quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Moinho

Esmeralda Dinis Assunção 


Fim de tarde. Uma pausa para uns minutos de leitura. Na capa da revista que tenho nas mãos há um moinho, em primeiro plano. Logo me veio à memória um outro moinho que conheci na infância, beirão de gema, bem perto da casa da avó Rita.
No alto do pequeno monte, sozinho, o moinho era um rei. À sua volta havia verde até perder de vista. De braços sempre abertos ao vento, corpo robusto, dominava todo o espaço que o cercava e, como um verdadeiro senhor, parecia ser ao mesmo tempo o protector daquelas terras. O caminho para chegar até ele não era fácil porque era íngreme e tinha muitas pedras.
O moinho ainda lá está no cimo do morro
O moleiro montado no seu burrico, o Moisés, lá ia sempre morro acima, levar-lhe o grão, em jeito de homenagem. Quando descia, já com os sacos cheios de farinha, vinha a assobiar de contente. É que aquele rei não tinha coroa mas tinha dentro de si o poder enorme de lhe dar o sustento, o ganha-pão. Aquele moinho representava para o moleiro a própria sobrevivência.
O moinho ainda lá está no cimo do morro. Dos braços abertos restam os paus que seguravam as velas. A porta e a janela são apenas uns buracos. Do corpo robusto do rei antigo restam as pedras resistentes. Agora já não tem poder, nem sequer é o sustento de alguém mas ele lá está como símbolo duma tradição perdida.
O moinho que tenho à minha frente, na capa da revista, tem uma bandeira portuguesa no topo e barras azuis na janela e na porta. As velas estão inteiras e bem esticadas. Está tudo conservado e, segundo a legenda, é habitação de alguém, para deleite de férias. Não se fala da localização mas o azul das barras lembra-nos um monte alentejano.
D. Quixote deu esporas ao Rocinante e investiu contra os moinhos de vento com a sua lança em riste. Este herói sonhador, de tantas aventuras, viu nos moinhos gigantes de braços enormes, o inimigo que era preciso eliminar. O moleiro via no moinho o ganha-pão, a sua vida. O habitante deste moinho restaurado viu nele apenas uma casa sem cantos. Pontos de vista bem diferentes que nos fazem pensar que um moinho não é só parte da paisagem.



Esmeralda Dinis Assunção ©2015,Aveiro,Portugal

2 comentários:

  1. Uma imagem de uma capa de revista que se transcendeu pelo olhar de quem gosta de ver para lá do real fotográfico.

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  2. Uma imagem, um objeto e vários simbolismos conduziram-me por um percurso onde foi fácil descobrir o que de simbólico pode conter uma representação.

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