Fernanda Reigota
É habitual ouvir dizer “Esta folha em branco bloqueia-me e não sei por onde começar”. Pois, a mim, bloqueia-me esta página negra que me estão a fazer engolir. Já vivi em tempo de papel pardo! E o açúcar que ele trazia, adoçava o meu café da manhã, embora continuasse a ser pardo. Agora, para esta página negra a embrulhar a minha vida, ninguém assume quem escolheu a cor. E, se sempre gostei de cores alegres, neste momento continuo a precisar delas para ver o horizonte como dizem que é, e não esta parede negra que me barra a vida. Eu quero sonhar o futuro dos meus netos, quero dizer-lhes que vale a pena estudar, que vale a pena a cultura, também a nossa! Não quero que lhes roubem o lanche, porque o colega, que ficou com fome à hora do almoço, comeu o que tinham levado. Todos têm direito a não ter fome! Mas há quem pense e diga que basta esticar... O que não há?
Grito, famosa obra do pintor
norueguês expressionista Edvard Munch
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E esta parede não recua, como o horizonte, quando me desloco. Pelo contrário! Se tento saber quem se endividou e agora falsificou a minha assinatura para que eu pague a letra ao banco, no lugar de resposta, constroem-me mais uma parede negra!
Não se esqueçam da minha situação! Estou a ser cercada: já me rodeiam duas paredes negras!
Sento-me para pensar no passado. Deem-me um bocadinho para descansar e recobrar forças.
E vem-me à memória um dia de celebração do aniversário de uma criança. Um amigo estava inquieto e partilhou aquilo que o agitava. “Soube hoje que Bruxelas aprovou ajuda a Portugal. Nem imaginam o dinheiro que aí vem!” E quisemos saber a que se destinava o dinheiro. A empresa onde trabalhava tinha sabido em primeira mão e, no dia em que obteve confirmação privilegiada, avançou com a assinatura de contratos pré-preparados para fornecer equipamentos informáticos a duas universidades e alguns hospitais. Nesse dia o meu amigo tinha assessorado a nível técnico, para que o cenário da “confiança entre as partes” fosse montado. Não assistiu à assinatura de nenhum desses contratos milionários, mas sabia que meia dúzia ia enriquecer.
Ironia! Hoje, a tal criança tem 29 anos, é engenheiro informático e, depois de cinco anos a acumular formação no estrangeiro, o país não o quer. Vai ficar um estrangeirado! Na nossa história já tivemos estrangeirados. Será que estes também regressarão, um dia?
Enquanto recobrava forças, pensando secreta e ingenuamente que talvez se esquecessem de me obrigar a pagar ao “banco a conta que não contraí, nem devo, mais uma parede negra apareceu a cercar-me. Basta! Não quero morrer de frustração! As ruas que construíram com os meus impostos, também são minhas… e vossas! Lá nos encontraremos!
São os sonhos perdidos de uma geração que ousou querer um mundo diferente! Muitas vezes penso como nos andámos a enganar sem sequer darmos conta disso. E, no entanto, só queriamos dar aos nossos filhos melhor do que tivémos. Era importante a formação, a cultura, apetrecharmos os jovens de instrumentos que lhes permitisem ir mais longe, mais além! Démos-lhe formação: prescindimos de quase tudo para investirmos neles. E agora? Agora dizem-lhes: emigrem! Não precisamos de vocês cá. Esta terra não está para oportunidades... Garanto-lhe: apetece-me, como a Edvard Munch, esconder o rosto entre as minhas mãos e... gritar! Gritar até que alguém nos ouça (ou até ouvir alguém.
ResponderEliminarParabéns, Fernanda! Excelente para nos pôr a pensar!
Acabo de ser informado do nascimento deste blogue, num tempo em que o
ResponderEliminarevoluir tem de ser norma essencial da vida. Congratulo-me com esta
presença, que espero duradoira, na blogosfera, onde a partilha deve
ser constante. O mundo em crise precisa ingentemente de gente capaz de
enfrentar desafios, de apostar na criatividade e de avançar para a
solidariedade. Os meus parabéns, com votos dos maiores êxitos.
Fernando Martins
Obrigado, Professor!
EliminarFicamos, uma vez mais, muito orgulhosos por o termos ao nosso lado a partilhar os nossos olhares por esta vida que nos pertence e queremos sempre melhor.
Contamos consigo, com as suas criticas,sugestões,com a sua visão minuciosa e atenta a tudo o que nos rodeia e simultaneamente nos perturba, nos exige,nos interpela e nos obriga a continuar em frente.
Com textos destes como é possível deixar de ser louco? Escapatória, podia ser só(?)algo muitíssimo bem escrito!
ResponderEliminarMas...é verdade, é real e é mais uma história dentro desta história que nos cerca, nos incomoda, nos asfixia...
Para quando o virar de página?
Acredito que "páginas" como esta serão um forte contributo.