quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

ONDE É QUE ESTAVA A POESIA

Maria Celeste Salgueiro

Era o dia nacional da POESIA. Acordei feliz, disposta a tirar o melhor partido da data e tentar encontrar a POESIA nas mais pequenas coisas.
O dia estava lindo, o sol brilhava radioso num céu sem nuvens e tudo parecia perfeito. Deixei os meus problemas fechados numa gaveta, e, de cabeça liberta, lancei-me para a rua, caneta e lápis na mão para poder anotar tudo o que me chamasse a atenção.
Comecei a procurar. A cidade estava um caos, as ruas em confusão, só buracos, pedras soltas, só poeira à minha frente. Onde é que estava a POESIA? Devia estar escondida ou mesmo até soterrada com tanta obra pendente. Fui ao jardim onde o verde transbordava em profusão. Porém só desolação havia naquele espaço com as flores a definhar e o lago escuro e baço. Onde é que estava a POESIA que não a podia achar?
Meti-me no turbilhão de ruas a abarrotar de gente muito apressada e carros sempre a
...nos olhos de uma criança
encontrei-a nesse dia!
apitar. Então vi uma criança de boné e de sacola que regressava da escola muito contente a cantar. Pegou-me logo na mão e seguimos devagar, lado a lado a conversar.
Vês estas folhas no chão? Fazem música ao calcar. Olha o sol a rebrilhar no lago do meu castelo e os cavaleiros em volta. Já viste um quadro mais belo? Olhei para o chão pasmada. O lago era água parada, baça, escura, sem ter nada. O castelo era uma pedra e os cavaleiros formigas! Reparei no seu olhar: era azul , todo candura. Vi dentro o céu e o mar e o sol nele a sorrir.

E eu que perdera a esperança de descobrir a POESIA, nos olhos duma criança encontrei-a nesse dia!

Maria Celeste Salgueiro ©2015,Aveiro,Portugal

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Atravessando os séculos!

José Luís Vaz


Sempre elegantes, desde as altas às mais baixotas, coabitam com facilidade em espaços variados. Quando sós, deslumbram os seus admiradores pela conformação sui generis que proporciona a cada um especular sobre as suas formas.

Já lá vai o tempo em que a natureza determinava o seu livre desenvolvimento proporcionando, quantas vezes, uma arquitectura exótica e diferenciada. Hoje, é abruptamente “fabricada”, de acordo, única e simplesmente, com critérios economicistas que tudo determinam violentando as formas livres da mãe natureza.

Existe uma grande variedade distinguindo-se, entre si, pelo desenho, pela idade, pelo
Fonte inesgotável de vida
porte, pela raridade ou mesmo pelo seu interesse histórico. Podem atingir cerca de vinte metros de altura, o que justifica forte capacidade na procura dos nutrientes necessários. Neste ciclo de luta pela subsistência e desenvolvimento acaba por, com a sua acção, tantas vezes, evitar que fortes enxurradas arrastem catastroficamente os solos, destruindo uma estrutura em que existem os elementos necessários à vida.

Necessitando muito tempo para crescer, pode viver centenas de anos. Há mesmo exemplares referenciados com cerca de dois mil anos, sendo considerada a mais antiga do mundo, uma que existe perto de Tavira.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Manuel Sortudo - uma história quase verídica...

Graciete Manangão


O Manel era um jovem e dinâmico agricultor. Lavrava e cultivava quase todas as terras disponíveis, na sua aldeia, quer fossem suas ou não. Tinha investido em modernas máquinas agrícolas. Era muito requisitado para fazer todo o tipo de trabalhos de lavoura por quem o não podia fazer. Além disso, tinha uma ordenha mecânica que lhe dava um
um "empresário agrícola"
rendimento mensal razoável. Constava-se até que recebia subsídios do Estado para manter toda a sua actividade agrícola. Era o que se poderia dizer um “empresário agrícola”.
Estava casado, desde os 22 anos, com Bina, uma bonita e vivaça feirante. Sempre bem disposta e incansável, “fazia” mensalmente, durante todo o ano, fizesse chuva, sol ou vento, as feiras dos 7, dos 10, dos 12, dos 13, dos 21, dos 28, dos 29 e dos 30. Levantava-se de madrugada, em dias de feira, para preparar a carrinha fechada com todo o arsenal da tenda, incluindo os sacos de plástico enormes, carregados de mercadorias diversas.
Com toda esta azáfama diária, e porque ainda estavam no princípio da luta pela vida, Bina e o Manel resolveram adiar a chegada de um filho.
Sobrava muito pouco tempo para distrações ou passeios. Bina, aos domingos à tarde, desde que não fosse dia de feira, gostava de ir ver o mar, fazer algumas compras para casa e lanchar na pastelaria da dona Mariazinha.
O Manel, sempre que podia, ia ao “Café do Zé” beber uma cerveja ou um café e bagaço, com os seus amigos ou vizinhos. Às vezes, também jogava às cartas.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

IN MEMORIAM

José Carreto Lages


E se queres saber se doeu
eu dir-te-ei: Manuel, doeu.
Não te deram  tempo nem ocasião
para a despedida que tu merecias.
A eternidade, talvez, para cumprir profecias
te levou. Mas tão formal, sem uma razão?                     
Sem  dos teus amigos um adeus
que os conformasse de arrelias
e evitasse fazer aos céus
justificada reclamação?
Se me perguntarem se a eternidade
foi justa contigo. Eu direi que não.
Que é da liberdade
de cada um viver e ter o que é seu?
Se partiste por tua vontade
E se queres saber se doeu,
eu dir-te-ei: Manuel, doeu.


José Carreto Lages ©2015,Aveiro,Portugal

O Moinho

Esmeralda Dinis Assunção 


Fim de tarde. Uma pausa para uns minutos de leitura. Na capa da revista que tenho nas mãos há um moinho, em primeiro plano. Logo me veio à memória um outro moinho que conheci na infância, beirão de gema, bem perto da casa da avó Rita.
No alto do pequeno monte, sozinho, o moinho era um rei. À sua volta havia verde até perder de vista. De braços sempre abertos ao vento, corpo robusto, dominava todo o espaço que o cercava e, como um verdadeiro senhor, parecia ser ao mesmo tempo o protector daquelas terras. O caminho para chegar até ele não era fácil porque era íngreme e tinha muitas pedras.
O moinho ainda lá está no cimo do morro
O moleiro montado no seu burrico, o Moisés, lá ia sempre morro acima, levar-lhe o grão, em jeito de homenagem. Quando descia, já com os sacos cheios de farinha, vinha a assobiar de contente. É que aquele rei não tinha coroa mas tinha dentro de si o poder enorme de lhe dar o sustento, o ganha-pão. Aquele moinho representava para o moleiro a própria sobrevivência.
O moinho ainda lá está no cimo do morro. Dos braços abertos restam os paus que seguravam as velas. A porta e a janela são apenas uns buracos. Do corpo robusto do rei antigo restam as pedras resistentes. Agora já não tem poder, nem sequer é o sustento de alguém mas ele lá está como símbolo duma tradição perdida.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Por cá e por além-mar em Africa

                                                                                                             Maria Cacilda Marado

Já não é muito nova, quarenta e um anos ninguém lhos tira, mas mantém-se de pé e com firmeza sempre que a requisitam para cumprir a sua missão. Tenho visto companheiras suas mais jovens desengonçarem-se todas ao mais pequeno desajeitar das mãos de quem as usa. Realmente, o utensílio de que vos estou a falar tem uma história notável. Com apenas seis anos de idade, transpôs o oceano Atlântico com garbo e valentia.
Uma vez deu-me cabo de um pé...
Arrumadinha num contentor, nunca deu sinal de si até que, quase um mês depois, a pus novamente ao serviço da família. Sim, ela esteve em terras de África, onde, durante dois anos e meio, desempenhou bem a missão para que foi criada. E permitiu muitas descargas de adrenalina enquanto se deixava usar para o fim a que se destina. Foi utilizada por mim e por outros sempre que era necessário mimar quem se queria alindar. Uma vez, deu-me cabo de um pé quando fui desajeitada ao pô-la sobre as suas duas firmes sustentações. No entanto, eu tenho por ela uma estima tão grande que, dois anos e meio depois de ela ter ido para Angola comigo, quando regressei, não quis deixá-la numa terra de desassossego, no pós-25 de Abril, época bem conturbada pelos movimentos de independência.

E lá a trouxe de novo, no fundo de um outro contentor que mais tarde se transformou numa bela estante. Mas, voltando ao meu utensílio de estimação, hoje, tanto tempo já passado, ainda me alivia as tensões quando corro em cima dela com o meu bólide de corridas, quando aprimoro os tecidos, quando liberto as tensões, quando faço conjecturas e elaboro projectos. Para a guardar, escolho sempre um cantinho para não me perturbar as correrias de última hora. Mas não sou só eu que lhe quero bem; a minha filha tem por ela uma estima especial, pois liberta-a de algumas tarefas que teria de fazer na casa dela.

Maria Cacilda Marado ©2015,Aveiro,Portugal

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O sótão da avó

Lindonor Silveirinha

Todos os anos faço uma arrumação a este sótão, mas está sempre cheio de tudo e mais alguma coisa. É como a minha cabeça e as lembranças do passado. Algumas procuro deitar fora, porque me incomodam, mas também há outras que gosto de recordar.
"Espelho meu, espelho meu, que é feito da outra
que você já conheceu?"
Quando viemos para esta casa achei fantástico ter um espaço amplo para guardar o que não estava a uso, mas agora estou cansada e não me apetece remexer no passado. Contudo, neste preciso momento, tenho que ir ver se encontro alguns brinquedos para dar a uma obra que ajuda crianças. Tenho alguns carrinhos do meu filho e bonecas e mobílias das minhas filhas. Talvez alguma coisa ainda esteja boa para dar.
Vamos lá! Coragem!
Olha, aqui está uma mobília de quarto das bonecas: a cama, o toilette e uma cadeira. Ainda estão em bom estado. Como me lembro bem das brincadeiras das minhas filhas! A P. gostava de olhar para o espelho e perguntar: “ Espelho meu, espelho meu, achas que há alguém mais bonita do que eu?”
Mas que horror! O que eu vejo agora neste espelhinho é uma velha, enrugada e triste e apetece-me perguntar: “ Espelho meu, espelho meu, que é feito da outra que você já conheceu?
Então ouço atrás de mim a voz da minha neta: “Avó! Que engraçado rever tudo isto! A avó podia escrever uma história chamada: O meu sótão…”

Lindonor Silveirinha ©2015,Aveiro,Portugal

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Sentia-se ferida de luz por dentro.

Fernanda Reigota


A hora de abandonar o local de trabalho provocava sempre em Alexandra um estado de lassidão. A sua mente aproveitava-o para processar e armazenar tudo o que era importante. Sabia que rapidamente mergulharia noutro estado de vigília em que era necessário coordenar os horários e os apoios logísticos que as atividades pessoais dos filhos exigiam.
...um precioso minuto de encontro
consigo própria
Na alternância do estado de tensão e atenção ao trabalho para o estado de vigília que as atividades dos filhos requeriam ao de fim do dia, Alexandra guardava para si um precioso minuto de encontro consigo própria. Conseguiria uns minutos para prosseguir a leitura que a estava a entusiasmar? Precisava de falar com o filho mais velho para compreender a súbita mudança de atitude em relação aos estudos. Há muitos dias que não tinham uns momentos em que o único objetivo fosse estar em família e viver. Viver como quem se deixa aquecer por um raio de sol de outono. Viver como quem se extasia com o abraço que o Céu e a Terra dão no início da primavera e depois se encanta com a pujante criação que vai surgindo cheia de cores e de cheiros. Viver como quem se deixa refrescar por uma chuva miudinha de verão. Viver como quem saboreia o som do crepitar do lume no inverno.
Neste minuto de encontro consigo própria, e enquanto os filhos encestavam umas bolas antes de abalarem todos, Alexandra ia adiantando pequenas tarefas rotineiras. Quando chegasse definitivamente a casa outras tarefas ocupariam a família.
Sem explicação explícita, Alexandra  entalou um dedo. Os gritos  espontâneos  que deu 
Não sei para que aprendemos
estas coisas na escola.
atraíram os filhos. Apesar das dores intensas, conseguiu fixar a perplexidade, a ansiedade e a surpresa com que os filhos a fixavam. O mais novo, o João, tomou o comando das operações e mandou o irmão, o Pedro, ligar para o 112. Mãe, ligo? Não é preciso, meus queridos. Liga! Não, não é preciso! Não sei para que aprendemos estas coisas na escola.
Passados os grandes minutos de dores mais intensas, Alexandra falou com os filhos. Era natural que o João quisesse aplicar o que tinha aprendido há tão poucos dias, mas precisava de saber avaliar as situações e ele ainda era muito novo. O Pedro intuiu que a mãe estava plenamente capaz de decidir. Explicou aos dois, mas principalmente ao João, que a dor tinha sido muito forte, mas tinha estado sempre consciente, não tinha sangrado, respirava bem… Assim, não era necessário chamar o 112.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Prece ao Novo Ano


Maria Celeste Seabra




Mais um ano que acaba de ruir
Qual folha que o Outono derrubou;
Mais um ano que acaba de partir,
Mágoa que foi, Saudade que ficou!

Mais um ano que vem, prece a sorrir,
Pela estrada que o outro já pisou;
Mistério a despontar, a ressurgir,
Entre as sombras do ano que passou!

Ano que vens nas brumas da incerteza,
Benvindo sejas tu pela grandeza
Dum sonho que tão alto me conduz!

Veja ou não satisfeito o meu desejo,
Benvindo pela esp´rança que em ti vejo,
Esp´rança a abrir em pétalas de luz!...


Maria Celeste Salgueiro ©2014,Aveiro,Portugal

sábado, 27 de dezembro de 2014

Quando chegará o tempo de ouvir as crianças?!

José Luís Vaz

O verão de S. Martinho já lá vai e os dias vão diminuindo, dia após dia, criando espaço às frias e longas noites de inverno. Quase de seguida, o Dia Internacional da Generosidade, fazendo pairar no ar um tempo que faz adivinhar a proximidade de época natalícia. 

Uns começam a idealizar, outros a programar, outros fazendo cálculos e mais cálculos
Um tempo de exuberância para uns....
para melhor gerirem os seus pecúlios e, como sempre, tantos a vê-los passar… Um tempo de exuberância para uns, de desamparo para outros, mas, fundamentalmente, de uma verdadeira euforia à volta do consumo. O mundo inteiro entrega-se às tradições natalícias e sob esse auspício, em cada latitude, vive-se um tempo repleto de slogans, sempre recheados de paz, muita paz, fraternidade, caridade para uns, solidariedade para outros, Menino Jesus, Pai Natal, amizade, amor… Um verdadeiro romantismo vivido todos os anos com um, demasiado curto, prazo de validade. 

Mas... É agora tempo de Natal!
Os anos, uns a seguir aos outros, todos, ou quase todos, com trezentos e sessenta e cinco dias, são vividos, em função de rotinas obrigatórias, repressoras de excessos ou então na abundância a que o dinheiro permite chegar. Neste mundo globalizado, as desigualdades, que já o eram, são agora mais transparentes tornando mais difícil o alheamento e o desprezo pelo que se passa debaixo do mesmo céu azul, mais claro para uns e muito escuro ou mesmo praticamente negro para outros.


Mas… É agora tempo de Natal! O frenesim espalha-se, como as sementes que o lavrador lança para o solo, espevitando as vontades a um tempo de generosidade e harmonia, que até parece criar dias diferentes, como se os paradigmas da sociedade, num estalar de dedos, se tivessem alterado. Os sem abrigo, habituados aos Natais à volta da habitual fogueira gelada, agradecem agora o velho cobertor que a generosidade natalícia acaba por lhes proporcionar. Pedintes sentem nesta altura melhores compensações pelo apelo repetitivo que vão fazendo a quem passa. Desempregados, precários e escravos do ordenado mínimo, sobejamente habituados ao rigor do pouco, aventuram-se em pequenos, grandes arrojos, que mais tarde lhes sabe a amargo. 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Sonho

Maria Helena Linhares

Éramos um grupo de crianças, saltitante e garrido. Pertencíamos ao antigo ensino primário – da 1ª à 4ª classe.
Rapazes e raparigas, as meninas mais vistosas, mais enfeitadas, algumas com laçarotes na cabeça.
Eles, mais estouvados, empurrando-se uns aos outros, cavaqueando, ou atrás da bola que iam chutando pelo caminho...
Eram tempos felizes... mas para mim não o eram tanto. Dentro de mim havia como que um vazio, um desconforto, por um desejo tão contrariado que me provocava uma tristeza profunda, um desalento imenso!
Íamos andando rumo à escola e ia mirando disfarçadamente algumas colegas, pensando com os meus botões que elas é que tinham razões para serem felizes e rirem às gargalhadas por tudo e por nada.
Ah, se eu fosse uma delas como seria
plenamente feliz!
Mas eu era orgulhosa e não revelava a nenhuma amiga o meu sentir, a razão da minha tristeza.
Ah, se eu fosse uma delas como seria plenamente feliz!
Iria rir tanto, tanto, de boca escancarada, e adeus tristezas: — correria contra o vento, ainda mais
do que ele, andaria às voltas, de mãos ora na cabeça, ora postas nas saias para que elas não esvoaçassem... ai como eu iria ser tão feliz! Mas não, a minha mãe explicava, desdobrava-se em fazer-me compreender o incompreensível, mas qual quê? Quanto mais o fazia, menos eu compreendia. Porque não podia ser como a Celina, a minha vizinha? Seria fácil, tão fácil, eu prometia portar-me muito bem, estudar mais, mais isto mais aquilo...
Não! Não sejas teimosa e cala-te! O assunto morreu aqui! Não há mais conversa!

sábado, 13 de dezembro de 2014

O meu brinquedo

Maria Jorge

Era uma noite de outono e o frio já começava a ameaçar que tinha vindo para ficar. Era urgente ir chamar a ti Quitéria, porque a Emília já tinha começado com as dores de parto. Para ela já não era novidade: a terceira criança queria nascer e não havia tempo a perder. Começaram os preparativos. Uma panela de água ao lume no borralho, as toalhas em cima da cama e as primeiras roupinhas para o bebé. Seria menina ou menino?
Ao fim de algum tempo e com mais ou menos dificuldade nasceu uma menina, um pouco franzina mas de pulmões bem afinados. Como tinha sido previamente combinado, chamar-se-ia Maria em homenagem a uma tia entretanto falecida.
O meu brinquedo
Maria foi crescendo e como qualquer criança gostava de brincar. Mas à medida que os anos vão passando, um brinquedo faz parte integrante da sua vida, nascendo, crescendo e vivendo com ela. Apesar de não poderem estar um sem o outro, gostam muito de pregar partidas e sustos entre si e a vida tem sido um desafio constante, uma luta minuto a minuto.
Por vezes o brinquedo, já cansado, quer desaparecer da vida de Maria, mas ela agarra-o com toda a força, pede ajuda a quem sabe e pode porque a hora da despedida ainda não chegou. Quando se quer muito a um brinquedo só a presença dele é deveras importante e imprescindível. Sabermos que está ali, junto a nós conforta e faz-nos viver. Não é necessário mais nada. 
Porque no dia em que o meu coração deixar de bater, já nada mais me resta.

Nascemos e morremos sós. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado.

Maria Jorge ©2014,Aveiro,Portugal

domingo, 7 de dezembro de 2014

De são e de louco...

Albertina Vaz

Acho que foi na última 5.ª feira. Ia eu, já atrasada, a tentar correr até ao carro, quando me deparo com um homem, meio grisalho, alto, de pasta na mão, fato e gravata a condizer, passos cadenciados e vagarosos, de olhar esgazeado e colérico, gesticulando raivosamente, como se estivesse a falar com alguém que, ali, muito perto, talvez até junto dele, o escutasse.
Olhei para um e outro lado e não vi ninguém. Até olhei para trás, talvez a pensar que teria feito alguma coisa que lhe desagradasse. Mas não. Tudo estava dentro da normalidade. Aquela normalidade a que convencionámos chamar paz.
Esmurrava o inimigo...
E ele continuava, gesticulando, dando pontapés na parede, resmungando palavras ininteligíveis, em passadas largas, cada vez mais possuídas pela raiva que o avassalava, e vociferando, colérico, contra alguém, invisível, que teria provocado algo ou alguma coisa que, quem por ali estava, não entendia. Esmurrava o inimigo que só ele podia ver e ria desmedidamente quando um soco o atirava ao chão.
Ainda tentei entabular conversa mas fui imediatamente dissuadida por uma moradora que, sorrindo, me alertou:
- Não ligue, não está bom da cabeça, passa horas a falar sozinho. Ninguém o entende nem percebe o que ele quer. Dá-lhe para isto, agora.
O meu tempo estava a ficar sem tempo. Eu tinha alguém à minha espera, com quem me comprometera e tive de me desligar daquela representação que decorria ao meu lado. Mas a imagem dolorosa de alguém, que deixei para trás, foi-me acompanhando durante toda a viagem. E dei por mim a perguntar-me:
- O que terá acontecido àquele homem para o colocar naquele estado? O aspecto cuidado, a pasta na mão, as folhas que retirava de dentro da pasta, rasgando-as com violência, eram sinónimos de quê? Os pontapés que atirava descontroladamente contra as paredes, contra as floreiras do parque e até mesmo contra os carros estacionados, demonstravam um mau estar potenciado por quê? O descontrolo em que se encontrava poderiam gerar maior violência ou ela seria apenas uma forma de extravasar uma raiva incontida?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Um grito

Maria Helena Linhares

Não era cedo nem tarde... antevia-se que o sol ainda iria demorar a desaparecer na linha alaranjada e cintilante do horizonte.
Fazia ainda bastante calor, antevendo um novo dia estival, reforçando o sentimento de calmaria, motivado pelo cansaço das correrias e brincadeiras na praia.
- Aí o  meu menino!
De repente um grito, seguido de exclamações aflitivas.
 – Ai o meu menino! Ai que se afoga! – clamava a jovem mulher, tentando em vão agarrar o corpinho minúsculo da criança que se ia afastando das mãos estendidas da mãe, entre os baldões de água e areia.
Mas já outras mãos acorriam e pressurosas entravam na água e corajosa e firmemente agarravam o menino que gritava e estrebuchava buscando a progenitora...
Esta, ajoelhada no meio da água, soluçava agora já agarrada ao filho recuperado.

E o sol continuava a brilhar, e a tarde retomou a calma. Mas no ar perdurou o som daquele grito. O grito que causou espanto. O grito que salvou.

Maria Helena Linhares ©2014,Aveiro,Portugal

domingo, 30 de novembro de 2014

Fazes-me falta, quando não apareces.

Maria José 


Vives num local onde não te faltam vizinhos.
Não sei qual a tua relação com eles, mas deves sentir-te o rei!
És único, o mais brilhante!
Por vezes, teimas em ficar escondido. Envergonhado? Zangado?
E, de repente, lá apareces, espreitando, como que cuscando, por trás dos montes, montanhas, por entre as frestas das janelas, por entre a folhagem das árvores...
Adoras esconder-te e, quando dou conta, já mudaste de cor.
Queria que ficasses ali, para sempre.
Ficas maravilhoso, com esses tons quentes. Será do cansaço duma jornada de trabalho?
Quando te avisto, de manhãzinha, tens um ar pálido. À tardinha, ficas diferente.
O teu semblante é de cortar a respiração!
Quando te vejo assim, fico com a alma iluminada. Queria que ficasses ali, para sempre. Mas não, num instante, desapareces...
Resta a certeza de que amanhã vais voltar. Ou será que um dia vais morrer?
Para mim, vais ser eterno!
Quando não te vejo, fico triste, deprimida, sem vontade de fazer nada.
Sempre que mostras um brilhozinho no olhar, tudo muda.
Então, quando apareces com um semblante mais luminoso, é como se fosses a minha musa inspiradora.
Surgem ideias novas...

Pois é, amigo Sol, se não aparecesses, a minha vida seria bem mais triste!


Maria José ©2014,Aveiro,Portugal

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A minha cidade


Maria Jorge

A minha cidade é linda. Banhada por uma ria extensíssima, tem uma igreja matriz, capelas e capelinhas; tem cemitério, lar da terceira idade e um centro de saúde; tem escolas,
Tem uma igreja matriz
infantários e escolinhas; tem marina para os barcos de recreio e de pesca; tem terrenos pequenos e grandes de cultivo, uns bem cuidados, outros ao abandono; tem supermercados e lojas, muitas lojas do comércio tradicional, umas já fechadas e outras em vias de fechar; tem espaços verdes, que na sua maioria, servem de casa de banho aos animais de estimação; tem empresas que, cada vez mais, empregam menos pessoas; tem avenidas, praças, pracetas e ruas: pequenas, grandes, particulares, com buracos, sem buracos, umas com os dois sentidos e outras com sentido único; tem prédios, casas para ricos e pobres, antigas e modernas: pequenas, grandes e mansões, umas ocupadas, outras a terem vida e movimento de vez em quando e outras ainda livres para um eventual inquilino ou futuro proprietário.
Em qualquer esquina ou quintal, qual grilo de Barcelona, também aqui no silêncio das noites quentes de verão com os seus melodiosos cânticos, os grilos despertam o ouvido do mais distraído, qual trilhar das cordas de uma guitarra de Coimbra nas mãos dum estudante.
Como em qualquer parte do nosso planeta, também na minha cidade cada família, na sua maioria, tem um animal de estimação.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Salvei os Clássicos!

Conceição Cação

Uma onda de calor invade-me o rosto, o coração bate aceleradamente… Sem ressentimento pela minha longa ausência, o Bairro Norton de Matos (o meu Bairro
Bairro Norton de Matos
Marechal Carmona) abre-se-me como um livro de história, de estórias. A dominar a colina, acolhe-nos, prazenteira, a rua de Angola. A emoção em crescendo, caminho ao longo do passeio empedrado. Como num espelho, os raios de sol miram-se na calçada polida; mais além, pedras soltas clamam pela mão que as enquadre no puzzle e faça renascer a estrela que deixaram apagar. Como num índice, vão-se apresentando as ruas principais que, bem alinhadas, terão o seu epílogo na rua de Moçambique, contracapa deste livro de páginas de betão. Entro na rua Vasco da Gama. As mesmas vivendas de outros tempos, bem conservadas, quase todas mantêm a traça inicial. Agrada-me ver que este bairro, resistindo à febre imobiliária, soube preservar o seu património e a qualidade de vida dos seus moradores. Lá está a casa da Maria João, mais além a da Arlete… Onde estarão as minhas colegas do liceu? Os jardins, bem cuidados, lembram-me que ali a vida continua a fluir, aquelas paredes vão acumulando décadas de memórias, enquanto acolhem no seu seio geração após geração. Viro à direita para a rua Bartolomeu Dias… Sim, toda a toponímia evoca os tempos áureos dos descobrimentos, do império, bem ao gosto do Estado Novo.
Chegámos agora a um pequeno jardim – vários bancos de pedra, um retângulo de relva ao centro bordejado de petúnias multicores; dois renques de árvores frondosas
...um pequeno jardim
prontas a oferecer sombra a alguém que, passando, ali queira aliviar o cansaço ou simplesmente deleitar-se com aquele pedacinho de paraíso. Num painel de azulejo, pode ler-se Praça da Índia Portuguesa. Anacronismo e quietude a transportarem-nos para outras eras.
De súbito, duma moradia em obras, dá-se início a um martelar incessante. É melhor afastarmo-nos. Mas inesperadamente algo nos detém – junto dum contentor verde, em cima dum pequeno muro, vários livros, alguns deles dentro dum saco de supermercado. Livros de capa rígida… Vejamos: Contos da Cantuária – sim, o conto do Moleiro, da Freira… Parece-me um sonho! Quantas recordações me despertam! E que mais? Ah! Balzac, Fielding, Galland, Dostoievski, Tolstoi. Olha, estão novos, até parece que nunca foram folheados! Porque terão ido parar ali? 

sábado, 15 de novembro de 2014

SULCOS NA AREIA

Maria Celeste Salgueiro

Era alta, elegante, porte airoso. Quando a vi pela primeira vez meu coração disparou.
Era uma manhã de Verão luminosa e brilhante. À minha frente a praia estendia-se desnudada e as ondas agitavam suas crinas brancas em louca cavalgada, vindo deitar-se aos meus pés cansadas, na areia. As palmeiras balançavam as suas cabeleiras verdes doiradas pelo sol e flores de buganvília, transbordando de cor, vestiam os muros junto da praia e subiam ao encontro do sol. Nuvens brancas, quais flocos de algodão, flutuavam sobre a montanha longínqua onde as árvores quase tocavam o céu. Era uma manhã perfeita numa perfeita praia tropical. Nesse momento sentia-me feliz. Aspirei deliciado o cheiro a maresia e o aroma das flores que o vento trazia até mim.
Palavras para quê?
À minha frente eu via a sua silhueta recortada na luz. Caminhava lentamente, as pernas altas e elegantes em compasso de dança deixando sulcos na areia molhada. Seguia-a de longe sem que ela me visse. Senti despertar em mim a minha veia artística e não queria perder nenhum dos seus movimentos. De repente parou e olhou na minha direcção. Julguei que ia retroceder mas afinal continuou a andar no seu passo ritmado. Nesse momento tudo se diluiu no tempo e no espaço. Nada mais senão ela existia no meu campo de visão. Como um adolescente enamorado continuei a segui-la sem coragem para a abordar. Bastava-me olhá-la para me sentir feliz. Palavras para quê? Não queria chegar mais perto com medo de quebrar o encanto.
De repente, ao longe o céu tornou-se cinzento, incendiou-se numa onda de luz e ouviu-se depois o ribombar de um trovão. Foi o bastante para a assustar. Começou a correr e buscou abrigo numa gruta cavada na rocha. Mas eu não a segui. Retrocedi com medo da tempestade que se aproximava, pisando os sulcos deixados por ela na areia molhada.

Porém, dentro de mim o sol continuava a brilhar e a beleza daquela manhã perfeita continuava intacta, assim como a imagem daquela ave de pernas altas e elegantes: a minha bela Garça.

Maria Celeste Salgueiro ©2014,Aveiro,Portugal

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Quando um homem se põe a pensar!

José Luís Vaz 

Uma das minhas rotinas diárias é dar o comer aos meus dois cães.
Um deles, está, para além de, velho, cego, surdo e, praticamente, mudo, dado que antigamente ladrava, por tudo e por nada, e agora quase não o ouço.
O meu cão está velho
Que aconteceria, que dia a dia teria este animal, se ao menos não tivesse um teto? Como ele, outros animais e pessoas sem teto, cada um à sua maneira, persistem em dar luta à solitária vida em que se transformou a sua existência. Uns e outros vadiam pelas ruas, aproveitam aquilo que os outros já não querem, e às vezes, deliciam-se com acepipes inesperados em dias de sorte. Percebem no rosto e no mexer dos lábios de muita gente a palavra “coitadinho”.
Não gostam mas como já nada têm a perder, põem uma boina no chão onde poderão cair uns centimosinhos, quase sempre pretos, lá depositados com toda a mestria de quem quer que se perceba o tilintar das moedas. Alguns têm como companhia um animal, muitas vezes um cão, um daqueles, que escapou à recolha sanitária, de animais abandonados efectuado pelas zelosas autarquias, que os armazenam em canis, que, normalmente, como as vítimas dos nazis acabam padecentes do “destino fatal”.
As pessoas abandonadas à sua sorte, sem que o estado em que vivem as proteja contra a falta dos mínimos necessários à existência de uma vida digna, passam a ser pesos incómodos à sociedade. De imediato, catalogados como escória de uma sociedade que dia após dia ganha mais adeptos para a repudiável inevitabilidade do fim de um Estado Social…

O meu Kiko, o meu cão, está velhinho, afasta-se quando sente que me aproximo — não me vê… —  quando o agarro e lhe faço umas festas, acalma e retribui-me com uma saudável lambedela. 


José Luís Vaz ©2014,Aveiro,Portugal

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A Roda Gigante

Albertina Vaz


Finalmente um dia de sol. Já quase me não lembrava de como é bom um dia de sol: o cheiro da terra húmida a soltar-se e a crescer enovelando-se no espaço; o ar quente a acariciar a pele e a saber bem; as flores, numa profusão de mil cores, a erguerem-se altivas procurando um raio de sol só para si; as aves a saírem das árvores numa dança de sedução procurando o companheiro especial; os animais saindo das tocas em busca do comer que tem escasseado durante o longo e penoso inverno.
E com o sol veio também aquele espreguiçar bom que aquece a mente e convida a
Um dia de sol
novidades: uma caminhada das que nos fazem sentir o chão que pisamos ou um dia longe da actividade soturna e diária. Afastei-me da melancolia sempre presente quando o inverno se prolonga e se instala: afinal hoje está um dia de sol.
Fui dar uma volta à feira. De manhã, quando o bulício é ainda pequeno e só os gonzos da roda gigante tomam conta do ambiente. Aqui e ali uma criança de olhos desmedidos e boca aberta saltita por entre os carrocéis que se erguem frente à praça. Percorri sem pressas o espaço onde os chamados divertimentos se alinham lado a lado numa zona pré-determinada e definida. Uma profusão de cores, de campainhas, de sons mais ou menos agudos, de música difundida a metro ou em rodas redondas. E de apitos – muitos apitos que, sem eles, nem a feira é feira.
Em passo cadenciado, dei por mim a pensar que a roda gigante é redonda e gira à volta
A roda gigante é redonda...
de si mesma regressando sempre ao ponto de partida. Se assim não fosse como sairiam os que entram e como entrariam os que estão de fora? E o carrossel dos animais, mesmo em ondas que sobem e descem, não é ele redondo também? Não anda à volta dum centro que começa a rodar quando o movimento se desencadeia? Até o carrossel dos barquinhos, onde só as crianças podem andar, gira à volta de um eixo movimentando atrás de si a água que essa mesma volteia em círculos concêntricos. E o labirinto ou a lagarta gigante não fazem anéis redondos regressando sempre ao ponto de partida que no fundo não deixa de ser o ponto de chegada? E até as diversões mais recentes que giram a uma velocidade vertiginosa o fazem rodando sobre si mesmas numa argola imensa e redonda que volta sempre ao mesmo lugar.
O sol continuava lá a fazer-se sentir como se ele também tivesse regressado dum outro lugar, por debaixo dos meus pés. E dei por mim a pensar que eu própria sou uma roda gigante que rodo numa terra que também, ela própria, gira sobre si mesma. E é nesta roda gigante que vou circulando ao redor da terra sabendo que a cada porta que abro descubro uma nova etapa que estou a percorrer.

domingo, 19 de outubro de 2014

As portas da vida

Fernanda Reigota

Tentava perceber o que se estava a passar. O leito paradisíaco que desde sempre conhecera, transformava-se. O amortecedor de líquido em que costumava saltitar nas horas de atividade esvaziara-se, mas a temperatura, a maciez e a sensação de satisfação continuavam. Apenas o aconchego ficara um pouco mais aconchegado. Pouco a pouco começou a sentir-se verdadeiramente apertado, sendo mesmo expulso do seu leito primordial.
Olhou para aquela porta que tinha sido obrigado a transpor, mas depressa novas
...a porta que tinha sido obrigado a transpor...
sensações prenderam a sua atenção: gritou e assustou-se com o seu próprio grito, respirou e espantou-se com aquele vento ligeiro que ia lá dentro refrescá-lo e depois saía quentinho, abriu os olhos e, por causa daquela luz forte, fechou-os imediatamente, quis sentir o seu corpo e a pele não era a mesma. Uma voz conhecida falava em roupinha. Era melhor descansar, dormir, logo compreenderia o que lhe tinha acontecido.
Tal como aquela criança, naquela maternidade já tinham nascido muitas outras naquele dia. Todas tinham passado por sensações idênticas, todas haviam transposto a porta da vida. Branca, com algumas marcas genéticas, esta porta fora a primeira de muitas outras que pautam todas as vidas.
À volta daquela criança projetava-se e movimentava-se em espiral um feixe de luz em contínuo movimento circulatório: este rasto de luz ia construindo a estrada do seu tempo e o tempo da sua estrada. Inexoravelmente a criança acompanhava esse traçado desde a porta de entrada para a vida.
Aquele feixe de luz encobria muito mais do que aquilo que mostrava. Se olhava para a esquerda perdia, para sempre, a oportunidade de conhecer o que o tempo tinha acabado de levar. Neste espaço de tudo e de nada, a criança não podia falhar a escolha ou a recusa da próxima porta que cruzasse o seu caminho. Recusou a porta da ignorância e
...a porta da curiosidade...
rapidamente teve de decidir: é que, mesmo pegada a ela, vinha a porta da curiosidade. Atravessou-a e, já do lado de dentro, reparou que estava decorada com as conquistas mais significativas que tinham nascido do sonho humano. Intuiu a importância do sonho e do conhecimento para a vivência da estrada do Tempo e do tempo da estrada, enquanto observava as sugestivas pinturas de belos monumentos, sinfonias reveladoras do som cósmico, teatro, dança, globalização, aventura, magia científica, tecnologia, velocidade... Então, sentiu-se a saborear o cheiro inebriante da felicidade possível. Foi assim que enxergou uma mancha que servia de base a toda aquela maravilha: era uma amálgama de poluição que arrastava a vida do planeta Terra para a não sustentabilidade.
Tinha companheiros, mas a maior parte do tempo a viagem era feita em silêncio, embora todos fossem falando, maravilhando-se com as suas próprias palavras. Apesar disso, conseguiu sintonizar-se com algumas outras crianças para brincarem. E um arco-íris de sonho e descobertas desenhava-se sobre as suas estradas.
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