Graciete Manangão
O Manel era um jovem e
dinâmico agricultor. Lavrava e cultivava quase todas as terras disponíveis, na
sua aldeia, quer fossem suas ou não. Tinha investido em modernas máquinas
agrícolas. Era muito requisitado para fazer todo o tipo de trabalhos de lavoura
por quem o não podia fazer. Além disso, tinha uma ordenha mecânica que lhe dava
um
rendimento mensal razoável. Constava-se até que recebia subsídios do Estado
para manter toda a sua actividade agrícola. Era o que se poderia dizer um
“empresário agrícola”.
um "empresário agrícola" |
Estava casado, desde os 22
anos, com Bina, uma bonita e vivaça feirante. Sempre bem disposta e incansável,
“fazia” mensalmente, durante todo o ano, fizesse chuva, sol ou vento, as feiras
dos 7, dos 10, dos 12, dos 13, dos 21, dos 28, dos 29 e dos 30. Levantava-se de
madrugada, em dias de feira, para preparar a carrinha fechada com todo o
arsenal da tenda, incluindo os sacos de plástico enormes, carregados de
mercadorias diversas.
Com toda esta azáfama
diária, e porque ainda estavam no princípio da luta pela vida, Bina e o Manel
resolveram adiar a chegada de um filho.
Sobrava muito pouco tempo
para distrações ou passeios. Bina, aos domingos à tarde, desde que não fosse
dia de feira, gostava de ir ver o mar, fazer algumas compras para casa e
lanchar na pastelaria da dona Mariazinha.
O Manel, sempre que podia,
ia ao “Café do Zé” beber uma cerveja ou um café e bagaço, com os seus amigos ou
vizinhos. Às vezes, também jogava às cartas.
Num dia frio e chuvoso, alguém
comentou, no café, que na semana passada tinha saído o
primeiro prémio do
“Euromilhões”, em França, a um primo afastado do João. E que o felizardo tinha
distribuído parte desses milhões aos familiares e amigos mais carenciados. Em
troca de nada.
O "Euromilhões" |
Muitos não acreditaram nessa
história. Mas o Manel, ficou a matutar naquilo e pensou que, se fosse ele,
faria o mesmo. Se tivesse a sorte de ganhar no “Euromillhões”, seria bom para
ele, para a mulher e para a restante família que vivia com algumas dificuldades.
Na semana seguinte, sem
dizer nada à mulher, resolveu jogar forte.
E, por incrível que pareça,
a sorte bateu-lhe à porta. Tinha ganho 39 milhões de euros!
Nem queria acreditar. Teria
sonhado, tal a força do desejo de ser multimilionário? Os números estavam mesmo
certos? Sim, conferiam, era mesmo verdade!
Entrou num frenesim secreto.
Não conseguia dormir tranquilo, tinha pesadelos ou insónias.
Que fazer, de repente, com
tanto dinheiro? Deveria, calar a sua excitação? Deveria contar de imediato à
sua Bina? Ela seria capaz de deixar as feiras de vez? E os pobres da terra, não
o largariam mais…
O pacato empresário
agrícola, passada a euforia inicial, chegou até a sofrer alguns momentos de
angústia e medo, por esta eminente reviravolta na sua vida. Deveria deixar a
sua vida ao ar livre? Seria conveniente continuar com a ordenha? E se fosse
assaltado, por alguém que pensasse que ele teria muito dinheiro e ouro,
escondidos, em casa? É que nos pequenos meios rurais, onde todos se conhecem,
mais cedo ou mais tarde tudo se vem a descobrir…
Todo o povo estranharia, que
ele sem mais nem menos, deixasse os tratores e a mulher não voltasse a fazer as
feiras.
...fazer um bairro para quem precisasse de casa... |
Pensou, na calada da noite,
que o melhor seria contar à mulher, e convencê-la a sair do país, logo que fosse
possível. Mas, antes disso, depositaria parte dos milhões em dois bancos da
cidade mais próxima e depois compraria todas as terras que ele cultivava mas
que ainda não lhe pertenciam. Depois, encarregaria o Júlio, o mestre de obras,
seu vizinho, de fazer um bairro, para quem precisasse de casa, pagando uma
renda simbólica de 10 euros por mês. E o Júlio passaria a ser o administrador
desse bairro.
Assim pensou e assim fez.
Depois de algumas discussões
com a mulher, a altas horas da noite, decidiram efetivamente mandar fazer o tal
bairro e comprar um moderno prédio acabado de construir, na cidade.
Passados alguns meses, o
casal conseguiu emigrar para o Canadá, onde o Manel tinha alguns familiares. Não
para ir à procura de trabalho, mas para investir mais algum dinheiro numa rede
de lojas alimentares. Num país mais evoluído e com melhores condições de vida
para todos.
Mas não deixaria de vir
passar todos os Natais ao seu torrão natal, com a família mais chegada!
Graciete Manangão ©2015,Aveiro,Portugal
Uma história dos nossos tempos. Pena é que este Manuel Sortudo seja um ilustre desconhecido que quase só existe no nosso imaginário.
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