© Vitor Sousa
Iniciei em Miranda a minha vida
académica.
A escola primária, pré-fabricada em
madeira pintada de verde, nasceu num amontoado de granito bordado a giesta e
ervas daninhas.
Na aurora da primavera, as giestas
coloriam as fragas de amarelo e branco com um perfume tão intenso que as áureas
de recorte entre céu e terra ficavam repenicadas de insectos no repasto dos
néctares.
Os píncaros deslumbravam o Douro na
quietude agreste da imensidão.
Neste labirinto onde o percurso se eleva
ao termo, nasceram os primeiros desacatos, paixões, bulhas e desafios que nos
cunharam a amizade.
A pedrada era linguagem corrente no
afoite de lhe evitar a mazela pelo desvio do corpo no momento exacto, raramente
havia uma cabeça rachada…
Recantos de diabrura, desde os primeiros
ensaios de tabaco até ao espiar regalado do alívio cauteloso das meninas.
Um dia, o Alfredo, filho do fotógrafo,
envergado de mistério, ripou de um semblante de gente grande e com sobrolho
levantado, proclamou:
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Eu não fumo! |
- Olhem para isto!...
Mete a mão no bolso, cresce um palmo,
transfigura a face e exibe um maço de cigarros inteirinho, surripiado ao pai
durante a sesta.
Eu, no meu canto, fiquei gélido, com a
repulsa do cheiro e o engasgo que o dito me propulsa na garganta.
De boca ressequida, dei largas à
imaginação à procura da luz que me tirasse de tal embuste sem humilhação.
Transfigurei o desconforto, levantei-me,
olhei-o nos olhos com firmeza, puxei de pose altiva e declamei uma retórica
longa e convincente sobre os malefícios do tabaco, desde o apego ao vício até à
reacção dos pais, se algum dia viessem a saber.
Com determinação, virei as costas e
clamei convicto:
- Quem quiser, venha
comigo, eu, não fumo!...
Não é que só lá ficaram dois…
Senti pela primeira vez na minha vida,
que, omitindo escrúpulos, teria feito empolgante carreira no circo da política.
Vitor Sousa ©2017,Aveiro,Portugal
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