sábado, 27 de dezembro de 2014

Quando chegará o tempo de ouvir as crianças?!

José Luís Vaz

O verão de S. Martinho já lá vai e os dias vão diminuindo, dia após dia, criando espaço às frias e longas noites de inverno. Quase de seguida, o Dia Internacional da Generosidade, fazendo pairar no ar um tempo que faz adivinhar a proximidade de época natalícia. 

Uns começam a idealizar, outros a programar, outros fazendo cálculos e mais cálculos
Um tempo de exuberância para uns....
para melhor gerirem os seus pecúlios e, como sempre, tantos a vê-los passar… Um tempo de exuberância para uns, de desamparo para outros, mas, fundamentalmente, de uma verdadeira euforia à volta do consumo. O mundo inteiro entrega-se às tradições natalícias e sob esse auspício, em cada latitude, vive-se um tempo repleto de slogans, sempre recheados de paz, muita paz, fraternidade, caridade para uns, solidariedade para outros, Menino Jesus, Pai Natal, amizade, amor… Um verdadeiro romantismo vivido todos os anos com um, demasiado curto, prazo de validade. 

Mas... É agora tempo de Natal!
Os anos, uns a seguir aos outros, todos, ou quase todos, com trezentos e sessenta e cinco dias, são vividos, em função de rotinas obrigatórias, repressoras de excessos ou então na abundância a que o dinheiro permite chegar. Neste mundo globalizado, as desigualdades, que já o eram, são agora mais transparentes tornando mais difícil o alheamento e o desprezo pelo que se passa debaixo do mesmo céu azul, mais claro para uns e muito escuro ou mesmo praticamente negro para outros.


Mas… É agora tempo de Natal! O frenesim espalha-se, como as sementes que o lavrador lança para o solo, espevitando as vontades a um tempo de generosidade e harmonia, que até parece criar dias diferentes, como se os paradigmas da sociedade, num estalar de dedos, se tivessem alterado. Os sem abrigo, habituados aos Natais à volta da habitual fogueira gelada, agradecem agora o velho cobertor que a generosidade natalícia acaba por lhes proporcionar. Pedintes sentem nesta altura melhores compensações pelo apelo repetitivo que vão fazendo a quem passa. Desempregados, precários e escravos do ordenado mínimo, sobejamente habituados ao rigor do pouco, aventuram-se em pequenos, grandes arrojos, que mais tarde lhes sabe a amargo. 
Toda a humanidade se move com uma surpreendente leveza impulsionada por asas angelicais sob lâmpadas reluzentes que iluminam os caminhos do bem. É um percurso agradável, fácil de percorrer, em que os obstáculos não existem ou se existiram, pura e simplesmente desapareceram.

E neste universo, de tantos pensares, são muitos, muitos milhares os que se digladiam
Os "senhores" do mundo do poder
ditam regras..
.
todos os dias, matando-se, uns aos outros, em nome de causas, que quase sempre, não são as deles, ao serviço de poderosos e nefastos interesses que na guerra e da guerra se servem para multiplicarem as suas obscenas fortunas. Os “senhores” do mundo do poder ditam regras, em nome de bons costumes, fazem o discurso da concórdia, da paz e demagogicamente ousam falar do espírito natalício que eles próprios deturpam em proveito próprio.

A memória colectiva alienada pela espiritualidade sazonal, ao som das tradicionais canções da época natalícia, nem se lembra do ser humano que a cada três segundos e meio morre, só pelo simples facto de ter fome, e que, de cinco em cinco, é a vez de uma criança, abandonar o mundo que sadicamente a recebeu sem prendas no sapatinho.

... uma sociedade doente que deixou de
se comprometer com valores...
A paralisia da comunidade internacional face ao fim da discriminação da diferença, e à prepotência com que são impostos “modelos”, quer a cidadãos, quer a grupos ou mesmo países, retrata uma sociedade doente que deixou de se comprometer com valores mas, por outro lado, se acoita em épocas natalícias absolutamente subvertidas.


Daniel, quando menino de dez anitos, despejou toda a sua ingenuidade nesta composição sobre a época natalícia:
Se eu fosse o Pai Natal, daria tudo por tudo, para que as crianças tivessem presentes. Nem que fosse só um cartãozinho, que muitas vezes vale mais que muitas coisas caras e sem interesse!
Se eu fosse o Pai Natal, fazia com que as crianças e os adultos não andassem nas
Se eu fosse o Pai Natal mudaria o mundo,
o Planeta inteiro!
ruas, desamparados, a pedir esmolas, aos cantos das cidades ou vilas. Fazia com que elas tivessem um conforto, um sorriso profundo numa poltrona suave que lhes oferecesse comodidade… Ai, se eu fosse o Pai Natal!... Acabaria com a guerra, com tudo o que há de mal neste mundo cruel!!
Mas se eu fosse mesmo o Pai Natal mudaria o mundo, o Planeta inteiro! A todos dava um sorriso, um sorriso de alegria que afugentasse a tristeza.
Mas se eu fosse mesmo, mesmo o Pai do Mundo! … Na noite de 24 de Dezembro distribuía a paz e a ternura pelas famílias do mundo. Eu faria com que os que andam na guerra tivessem uma vida melhor e mais amorosa!
O Natal devia ser para juntar os países que estão em guerra, para tornar o MUNDO FELIZ!!!”


Quando chegará o tempo de ouvir as crianças?!...
José Luís Vaz ©2014,Aveiro,Portugal

2 comentários:

  1. Pois...
    Elas "dizem" com tal profundidade e acutilância que preferimos ser surdos!

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  2. "Mas é agora tempo de natal" - como se fosse necessário o tempo ter um nome. Se ouvíssemos sempre as crianças tudo seria bem mais simples, mais certo e mais seguro. Bastava que ouvíssemos a criança que continua dentro de cada um de nós para que o mundo voltasse a ser apenas uma bola de brincar. Este texto tem o mérito de nos obrigar a olhar para dentro e escutar o que não queremos ouvir.

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