José Luís Vaz
Uma das minhas rotinas diárias é dar o comer aos meus dois cães.
Um deles, está, para além
de, velho, cego, surdo e, praticamente, mudo, dado que antigamente ladrava, por
tudo e por nada, e agora quase não o ouço.
O meu cão está velho |
Que aconteceria, que dia a
dia teria este animal, se ao menos não tivesse um teto? Como ele, outros
animais e pessoas sem teto, cada um à sua maneira, persistem em dar luta à
solitária vida em que se transformou a sua existência. Uns e outros vadiam pelas
ruas, aproveitam aquilo que os outros já não querem, e às vezes, deliciam-se
com acepipes inesperados em dias de sorte. Percebem no rosto e no mexer dos
lábios de muita gente a palavra “coitadinho”.
Não gostam mas como já nada têm
a perder, põem uma boina no chão onde poderão cair uns centimosinhos, quase
sempre pretos, lá depositados com toda a mestria de quem quer que se perceba o
tilintar das moedas. Alguns têm como companhia um animal, muitas vezes um cão,
um daqueles, que escapou à recolha sanitária, de animais abandonados efectuado pelas
zelosas autarquias, que os armazenam em canis, que, normalmente, como as
vítimas dos nazis acabam padecentes do “destino fatal”.
As pessoas abandonadas à sua
sorte, sem que o estado em que vivem as proteja contra a falta dos mínimos
necessários à existência de uma vida digna, passam a ser pesos incómodos à
sociedade. De imediato, catalogados como escória de uma sociedade que dia após
dia ganha mais adeptos para a repudiável inevitabilidade do fim de um Estado
Social…
O meu Kiko, o meu cão, está
velhinho, afasta-se quando sente que me aproximo — não me vê… — quando o agarro e lhe faço umas festas,
acalma e retribui-me com uma saudável lambedela.
José Luís Vaz
©2014,Aveiro,Portugal
Às vezes é mesmo necessário pôr "um homem a pensar". Sobretudo quando à nossa volta, se entrecruzam pessoas e animais que vivem situações em tudo idênticas. O Kiko felizmente tem quem cuide dele: quantas pessoas vivem situações de abandono sem que ninguém se importe com isso? Gosto deste teu trabalho mas gosto sobretudo da sensibilidade com que o fizeste.
ResponderEliminarO Kiko teve a sorte de encontrar uns donos sensíveis e amigos dos animais. E agora com o peso dos anos e já cego o que fazer com ele? Continua a ser o mesmo Kiko, exatamente como nós, envelhecendo e perdendo faculdades, mas, sobretudo, com um teto e uma mão amiga para cuidar dele.
ResponderEliminarTão diferentes e tão iguais…
Bela homenagem ao teu Kiko.
Obrigada Zé Luis
Somos uma sociedade muito organizada: homens e cães abandonados à sua desgraça têm o aconchego da RUA; crianças órfãs e abandonadas têm o aconchego de depósitos de crianças...E nós todos dormimos muito felizes...
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