Maria Cacilda Marado
Já
não é muito nova, quarenta e um anos ninguém lhos tira, mas mantém-se de pé e
com firmeza sempre que a requisitam para cumprir a sua missão. Tenho visto
companheiras suas mais jovens desengonçarem-se todas ao mais pequeno desajeitar
das mãos de quem as usa. Realmente, o utensílio de que vos estou a falar tem
uma história notável. Com apenas seis anos de idade, transpôs o oceano
Atlântico com garbo e valentia.
Arrumadinha num contentor, nunca deu sinal de
si até que, quase um mês depois, a pus novamente ao serviço da família. Sim,
ela esteve em terras de África, onde, durante dois anos e meio, desempenhou bem
a missão para que foi criada. E permitiu muitas descargas de adrenalina
enquanto se deixava usar para o fim a que se destina. Foi utilizada por mim e
por outros sempre que era necessário mimar quem se queria alindar. Uma vez,
deu-me cabo de um pé quando fui desajeitada ao pô-la sobre as suas duas firmes
sustentações. No entanto, eu tenho por ela uma estima tão grande que, dois anos
e meio depois de ela ter ido para Angola comigo, quando regressei, não quis deixá-la
numa terra de desassossego, no pós-25 de Abril, época bem conturbada pelos
movimentos de independência.
Uma vez deu-me cabo de um pé... |
E
lá a trouxe de novo, no fundo de um outro contentor que mais tarde se
transformou numa bela estante. Mas, voltando ao meu utensílio de estimação, hoje,
tanto tempo já passado, ainda me alivia as tensões quando corro em cima dela
com o meu bólide de corridas, quando aprimoro os tecidos, quando liberto as
tensões, quando faço conjecturas e elaboro projectos. Para a guardar, escolho
sempre um cantinho para não me perturbar as correrias de última hora. Mas não
sou só eu que lhe quero bem; a minha filha tem por ela uma estima especial,
pois liberta-a de algumas tarefas que teria de fazer na casa dela.
Maria Cacilda Marado ©2015,Aveiro,Portugal
Fazer de um utensílio de aprimorar tecidos uma personagem tão misteriosa e viajada é cativante.
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