José
Luís Vaz
Saí de casa, sem carro,
desejoso de caminhar sem destino, espairecer, respirar ar puro, descontrair,
desligar do quotidiano dos noticiários que, quanto mais longos, mais
deprimentes. Começa a ser muito penoso ser uma pessoa minimamente informada.
Notícias, umas a seguir às outras, sempre, sempre, a falar da crise e sempre da
pior forma. Caminhava descontraidamente, saboreando o tempo, que ao tempo não
tinha, para relaxar e desfrutar as coisas mais simples da vida. O silêncio da
natureza, harmonizado, aqui e ali, pelo chilrear de um pássaro que, senhor do
seu bico, faz questão de dizer que, aqui quem “canta” sou eu. Andei bastante, o
suficiente, para me apetecer sentar num dos bancos de um jardim, muito
frequentado por pessoas idosas, que ali deixam passar o tempo que teima em não
parar. Julgava eu, continuar o meu salutar alheamento de tudo e de todos os que
diariamente nos massacram. Mas não. Próximas de mim, num banco ao lado,
conversavam compulsivamente três senhoras, sobre um assunto muito pertinente, a
crise! Arrependido de me ter levantado, disfarcei, passeei um pouco por ali e
voltei a sentar-me. Estava disposto a usufruir de um lugar, pelo qual nada
paguei, para poder assistir a um verdadeiro espectáculo popular que me fazia
recordar o tempo em que a “revista à portuguesa” nos informava e mobilizava
divertindo-nos profundamente.
Com um dito destes, é
evidente, que qualquer um se colava ao assento procurando nada perder dum novo
estilo de abordagem da famigerada crise.
– O quê? Ó Guilhermina, isso
nem parece seu? Então, vive tão perto de um ótimo supermercado, com três
empregados tão simpáticos, e vai andar aí a dar voltas, à procura dos mercados?
– Também digo, ainda se
valesse a pena?
– Se vale a pena, olhe
Joaquina, sabe a como paguei a hortaliça? Poupei quase metade e fui muito
melhor servida. Esses malandros levam muito dinheiro e servem mal. E quanto ao
viver perto, Germana, prefiro andar mais a pé. O Sr. Dr., diz-me a toda a hora:
“A senhora ande, ande, enquanto pode, não fique parada”. Mas não era a
Joaquina, que se me queixou, desses três?
– Ai, ai, ai! Guilhermina
veja lá o que diz… Olhe que a rapariga até está a ficar vermelha!
– A ficar vermelha? Não
quero cá confusões, Germana, Germaninha, vê lá o que dizes?
– Ó mulher, eu abri-me com a
Guilhermina e disse-lhe que eles me fiavam, bem sabes o que tenho passado com o
bêbado do meu homem! E, sabes que mais, eu julgava que me andavam a ajudar e
agora, há dois dias atrás, disseram-me que me iam juntar, ao que devo, um
dinheirão de juros. Não sei o que hei de fazer da minha vida, vocês dizem-me?
– Digo-lhe, venha comigo aos
mercados e vai ver que vai gostar.
Germana, como quem levou um
choque, diz de imediato:
– A esses é que eu nunca
irei, eu nem sequer os conheço. Até dizem por aí que ninguém sabe quem são.
Olha Joaquina, eu, como tu sabes, vejo muita televisão. Ultimamente já lá ouvi,
pelo menos dois, mas até acho que foram mais, doutores a ensinar a gente a
economizar dinheiro.
– Então e tens aprendido? –
perguntou a Guilhermina?
– Eles falam todos muito
bem, mas para te dizer a verdade, não entendo nada da conversa deles.
– Ó Guilhermina, mas eu
tenho que ter dinheiro para pagar. Vou aos mercados fazer o quê?
– Olha, tem calma, vendes-lhe
a dívida que tens no supermercado e avisa-los logo que não contem com
amortizações tão depressa e então ficas a pagar uns juritos… Se eles
simpatizarem contigo, até pode ser que sejam baixinhos.
– Valha-me Deus! Nunca será
a Germana da Cruz que se meterá em tais coisas. Deus me livre.
– Mas, ó Guilhermina, onde é
que são esses tais mercados, são muito longe? – perguntou timidamente Joaquina.
– Francamente, então você
não sabe onde é o Mercado de Santiago e o Mercado Manel Firmino?
Ao meu lado sentara-se um
homem que, profundamente divertido, ria, ria até não poder mais. Confidenciou-me
que, uma delas, era a sua mulher e que, obviamente, se divertiam, à sua
maneira, fazendo crer a quem as ouvia que falavam muito a sério.
Faziam-se horas, e pus-me ao
caminho. Falavam alto. Já um pouco distanciado, ainda ouvi a D. Guilhermina
dizer:
– Olhai meninas, tenho que
ir… ainda hoje não dei nada ao meu cachorrito, e depois não se cala. A toda a
hora lhe estou a gritar, cala-te Gaspar!!!
Muito bom!
ResponderEliminarA Guilhermina bem poderia mandar calar esse animal mais vezes... cão estúpido que só pensa em comer tudo o que vê à frente!
Mas se queres que te diga pai, até o campo já foi mais relaxante... é que sempre que me ponho à janela a desfrutar das vistas do terreno em frente, só consigo ver Relvas, tipo ervas daninhas e Coelhos selvagens...
Parabéns pelo texto!
Continuem...
E que tal soltar essa veia humorística e dar-nos o prazer de escrever um texto para este blogue?
EliminarFica o desafio, que não sei a quem o Daniel sai! Mas filho de peixes, sabe nadar.
Tenho muito respeito por quem escreve bem... Obrigado pelo incentivo mas por enquanto resumo-me à minha posição de comentador, tipo Miguel Sousa Tavares (mas prometo não plagiar ninguém!)
EliminarDaniel lá diz o velho ditado: "ao rico não devas e ao pobre não prometas". E como sou probrezinha gostaria de ver aqui muitos comentários.
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ResponderEliminarSurpreende pela actualidade e pela forma. Diz tudo duma maneira que prende a atenção do leitor e o leva a umas boas gargalhadas. Nos tempos que correm nada melhor que a verdade para fazer rir.
Já sabia que este é o teu género favorito: parabéns! Está genuino e fala por ti, retrata a tua forma de ver os tempos que correm. Eu sei do que tu és capaz, quando queres, mas até a mim me surpreendeste.
Gostei, gostei, gostei muito do texto e dos comentários. Mas... coitadinho do meu Gaspar, acreditem que ele não tem culpa de nada. Coincidências... agora que posso fazer? O meu cão só ladra e não faz mal a ninguém. Mas há por aí outro Gaspar que não ladra, mas morde-nos até aos ossos.
ResponderEliminarGostei muito do texto que me fez lembrar as cantigas de escárnio e mal dizer do nosso rei.Já nesse tempo havia a necessidade de desabafar sem mensionar ninguém. Os comentários, são pertinentes e então o do filho, alto lá. Quem sai aos seus...
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