José Luís Vaz
O
verão de S. Martinho já lá vai e os dias vão diminuindo, dia após dia, criando
espaço às frias e longas noites de inverno. Quase de seguida, o Dia
Internacional da Generosidade, fazendo pairar no ar um tempo que faz adivinhar
a proximidade de época natalícia.
Uns
começam a idealizar, outros a programar, outros fazendo cálculos e mais
cálculos
para melhor gerirem os seus pecúlios e, como sempre, tantos a vê-los
passar… Um tempo de exuberância para uns, de desamparo para outros, mas,
fundamentalmente, de uma verdadeira euforia à volta do consumo. O mundo inteiro
entrega-se às tradições natalícias e sob esse auspício, em cada latitude,
vive-se um tempo repleto de slogans, sempre recheados de paz, muita paz, fraternidade,
caridade para uns, solidariedade para outros, Menino Jesus, Pai Natal, amizade,
amor… Um verdadeiro romantismo vivido todos os anos com um, demasiado curto,
prazo de validade.
Um tempo de exuberância para uns.... |
Mas... É agora tempo de Natal! |
Os
anos, uns a seguir aos outros, todos, ou quase todos, com trezentos e sessenta
e cinco dias, são vividos, em função de rotinas obrigatórias, repressoras de
excessos ou então na abundância a que o dinheiro permite chegar. Neste mundo
globalizado, as desigualdades, que já o eram, são agora mais transparentes
tornando mais difícil o alheamento e o desprezo pelo que se passa debaixo do
mesmo céu azul, mais claro para uns e muito escuro ou mesmo praticamente negro
para outros.
Mas…
É agora tempo de Natal! O frenesim espalha-se, como as sementes que o lavrador
lança para o solo, espevitando as vontades a um tempo de generosidade e
harmonia, que até parece criar dias diferentes, como se os paradigmas da
sociedade, num estalar de dedos, se tivessem alterado. Os sem abrigo,
habituados aos Natais à volta da habitual fogueira gelada, agradecem agora o
velho cobertor que a generosidade natalícia acaba por lhes proporcionar. Pedintes
sentem nesta altura melhores compensações pelo apelo repetitivo que vão fazendo
a quem passa. Desempregados, precários e escravos do ordenado mínimo, sobejamente
habituados ao rigor do pouco, aventuram-se em pequenos, grandes arrojos, que
mais tarde lhes sabe a amargo.
Toda
a humanidade se move com uma surpreendente leveza impulsionada por asas
angelicais sob lâmpadas reluzentes que iluminam os caminhos do bem. É um
percurso agradável, fácil de percorrer, em que os obstáculos não existem ou se
existiram, pura e simplesmente desapareceram.
E
neste universo, de tantos pensares, são muitos, muitos milhares os que se
digladiam
todos os dias, matando-se, uns aos outros, em nome de causas, que
quase sempre, não são as deles, ao serviço de poderosos e nefastos interesses
que na guerra e da guerra se servem para multiplicarem as suas obscenas
fortunas. Os “senhores” do mundo do poder ditam regras, em nome de bons costumes,
fazem o discurso da concórdia, da paz e demagogicamente ousam falar do espírito
natalício que eles próprios deturpam em proveito próprio.
Os "senhores" do mundo do poder ditam regras... |
A
memória colectiva alienada pela espiritualidade sazonal, ao som das
tradicionais canções da época natalícia, nem se lembra do ser humano que a cada
três segundos e meio morre, só pelo simples facto de ter fome, e que, de cinco
em cinco, é a vez de uma criança, abandonar o mundo que sadicamente a recebeu
sem prendas no sapatinho.
... uma sociedade doente que deixou de se comprometer com valores... |
A paralisia
da comunidade internacional face ao fim da discriminação da diferença, e à
prepotência com que são impostos “modelos”, quer a cidadãos, quer a grupos ou
mesmo países, retrata uma sociedade doente que deixou de se comprometer com
valores mas, por outro lado, se acoita em épocas natalícias absolutamente
subvertidas.
Daniel, quando menino de dez anitos, despejou toda a sua ingenuidade nesta composição sobre a época natalícia:
“Se eu fosse o Pai
Natal, daria tudo por tudo, para que as crianças tivessem presentes. Nem que
fosse só um cartãozinho, que muitas vezes vale mais que muitas coisas caras e
sem interesse!
Se eu fosse o Pai
Natal, fazia com que as crianças e os adultos não andassem nas
ruas,
desamparados, a pedir esmolas, aos cantos das cidades ou vilas. Fazia com que
elas tivessem um conforto, um sorriso profundo numa poltrona suave que lhes
oferecesse comodidade… Ai, se eu fosse o Pai Natal!... Acabaria com a guerra,
com tudo o que há de mal neste mundo cruel!!
Se eu fosse o Pai Natal mudaria o mundo, o Planeta inteiro! |
Mas se eu fosse mesmo
o Pai Natal mudaria o mundo, o Planeta inteiro! A todos dava um sorriso, um
sorriso de alegria que afugentasse a tristeza.
Mas se eu fosse mesmo,
mesmo o Pai do Mundo! … Na noite de 24 de Dezembro distribuía a paz e a ternura
pelas famílias do mundo. Eu faria com que os que andam na guerra tivessem uma
vida melhor e mais amorosa!
O Natal devia ser para
juntar os países que estão em guerra, para tornar o MUNDO FELIZ!!!”
Quando chegará o tempo de ouvir as crianças?!...
José Luís Vaz ©2014,Aveiro,Portugal
Pois...
ResponderEliminarElas "dizem" com tal profundidade e acutilância que preferimos ser surdos!
"Mas é agora tempo de natal" - como se fosse necessário o tempo ter um nome. Se ouvíssemos sempre as crianças tudo seria bem mais simples, mais certo e mais seguro. Bastava que ouvíssemos a criança que continua dentro de cada um de nós para que o mundo voltasse a ser apenas uma bola de brincar. Este texto tem o mérito de nos obrigar a olhar para dentro e escutar o que não queremos ouvir.
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