quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Melro

Júlia Sardo


Ao ler estas simples palavras deve pensar: é a história duma ave. Pensou? Pois está enganado. Melro era o nome de um gato; um verdadeiro gatarrão. De cor parda, uma mistura de cinzento com riscas pretas.
  Era na realidade um gato bonito, de olhos verdes e esbugalhados, grande, gordo, pachorrento e de cauda cortada, mais ou menos, a meio da ponta.Veio de longe; trouxe-o um oficial dos barcos, da pesca longínqua, da Terra Nova.
Veio com o propósito de ser oferecido à minha avó paterna.Era um gato muito mimado e muito senhor do seu nariz. Quando queria estar num determinado lugar, ninguém mais se podia aproximar. Era dono e senhor, apropriando-se desse lugar.
Cheio de manias, fazia-se dono duma cadeira, que tinha uma almofada, bem fofa, de cabedal, que havia no escritório. Houvesse alguém, com audácia, de se sentar nela. O Melro chegava, sentava-se ao lado da pessoa que estivesse na cadeira, olhava-a com olhos bem abertos e bem fixos.
Com esta pose ele assustava de tal maneira, que a pessoa saía.

Alimentava-se de peixe frito. Era guloso e esquisito.
Como passava o dia? Simples; ele tinha um espaço enorme para percorrer, por baixo daquelas mesas de secar o bacalhau. Dava algumas corridas atrás dos patos mas depressa se cansava. É verdade, falei nos patos, porque existiam bastantes. Faziam os ninhos por todo o espaço da seca, onde punham bastantes ovos. Talvez o Melro também comesse alguns, não sei.
Depressa se cansava e então ia dormir para a sua almofada preferida.Eu tinha algum medo dele, porque se não estivesse bem-disposto atirava-se às pernas das        pessoas.
Só obedecia à dona.
Pois este gato, chamado Melro, começou a ficar triste e a não sair do seu canto.Estava a preocupar a dona, visto o Melro ser a sua companhia predominante durante a semana.Ela vivia numa casa que havia na seca, só indo passar os fins de semana a casa.Não havia veterinários e um trabalhador resolveu fazer de médico.Como o homem sofria do estômago e tomava uma medicação para lhe passarem as dores, resolveu fazer a experiência com o Melro.
Já estão mesmo a ver o que aconteceu; o homem pôs-lhe um comprimido pela goela abaixo e o Melro morreu sufocado.
Foi triste o fim do Melro.
Há dias em que me lembro dele e como gostava de ter um gato assim, embora ele fosse um gato selvagem em toda a plenitude da sua natureza.

2 comentários:

  1. Ele há melros e gatos e há gatos que são Melros. Este gato era um grande melro, Julinha! E os patos também por lá andavam? E ele comia-os? Não me acredito: ele era um gato bomzinho... Adorei: lindo!

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  2. Um gato com carisma! Bem merecia um fim menos prosaico! Fica a homenagem nesta bela história.

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