quarta-feira, 13 de julho de 2016

O Credo

©Vitor Sousa 



Creio o credo que há em mim.
Na morte do um deus sem fim.
Na blasfémia.
No tormento.
No lucifer do momento
Em sítios de assombramento.
Quero crer que haja esperança
Entre as mortes de uma vida
Rasgada, biltre, perdida.
Creio nas ânsias da guerra
Nascidas da inquietação
Do comércio da razão.
Por um punhado de terra.
Por um punhado de deus,
Entre crentes e ateus
Há um mar de afogamento
De cadáveres ao relento.
De crianças que não choram.
Entre as mortes de uma vida
Rasgada, biltre, perdida.
Tragam o sangue inocente
Desta justiça demente
Onde uma mão suja a outra.
Este abismo bolorento,
Vestido das cores do pranto.
Disfarce de raiva leda,
Mascarada de beleza
E cores fortes de alegria.
Entre as mortes de uma vida
Rasgada, biltre, perdida.
Creio o ódio e a vaidade.
Orgulho, horror, vingança.
Na loucura da verdade.
No apogeu da descrença.
Entre as mortes de uma vida
Quero crer que haja esperança…

Vitor Sousa ©2016,Aveiro,Portugal

domingo, 3 de julho de 2016

Lembras-te da história da gaivota?

   ©  Albertina Vaz



A lua desenhava-se, como uma bola redonda, no centro do universo. Aquele era o dia em que o sonho se tornava realidade: o menino acabara de chegar. Queria vê-lo crescer, queria crescer com ele. Queria partilhar os sonhos que sonhava, os voos que imaginava e a vida que lhe restava.

Quando ele fizesse vinte anos só a sua memória estaria com ele. Mas a vida seria uma rota feita de descobertas e de dádivas que iam partilhar no tempo.

Deixou que as palavras o fizessem regressar ao futuro e colocou, no papel, o que gostaria de lhe dizer, no dia em que a saudade falasse mais forte. E começou assim:

Lembras-te da história da gaivota?




Uma luz estranha invadiu a minha vida – chegaste. E dei por mim a convidar a esperança para me despertar desta letargia em que me tenho gradeado. Tenho de ir contigo ver o mar. Tenho de te mostrar as ondas a desfazerem-se na areia ondulada da praia deserta. Tenho de te contar a história da gaivota.

Chovia tanto, tanto que a bruma tinha invadido os céus e não se via nada, no curto espaço que se estendia ao redor das dunas. Por entre a areia molhada, eu caminhava sem rumo nem norte. Foi então que encontrei uma gaivota, acabada de nascer. Tinha uma perna partida e uma asa ferida.

Era tão pequenina e tão delicada que até a luz da bruma parecia quebrar-lhe o ténue fio que a prendia à vida. Mal enchia a minha mão. Aconcheguei-a contra o meu peito e levei-a comigo. Cuidei dela, como quem afaga o vento ou acalma a tempestade. E, quase por milagre, começou a erguer a cabecita e a piar.
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