sábado, 13 de dezembro de 2014

O meu brinquedo

Maria Jorge

Era uma noite de outono e o frio já começava a ameaçar que tinha vindo para ficar. Era urgente ir chamar a ti Quitéria, porque a Emília já tinha começado com as dores de parto. Para ela já não era novidade: a terceira criança queria nascer e não havia tempo a perder. Começaram os preparativos. Uma panela de água ao lume no borralho, as toalhas em cima da cama e as primeiras roupinhas para o bebé. Seria menina ou menino?
Ao fim de algum tempo e com mais ou menos dificuldade nasceu uma menina, um pouco franzina mas de pulmões bem afinados. Como tinha sido previamente combinado, chamar-se-ia Maria em homenagem a uma tia entretanto falecida.
O meu brinquedo
Maria foi crescendo e como qualquer criança gostava de brincar. Mas à medida que os anos vão passando, um brinquedo faz parte integrante da sua vida, nascendo, crescendo e vivendo com ela. Apesar de não poderem estar um sem o outro, gostam muito de pregar partidas e sustos entre si e a vida tem sido um desafio constante, uma luta minuto a minuto.
Por vezes o brinquedo, já cansado, quer desaparecer da vida de Maria, mas ela agarra-o com toda a força, pede ajuda a quem sabe e pode porque a hora da despedida ainda não chegou. Quando se quer muito a um brinquedo só a presença dele é deveras importante e imprescindível. Sabermos que está ali, junto a nós conforta e faz-nos viver. Não é necessário mais nada. 
Porque no dia em que o meu coração deixar de bater, já nada mais me resta.

Nascemos e morremos sós. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado.

Maria Jorge ©2014,Aveiro,Portugal

2 comentários:

  1. Um brinquedo que, além de ser um carinho, é uma presença constante na vida de uma pessoa com um coração enorme e muita ternura para distribuir. Lindo, Maria.

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  2. "Nascemos e morremos sós. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado." Palavras sábias. Precisamos de saber que o outro está do lado de lá do muro que não queremos derrubar. Ou só queremos derrubar para termos o que idealizámos e não o que se nos deparar.

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