono, até ando muito próxima ao seu coração. Aliás muitas vezes até penso que o coração que bate tão perto de mim, faz parte de mim, porque o meu dono, ou está afanosamente a trabalhar, num stress horrível, ou em horríveis correrias, dum lado para o outro, ou pára, esgotado, e aí perde-se a afagar-me, vezes sem conta, a cabeça sempre a pensar...
Limpa-me inúmeras vezes, amorosamente, como se outra coisa não soubesse fazer na vida. Sim, ignorada nunca sou.
Ele fala comigo, até a dormir, porque eu também necessito de descansar, e faço-o a uma distância de um braço dele.
...somos um só!
Como se o descansar só fosse possível comigo tão perto.
O restante tempo é gasto sempre a girarmos, em correrias loucas, no meio das maiores barafundas possíveis.
Este homem, mesmo quando foi premiado – ouvi dizer - e subiu a um palco e falou no meio do maior silêncio e depois se ouviram muitas palmas, mesmo ali, teve que me exibir, a mim, como um troféu! Tive um medo horrível, será que me iria leiloar?
Mas não! Todos me olharam com muita admiração, o meu dono recebeu uma taça e eu voltei para o meu lugar habitual, perto do seu coração…
Perguntaram-nos (a mim e a ele, pois somos um só) – para onde corremos mais frequentemente:
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