quarta-feira, 31 de julho de 2013

CHUVA A SEU TEMPO

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação

  J. Carreto Lages


Algumas nuvens pavoneavam-se bem alto, vindas em turismo, de muito longe, apenas para nos visitar em seu recreio e lazer, e até pareciam acenar promessas de que a chuva ia chegar, o que já não acontecia há muito tempo. O diminuído viço do “renovo” já exibia, em várias culturas, a notória falta da ternura líquida da água para se dessedentar. Os agricultores estavam justificadamente preocupados, inventando várias razões para a anormal escassez da água nos charcos, nas nascentes e nas ribeiras. Tanto cuidado e trabalho na sementeira, na adubação, na monda e a água a minguar em todo o lado, a preanunciar uma má colheita dos produtos das culturas de regadio. A colheita do sequeiro havia sido a habitual, com as geadas a afectarem a produtividade.
Parecia que a natureza se desconcertara, com o rodar dos tempos, talvez por canseira, ou alguma mão, a ela estranha, andava a intervir na essência do seu percurso.
Até as giestas haviam florido mais cedo
Até as giestas, naquele ano, haviam florido, muito mais cedo, coagidas pelo estímulo de uma vaga de calor que viera do deserto africano e que, talvez, enamorada pelas belezas das nossas terras, se deixara agarrar e ameaçava continuar. As giestas negrais já haviam formado a vagem, que ostentavam com vaidade na aridez e secura dos campos.
As aves, durante o dia, refugiavam-se nas árvores das hortas ou nos salgueiros, freixos e amieiros dos terrenos de pastagem, onde a temperatura era mais fresca. E quedavam-se na modorra, escudando-se numa falsa letargia para que se ignorasse a sua presença

quinta-feira, 18 de julho de 2013

E se o amor...

Albertina Vaz
E se o amor se comprasse....

E se o amor se comprasse ao quilo?

Com meio quilo de amor eu posso fazer dúzias de pastéis de nata e dar a cada um dos meus amigos um pastel e uma nata e posso ainda chamar aqueles que não gostam de mim e dizer-lhes: amigos, acabaram-se os pastéis de nata mas eu ainda tenho aqui trezentos gramas de amor para distribuir por todos vós.

E se o amor se comprasse ao grama?

Aí haveria uma grande bagunça e ninguém se entenderia. Então eu puxava dos meus trezentos gramas de amor e espalharia, como flocos de neve caindo em gotas de chuva, por entre grãos e mãos cheias de areia. Saberia bem, saberia a doce e a mel coado directamente da abelha viajante da urze do cimo da serra. Saberia a bola de Berlim e a bolo de chocolate em dia de faltas de chuva ou de chuva a mais. Saberia a flor de jasmim e a rosas silvestres e a violetas saltitantes que pousassem, de banco em banco, em rota cruzada, num qualquer jardim.

E se o amor se comprasse ao centigrama?

Uma flor que cresce, um sorriso que
desponta, uma gargalhada que se solta...
Amor a gente tem sempre: amor não se esvai, não se esconde, não se dilui nas manhãs submersas nem nas nuvens cinzentas. E quando o amor se empobrece, então nada melhor do que voltar a fazê-lo crescer: regá-lo com uma dose de sonho, limpá-lo com uma lágrima escorrida, refrescá-lo com um gelado fresquinho debaixo de um tórrido sol que queima e sabe a morango e a avelã, a frutos silvestres e a amoras madurinhas
Quando tudo estivesse gasto, claro que semeava mais: uma planta que nasce, uma flor que cresce, um sorriso que desponta, uma gargalhada que se solta e uma miragem que se distende na espuma miudinha das ondas do mar. E uma corrida saltitante em voo de pássaro que corta a linha da frente e se estica para o alto recusando a distância que lhe fica para trás.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

REFLEXÕES SEM TITULO

Júlia Sardo

Perto da minha casa mora uma senhora com quatro filhos. Segundo tive conhecimento, chama-se Rosa e é mãe solteira; mãe carinhosa, doce e sempre com um sorriso nos lábios, embora o coração chore. Tem de batalhar muito para sustentar os seus meninos. Quantas vezes lhe virão as lágrimas aos olhos, por não ter alimentos para lhes dar. A filha mais velhinha, a Margarida, é uma criança linda; cabelo loiro e olhos azul acinzentado. Muito meiga e educada, tenta ajudar a mãe a cuidar dos irmãos. Então tem de ser tudo muito bem organizado; ela própria, para não dar mais ralações à mãe, faz um plano de trabalho. O levantar de mais um dia da semana é bem atarefado. A Margarida trata dos irmãos do meio, o João e o Ricardo, que são muito educados, humildes, mas traquinas. Vão à casa de banho, pobre mas asseada, fazer a higiene para depois se vestirem.

Entretanto tomam o pequeno-almoço, ou seja, o que se pode arranjar.Vão a correr ajudar a Margarida a fazer as camas e arrumar o que ficou no chão. Saem de casa. Os mais velhinhos ficam na escola enquanto a Orquídea vai para a creche. A mãe despede-se dos filhos sempre apressada e vai para o trabalho. Como os filhos almoçam na escola, a Rosa remedeia-se com qualquer coisa, à hora do almoço.

A sua grande preocupação é o bem-estar dos filhos e a sua subsistência. Esta mãe, sempre atarefada com tudo o que está sob sua responsabilidade, não tem um momento de descanso. Os dias, para ela são todos iguais. Não tem tempo de observar e admirar as coisas belas que a Natureza nos proporciona. Ao ter conhecimento da vida da Rosa, lembrei-me da minha, quando trabalhava. Não foi igual à dela, mas também era uma azáfama.
Hoje, que sou avó e estou mais disponível, gosto de observar a Natureza e as coisas belas, que ela nos oferece. Fico bastante tempo olhando as nuvens e a tentar adivinhar com que figuras se parecem.
 
Era como um espelho onde se refletiam os últimos
raios solares
Então, lembrei-me de ir fazer uma pequena visita aos meus netos, na praia da Barra, naquele fim de tarde em que a temperatura estava amena e convidava a sair de casa. Depois de pormos a conversa em dia, contando pequenas novidades, fui tomar um café para a varanda da cozinha. Vê-se o mar. Sentei-me na cadeira de lona e fiquei a observá-lo. Estava calmo. Era como um espelho onde se refletiam os últimos raios solares.
Ao longe, lá no horizonte, vislumbrava-se um barco, que parecia fazer a ligação entre o mar e o céu. Fiquei a observar, deliciada, aproveitando aquela calma. Comecei a ver a tonalidade da água a ficar vermelho alaranjado, pelo desaparecimento daquela bola gigante laranja forte.

De repente, num curto espaço de tempo, o sol escondeu-se totalmente. Que tranquilidade eu senti com aquele bonito pôr de sol. Lembrei-me da Rosa. Como é que esta mãe, com a azáfama que tem no seu dia-a-dia, que anda sempre tão atarefada e preocupada com os filhos, como pode ela observar, admirar e deliciar-se com um bonito pôr de sol? Penso que não. Ela não tem a tranquilidade, nem tempo suficiente para observar as delícias da Natureza, como eu consegui.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Podiam chamar-me Pedro ou Pedrito…

José Luís Vaz

Era uma vez, um homem, José Teixeira da Silva, que se dedicava a roubar os ricos para dar
José do Telhado
aos pobres. Viveu no século dezanove e ficou conhecido pelo Zé do Telhado. Hoje, século vinte e um, a tradição já não é o que era. Em Portugal não se lhe conhece nenhum seguidor.
Mas o mesmo não pode dizer-se em relação aos mentores do contrário — roubar aos pobres para dar aos ricos. Ainda me lembro de um tal rapaz de fino penteado, modos leves, trato esmerado, de educação visível e sentida por quantos o rodeavam ansiosamente, fazendo lembrar os seguidores de Cristo. Tinha sempre um sorriso — talvez por acordo com alguma grande superfície —, uma palavra serena e sensata para os seus interlocutores, fosse num congresso, numa conferência de imprensa ou numa mera resposta de circunstância que os jornalistas são useiros e vezeiros em provocar.
O desfilar na passadeira das figuras públicas começou bastante cedo, quando ainda jovem prometia para mais tarde o que naquela altura já fazia com grande desenvoltura liderando a “jota”, termo utilizado para designar uma organização partidária de jovens. Ele treinou, treinou e com tão dedicado desempenho acabou por atrasar, se calhar, uma brilhante carreira estudantil que o levaria ao património dos doutores (leia-se Drs). Já naquele tempo prometia ser um homem preocupado com a pátria e, para a servir, nada melhor que adquirir competências em economia.
...gerir um país
Pouco a pouco, de forma a sedimentar, devidamente, os novos conhecimentos lá foi num esforço desmesurado progredindo na carreira estudantil. Até que, imagine-se, tão cedo, só com trinta e sete anos, alcança o cume da licenciatura. Estava um homem feito para o que desse e viesse. Surgissem oportunidades e, com a elevada formação adquirida, sempre a pensar em subir a direito estaria preparado para enfrentar os maiores e mais difíceis obstáculos. Com a cadeira de S. Bento livre do Pinóquio que por lá andou, chegava a hora de experimentar gerir um país.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

A burra Carriça

Júlia Sardo

Clarita era uma menina que vivia numa aldeia do litoral, com os pais. Era franzina, cabelo loiro
Quem lhe faria estes caracóis?
em caracóis, feitos com papelotes e clara de ovo.Laçarote na cabeça, lá andava ela, sempre traquinas, de um lado para o outro em casa das amigas, mas sempre com autorização da mãe, claro.
Estarão a perguntar: quem lhe faria esses caracóis? Era uma senhora amiga da mãe da Clarita, chamada Clarinda. Era muito habilidosa. Claro que era preciso dormir com os papelotes até ao outro dia. Ficavam muito bonitos.
Como era única filha, procurava sempre a companhia de outras crianças para poder brincar.Perto de sua casa morava uma família que tinha vindo de Angola e que tinha três filhos: uma menina e dois rapazitos.A menina era da idade da Clarita e os dois miúdos eram mais novos.
Durante o dia brincavam todos juntos; umas vezes em casa da Clarita e outras vezes em casa da Hélia, assim se chamava a menina.Eram todos muito amigos, mas por vezes havia aquelas zangas próprias da idade.Essas zangas logo passavam; a amizade era tão grande que, quando iam ao fotógrafo tirar fotografias, queriam tirar com o mesmo vestido.Como não podiam tirar juntas, tirava uma e despia o vestido para de seguida tirar a outra.
O vestidinho era de crepe, verde água, com umas bolinhas brancas e outras, verde mais escuro. Tinha mangas curtas e a rematar o decote, um folho tipo babeiro, como se dizia, branco, muito bem feito. A rematar a bainha tinha um folho como o de cima. Os vestidos eram feitos pelas mães das meninas, que eram muito habilidosas.

terça-feira, 9 de julho de 2013

O TEU POEMA

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste poema para publicação


José Carreto Lages

O teu Poema

Com a força da esperança
que o sol renova,
em cada alvorada,
escreverei um verso
em cada uma das pétalas
das rosas do teu jardim.
E tu, colhendo os versos,
pétala a pétala,
de cada uma das tuas rosas,
farás do puzzle das minhas palavras
o teu poema.

A doçura dos teus lábios húmidos
unirá as pétalas,
uma a uma,
que fixarás com a ponta do ciúme
e o inquebrável fio da saudade.
E terás o poema em livro
onde, ternamente, farás iluminuras
com o teu sorriso, a renascer.

sábado, 6 de julho de 2013

Abraços aos meus amigos

Fechamos com este texto a temática AMIGOS e AMIZADE, agradecendo a todos os que connosco quiseram colaborar.  


Fernanda Reigota
Meus amigos:
Neste final do verão da minha vida, todos vós sois imagens recorrentes no meu pensamento.
Meus amigos!

Não sei explicar o motivo destas visões: surgem, umas vezes sorridentes, outras contando episódios de que já nem me lembrava…
Ao longo da vida vamos alterando a perspetiva pela qual entendemos o que é um amigo. Hoje, é minha convicção que um amigo nunca pode constranger a liberdade do outro, nunca pode ser conscientemente constrangido na sua liberdade. Acredito que ser amigo é participar numa relação de inteira liberdade e diferença. Entendo a amizade como sendo sempre espontânea, havendo sempre apreço recíproco, dando cada um, nesse contrato tácito entre duas pessoas, apenas o que pode e quer dar.
Amigo não é a pessoa com quem trabalhamos confortavelmente, mas aquela que escolhemos, no intervalo para um café, e a quem perguntamos, como estás?
Amigo não é um companheiro de paródia, porque esses têm um objetivo comum que é divertir-se.
Amigo não se encontra obrigatoriamente nas relações familiares: estas não nascem de um entendimento tácito e espontâneo, é o nascimento que lhes dá consistência.
Designarei a amizade como o prolongamento do encontro de dois indivíduos continuando, cada um, igual ao que era. Simplesmente, existe, para eles, um elemento mais a contribuir para que a vida se mostre em plenitude.
A amizade é um sinal de inteligência emocional e adaptação do homem, que, assim, vai obstando à infelicidade da solidão.
Não me alongo mais, pois o mais importante é dirigir-me a cada um e dizer ao que vim. A cada um falarei. O nosso estatuto é de uma realidade meio ficcionada. Cada um não é uma pessoa particular, mas sois todos importantes, e, por isso, nomear-vos-ei por ordem alfabética.

...és uma mulher forte, de ideais, de trabalho
Ana, lembras-te como começou a nossa amizade? Há tanto tempo que não falamos, mas tenho a certeza de que, quando nos reencontrarmos, reataremos a conversa no ponto em que a deixámos. Melhor, o nosso olhar dirá numa fração de segundo tudo o que vivemos. Dir-te-ei, és uma mulher forte, de ideais, de trabalho…mas, tão nova, já o eras! Dir-te-ei, lembro-me sempre que és uma mulher de afetos, de atenção aos outros… Mandaste-me o livro onde publicaste a fotografia de circunstância que, na juventude, tirámos juntas… O meu silêncio é recusa de falar sem ser de viva voz. A nossa amizade assim o exige. Estas férias, está decidido, minha amiga!

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Amizade rima com verdade

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade. 

Albertina Silva Monteiro

Deixa-me contar-te uma história.
Eu tive tantos amigos
Eu tive tantos amigos. Não foi culpa minha; na altura eu pensava que amizade era ter muito; muitos amigos. Era tão óbvio, tão absorvente. Foram precisos alguns anos para me aperceber que muito, neste caso, era um redondo nada. E nada de ninguém é solidão.
Tudo começou quando eu e o meu primeiro amigo – grande irmão e companheiro – decidimos que havia chegado a altura de seguir caminhos diferentes. Foi um processo natural e, francamente, foi bastante fácil esta emancipação: gargalhada alta, extrovertida, pioneira de ideias e uma falta de timidez, constantemente definida como coragem, aliada a uma franca disponibilidade para psicóloga de quem quisesse (e todos querem e precisam) ser ouvido. Foi fácil ser amada: sim, amada. Já lá chego.
Primeiro ouves isto
- És fantástica.
Depois isto
- Tu, tu és espectacular.
Foi rápido chegar a este ponto
- Gosto tanto de ti: amo-te.
Amo-te. Foi a gota de água. Amo-te. Alguém – repara que digo alguém; desses muitos podia ser qualquer um - abraçado a mim me diz esta palavra tão intensa colada ao ouvido. Alguma coisa ali estava errada. Seria eu? Na altura fiquei com o ego confuso e submisso: sorri. Sorri muitas vezes depois do primeiro sorrir – seria o amor assim tão vulgar, tão rápido, tão à tona daquilo que realmente somos e em consequência seria a amizade mais vulgar ainda para anunciar o nome do amor em vão?

terça-feira, 2 de julho de 2013

COMO OS AMIGOS SABEM ESTAR PRESENTES

Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade.  


Dores Topete

A Pedro vai casar
A amizade é o fio condutor que alimenta o nosso espírito e os nossos sonhos  A Pedro vai casar. É para a família uma notícia muito boa que nos traz muita felicidade. Era, desde há muito, uma aspiração da minha sobrinha e também nossa, que, para além de os querermos ver felizes, estarmos desejosos de ter crianças a aumentar o nosso agregado familiar.
Foi pois com grande satisfação que testemunhei o entusiasmo dos preparativos, embora à distância, com as conversas diárias que mantínhamos ao telefone.
Uns tempos antes, os amigos reuniram-se, planearam com os noivos como podiam colaborar, e…há que fazer tudo o que foi planeado, porque os amigos querem também eles ter parte ativa no casamento. Amigos com um A grande, eram muitos, e fizeram um trabalho fabuloso.
A Pedro e o Bruno têm uma capacidade inesgotável para manterem as amizades que, além de serem muitas, são de presença constante nas suas vidas.
A frase que escolheram como tema foi:

“ Que a nossa loucura seja perdoada. Porque metade de nós é amor… E a outra metade… Também”
Tudo foi feito em banda desenhada, os amigos têm diversas formações, desde os criativos aos informáticos e comerciais. Foi lindo de se ver. A logística foi minuciosamente montada e os trabalhos começaram.
Os convites chegaram-nos às mãos entregues pelos noivos e foi uma agradável surpresa. Eram lindos, feitos em livro de banda desenhada tipo Mafaldinha. Contavam a história dos noivos desde que se conheceram até ao momento, e terminavam a pedir a nossa presença como testemunhos da sua felicidade.
As amigas estiveram, tal como a mãe e o irmão, presentes na escolha e nas provas do vestido. 
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