quarta-feira, 31 de maio de 2017

UMA ESTRELA

© Maria Celeste Salgueiro

A noite era linda,
A noite era quente,
Brincava na praia
Feliz e contente.
Brilhavam as conchas,                   
...caiu uma estrela/ na água parada
Brilhavam os búzios,
À luz do luar.
Eu fiz uma cova
Na areia dormente
P´ra dento meter
Todo inteiro o mar!
Eu ia levando a água p´ra lá
Mas sem conseguir.
A água sumia
E a cova ficava de novo vazia.
Minha Mãe olhava,
Olhava e sorria.
Mas eu não cansava e não desistia.
Porém, de repente, caiu uma estrela
Na água parada
Que estava na cova.
- Olha Mãe, que bela!
Brilha intensamente!
Depois fui embora.
Mas, pela vida fora, 
Fui sempre sonhando,
Sonhando acordada
E sem desistir
De agarrar os sonhos
Que a vida me dava.
E quando me sinto às vezes cansada
E sem persistência
P´ra continuar,
Recordo essa estrela
Que eu deixei um dia
Na cova da praia
E vejo-a a brilhar!...                           

Maria Celeste Salgueiro ©2017,Aveiro,Portugal

terça-feira, 23 de maio de 2017

E SE FOSSE AMANHÃ?

 © Graciete Manangão

PORQUÊ?

E se amanhã tudo terminasse?
E se, na verdade, fosse já amanhã?
Estou preparado para essa hora?
Valeu a pena ter vivido?
Se não, porquê?
Se sim, porquê?
Então, porque não dei todos os abraços que eram necessários?
Porque escondi os meus tesouros?
Porque me escondi, apavorado, tantas vezes ?
Porque não te escutei?
Porque me calei, torturado, quando queria gritar bem alto?
Porque não procurei todos os recantos do mundo?
Porque não dei abrigo?
Porque não construí?
Porque não criei nada?
Porque não resisti?
Porque, apavorado, tenho  medo de chegar ao fim da estrada?
Porque ainda não me libertei.
Olho, longamente, para trás.
E, depois, sigo em frente, corajosamente.
Creio que chegou a hora da verdadeira liberdade.
Sim, agora, sinto que fui libertado.

Finalmente, sou livre!

Graciete Manangão ©2017,Aveiro,Portugal

domingo, 14 de maio de 2017

Os Amigos


© Vitor Sousa


Iniciei em Miranda a minha vida académica.
A escola primária, pré-fabricada em madeira pintada de verde, nasceu num amontoado de granito bordado a giesta e ervas daninhas.
Na aurora da primavera, as giestas coloriam as fragas de amarelo e branco com um perfume tão intenso que as áureas de recorte entre céu e terra ficavam repenicadas de insectos no repasto dos néctares.
Os píncaros deslumbravam o Douro na quietude agreste da imensidão.
Neste labirinto onde o percurso se eleva ao termo, nasceram os primeiros desacatos, paixões, bulhas e desafios que nos cunharam a amizade.
A pedrada era linguagem corrente no afoite de lhe evitar a mazela pelo desvio do corpo no momento exacto, raramente havia uma cabeça rachada…
Recantos de diabrura, desde os primeiros ensaios de tabaco até ao espiar regalado do alívio cauteloso das meninas.
Um dia, o Alfredo, filho do fotógrafo, envergado de mistério, ripou de um semblante de gente grande e com sobrolho levantado, proclamou:
Eu não fumo!
- Olhem para isto!...
Mete a mão no bolso, cresce um palmo, transfigura a face e exibe um maço de cigarros inteirinho, surripiado ao pai durante a sesta.
Eu, no meu canto, fiquei gélido, com a repulsa do cheiro e o engasgo que o dito me propulsa na garganta.
De boca ressequida, dei largas à imaginação à procura da luz que me tirasse de tal embuste sem humilhação.
Transfigurei o desconforto, levantei-me, olhei-o nos olhos com firmeza, puxei de pose altiva e declamei uma retórica longa e convincente sobre os malefícios do tabaco, desde o apego ao vício até à reacção dos pais, se algum dia viessem a saber.
Com determinação, virei as costas e clamei convicto:
- Quem quiser, venha comigo, eu, não fumo!...
Não é que só lá ficaram dois…
Senti pela primeira vez na minha vida, que, omitindo escrúpulos, teria feito empolgante carreira no circo da política.


Vitor Sousa ©2017,Aveiro,Portugal

terça-feira, 18 de abril de 2017

AMANTES

© Idalinda Pereira

A chuva não desaparecia e o sol tardava em chegar. Estaria zangado?
A lua, amiga do sol, namorada e amante também, não aparecia para lhe dar ânimo... Também as estrelas, suas filhas, não brilhavam no firmamento... Mas de repente, todas se uniram e provocaram uma explosão tal que o céu ficou iluminado, e viu-se o sol a sorrir e a aquecer!.. Então o sol quis falar à sua amada, mas esta recusou... Pois só lhe falaria quando ele se fosse deitar no seu leito para lá do horizonte, e, então sim! A lua aparece, com o seu sorriso ameno mas de grande luminosidade, e as estrelas brincalhonas acariciam-na e sussurram-lhe ao ouvido: 
Mãe lua, não nos abandones, não deixes que o sol te substitua porque com a sua intensa luz, nós deixamos de brilhar e dar alegria àqueles que nos esperam nas noites calmas e solitárias.
A lua estremeceu com o pedido feito que não lhe deixava alternativa para se enamorar do sol, mas, ao mesmo tempo pensou: ele é tão grande e possante, com um brilho tão intenso e delirante capaz da terra aquecer, faz as plantas crescer, dá luz e conforta os habitantes que o contemplam quando chega e lhe agradecem o dia que mais uma vez desponta!.. E eu, o que sou? Bem!.. Também me sinto amada porque me é permitido tornar as noites iluminadas para o amor fertilizar e o relento acalmar e o povo navegar sob a ténue luz, numa segurança ímpar. Sendo assim, não sou sol mas sou lua!

quinta-feira, 30 de março de 2017

Tão perto e tão longe


© José Teixeira

A chuva caía suavemente, libertando-se de uma teimosa névoa, que pairava em forma de véu compacto sobre a copa das árvores da avenida, nesta manhã de outono, em que o sol se perdeu entre as nuvens e o vento não se fazia sentir.

Embrulhado na minha capa, caminhava eu pela calçada, no passeio matinal com que inicio o meu dia. Adiante de mim seguia uma jovem mãe, em passo acelerado. Um corpo esbelto protegido por um vestido esverdeado, talvez um pouco gasto, mas gracioso na forma como fazia sobressair a beleza da jovem. 
Nunca o Homem, estando tão perto,
esteve tão longe do Homem
Com uma mão arrastava uma criança com cerca de três anos e na outra segurava um telemóvel bem encostado ao ouvido. A conversa não lhe estaria a agradar, pois da sua boca choviam raios e coriscos. A chuva continuava a cair, o telemóvel não se molhava e a criança choramingava, mas a mãe não a ouvia. Os automóveis passavam velozmente perturbando o ambiente com o estrépito dos motores. Não conseguiam escutar o que a jovem dizia, mas eu que seguia mesmo ali, atrás daquela mãe com a criança pela mão, numa manhã de chuva miudinha, ouvia-a muito bem. E, sobressaíam o toc, toc dos sapatos de tacão alto e as palavras azedas dirigidas ao pai da criança que a escutava algures.

segunda-feira, 20 de março de 2017

SER POETA

© Maria Celeste Salgueiro




Ser poeta é de todos ser dif´rente,
Ver para além das coisas a beleza;
Sentir o coração da natureza
Pulsar dentro de si intensamente! 

É sem poder voar ir sempre em frente,
Nas mais pequenas coisas ver grandeza;
É cantar, versejar como quem reza,
Querer atingir na vida o transcendente!

É amar sem limites, sem ter freio,
Sentir que nada acalma o seu anseio,
Dentro de si mil sonhos a florir!

É ver em cada estrela o infinito,
Lançar pela amplidão imenso grito
Para que todo o mundo o possa ouvir!...  




Maria Celeste Salgueiro ©2017,Aveiro,Portugal        

domingo, 5 de março de 2017

De lágrima na mão

 © Albertina Vaz

Encontrei uma lágrima e toldei-me de espanto. Uma lágrima ali, perdida, no meio do nada e atulhada de tanto. Olhei-a a medo e tremi por dentro. Nem sei a que sabia – se era salgada, se era fria, se era amarga ou se devia prová-la e desfazê-la na boca, lenta e devagarinho.

Encontrei uma lágrima e quis afagá-la na minha mão mas, ao tocar-lhe, quase se desfez, em gotículas tão pequeninas que rolaram para o chão: eram gotas de dor, de amargura, de sofrimento, de tortura, de tormento. Eram só gotas mas sabiam a tanto.

E vi que havia mais lágrimas que se espalhavam pela calçada e inundavam o chão. Nem sei donde vinham nem para onde iam mas rolavam, sem destino, na calçada lamacenta que cheirava a calor e se alongava como quem rola, em círculos desfeitos, num mar de pranto.

Mas eram também gotas de receio, de inquietação, de medo, de susto, de alvoroço e de revolta, que se desenvolvem e se diluem, numa paragem de vida, onde tudo parece que começa e nada decide avançar.

E eram também sonhos de sonhos que deixam de ser sonhos e aparecem como realizações de realidades concretas que se corporizam num gesto, numa caricia, num afago, num mimo, num sorriso que se intensifica e se dilui quando, no horizonte, o sol nasce e as aves o circundam, em voo aglutinado, manchando de sombra a luz imensa que dele se evola.

E fiquei para ali a pensar nos milhões de lágrimas que volteiam como pássaros alados, rodopiando em voos de ida que voltam sempre ao local de partida e forçam o ramo da árvore, onde um ninho recorda o último verão e as canções de embalar sempre anunciadas.

Subi a ladeira, devagarinho, dobrada sob aquele peso daquela lágrima que recolhera na minha mão. E encontrei, sentada na beira da estrada, uma rapariga, de olhar vazio, enfrentando o nada. Em silêncio. Na sua face, apenas o silêncio, mudo e petrificado, de quem nada tem ou nada já quer ter.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

História de uma Margarida

© José Carreto Lages 

Margarida era uma rapariga linda, esculturalmente bela e insinuante. Quem a visse lembrar-se-ia, no mínimo, de um figo pingo de mel. Expedita e dada a enleios, frequentava o colégio das irmãs Doroteias, onde trazia em sobressalto os elementos diretivos. A sua beleza era unanimemente conversada entre os jovens.Tornou conhecida a rua e a casa da tia, onde a sua presença enfeitava e valorizava a habitação.

À hora da saída das aulas, era habitual juntar-se um grupo de estudantes mais atrevidos, para observá-la, dirigir-lhe piropos, acompanhar-lhe os gestos e os apelativos movimentos que a moldura da perfeição do corpo desenhava com generosa exuberância. Ela, sobranceira aos olhares, não se incomodava nada de ser  modelo da lúdica observação dos jovens que lhe dirigiam elogiosos galanteios  que lhe assentavam como luva na esteira concupiscente do funcionamento das suas virginais hormonas. O ajustamento das blusas que vestia sugeriam com evidência o contorno abonado da perfeição arredondada de dois seios bem firmes. Com o rosto ligeiramente ovalado, respirava  a exuberância e a perfeita saúde de um corpo perfeito, bem ataviado.

Tinha completado os dezoito anos e entre o aroma das tílias do parque aceitou a insistência do Lourenço em lhe permitir que a acompanhasse no caminho de acesso às aulas, com a condição de que a companhia cessaria antes da curva da rua que abria vista ao edifício do colégio. 

domingo, 29 de janeiro de 2017

Oiço a tua voz

© Isabel Maria

Oiço a tua voz
Porque vieste?
Não chamei por ti!
Tua voz…
Oiço a tua voz!
Tão perto, tão longe
tão dentro de nós!...

Uma parte de mim
vive longe…
É fogo, é luz
rosa do meu jardim
presa ao meu coração
Chamo tua voz                                   
mas, não regresses mais
Assim!...

Embora a dor me fira,
De tal modo
Que só tuas mãos saibam
Curar-me…
Ou ninguém, se não tu,
possa entender
o meu contentamento,
sem que tua voz me faça estremecer!...


Isabel Maria ©2017,Aveiro,Portugal

domingo, 22 de janeiro de 2017

Alabastro


© Vitor Sousa


Opaco, persistente, frágil, compulsivo no descrédito dos valores mundanos, o João soava a Alabastro.
Nascido para carregar penitências, era a personificação das noites revoltas, da febre, das maleitas e de um vómito cáustico oriundo de um qualquer manifesto de repúdio aos deuses ou às contrariedades de bom comportamento.
Opaco,persistente, frágil, o João soava a Alabastro
O seu universo tinha de ser retocado, amarfanhado e reinventado por ele, como se ele fosse o princípio e o fim de todas as coisas na plenitude desordenada do instinto.
A perspectiva da observância era antagónica na captação pictórica do mundo, sempre pautada pelo confronto às verdades absolutas e à força absurda das razões que enjaulam os caminhos.
Era um artesão da alma.
A vista da imensidão, ou a mão pousada no sossego da muralha castelã imprimiam um derrube do temporal, onde todo o rasto histórico é agora. A relação com o outro era fácil, espontânea, afável e curta.
A vivência humana na sua complexidade, imprimia-lhe sempre uma impressão de transacção comercial submersa movida por vómicas cumplicidades sarapintadas a custo por retalhos necrófagos de aparência isenta e sadia.
Até a caridade, supostamente nobre e altruísta era castrada pela contrapartida do amanhã desconhecido, pelo dilema medonho de fazer o bem para garantir o bem-estar sem vir a precisar do pão alheio ou de estender a mão à vergonha do pedir.
Valiam-lhe os bichos, para lhe nortear as contendas e harmonizar a existência.

domingo, 15 de janeiro de 2017

O homem que contava as estrelas

 © Albertina Vaz 


Era uma vez um homem que contava as estrelas. Ficava muito tempo a olhar para elas e a vê-las tremelicar. O homem não era nem velho, nem novo. Era apenas um homem. A contar estrelas: aquela, lá mesmo ao fundo, era a estrela do João, a outra, mesmo ao seu lado, era a da Maria; no meio, lá estava a estrela do sol nascente e, mais abaixo, a estrela da boa vontade. O homem dava nome a todas as estrelas. E todas as estrelas o conheciam por homem. Nenhuma das estrelas sabia o nome do homem, mas todas o chamavam pelo nome.

Olha, lá em cima, tantas estrelas!
Algumas vezes, quando o céu se enfrascava de chuva, as estrelas gritavam: vai para casa, homem, olha que vai chover muito. Mas o homem não ouvia as estrelas. Vi-as a brilhar ou a escurecerem. E, quando as estrelas ficavam escuras, o homem dizia: é a vida! Foram-se. Talvez voltem amanhã.

No dia seguinte, o homem voltava para contar as estrelas. E elas lá estavam, brilhantes, como se o sol estivesse por perto e a noite não tivesse descido. Vai ali a Francisca – dizia o homem. Do lado esquerdo, deve ser o Pedro. Um dia ainda os hei-de juntar – pensava o homem. Mas o homem acabava sempre a noite a contar as estrelas. A ver se faltava alguma, ou se alguma estava fora do seu lugar.
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