segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Sonho

Maria Helena Linhares

Éramos um grupo de crianças, saltitante e garrido. Pertencíamos ao antigo ensino primário – da 1ª à 4ª classe.
Rapazes e raparigas, as meninas mais vistosas, mais enfeitadas, algumas com laçarotes na cabeça.
Eles, mais estouvados, empurrando-se uns aos outros, cavaqueando, ou atrás da bola que iam chutando pelo caminho...
Eram tempos felizes... mas para mim não o eram tanto. Dentro de mim havia como que um vazio, um desconforto, por um desejo tão contrariado que me provocava uma tristeza profunda, um desalento imenso!
Íamos andando rumo à escola e ia mirando disfarçadamente algumas colegas, pensando com os meus botões que elas é que tinham razões para serem felizes e rirem às gargalhadas por tudo e por nada.
Ah, se eu fosse uma delas como seria
plenamente feliz!
Mas eu era orgulhosa e não revelava a nenhuma amiga o meu sentir, a razão da minha tristeza.
Ah, se eu fosse uma delas como seria plenamente feliz!
Iria rir tanto, tanto, de boca escancarada, e adeus tristezas: — correria contra o vento, ainda mais
do que ele, andaria às voltas, de mãos ora na cabeça, ora postas nas saias para que elas não esvoaçassem... ai como eu iria ser tão feliz! Mas não, a minha mãe explicava, desdobrava-se em fazer-me compreender o incompreensível, mas qual quê? Quanto mais o fazia, menos eu compreendia. Porque não podia ser como a Celina, a minha vizinha? Seria fácil, tão fácil, eu prometia portar-me muito bem, estudar mais, mais isto mais aquilo...
Não! Não sejas teimosa e cala-te! O assunto morreu aqui! Não há mais conversa!

E o tempo decorreu... Já adolescente o meu sonho adormecido parecia por vezes animar-se e renascer com mais força, mais energia, mais mania – respondiam às interpelações que continuamente fazia.
Só me restava sonhar, pois era no sonho que eu realizava o que tanto queria.
E como era bom sonhar! Sonhar, esquecer o velho sonho irrealizado. Mas qual quê, não era possível, pois logo numa rua deparava com alguém ostentando o que eu tanto almejava. E como eram belas! Loiras, ruivas, morenas, deparava com elas e logo o meu tormento retornava com força!
Agora, agora já sou adulta, e consegui exorcizar todos os meus demónios, e já perdoei porque compreendi finalmente as dificuldades na realização dos meus desejos, do meu sonho!
E agora é tarde, muito tarde para poder ostentar um par de tranças no alto da cabeça!




Maria Helena Linhares ©2014,Aveiro,Portugal

1 comentário:

  1. Este sonho não é necessariamente passado, Helena! Porque não experimentar agora? Quem sabe não virava moda?
    Gostei muito da forma como desenvolveu o tema  prendeu-me do principio ao fim.

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