domingo, 15 de dezembro de 2013

Não se passa nada!

Com este trabalho interrompemos o Ciclo denominadoViolência sobre o ser humano” que temos vindo a desenvolver: a participação de muitos colaboradores e a importância que lhe queremos dar leva-nos a voltar ao mesmo no inicio do próximo ano.

E porque é Natal gostaríamos de desafiar as crianças e os seus pais a participar no EVOLUIR e a enviar-nos os seus trabalhos para podermos festejar a partilha, a dádiva, os sentimentos que sempre nos visitam e a família que queremos presente.

Pairava no ar algo estranho, havia um não sentir nada, mas um palpitar não sabia o quê, uma inquietação do improvável, um estar lá longe de tudo e de todos. O coração intranquilo de uma mãe, como outra qualquer que se deita a adivinhar o inimaginável que, na sua opinião, possa perturbar algum dos seus. Mortifica-se, pensa, observa, quebra os seus próprios silêncios para não se denunciar.
O jantar com toda a familia reunida
Durante o jantar, finalmente, com toda a família reunida, a satisfação, mas também o cansaço de mais um dia daqueles que passaram e nada deixaram, aquela inquietação em nada ajudava a construir a personagem vital daqueles poucos momentos de partilha, de convívio com as alegrias ou frustrações agora despejadas no cesto das intimidades de uma família. Três filhos eram a bandeira daquele casal. Por eles faziam tudo e tudo era sempre pouco para quem tudo lhes queria proporcionar. Bens materiais? Alguns, os indispensáveis, não eram ricos, longe disso, mas os pais preocupavam-se no investimento possível que proporcionasse aos filhos o alargar de horizontes, a aquisição de conhecimento, a experiência de novas oportunidades, a descoberta dos outros, sempre aprendendo com e respeitando a diferença, fomentando neles o ser solidário indispensável à nova sociedade global. À noite, cada um procurava no recanto do seu quarto corresponder às respetivas exigências académicas e os pais, na sala, entremeavam com os afazeres inadiáveis o diálogo natural dum casal que quer pôr a conversa em dia depois de mais um dia de trabalho.
— Lena, dá para perceber que tiveste um dia esgotante. Estás muito cansada, não estás?
Há qualquer coisa com a
nossa menina
Completamente surpreendida tentou recompor-se, passou a mão pelo cabelo e numa atitude aparentemente descontraída, pestanejou, sorriu e respondeu:
— Sabes que naquela casa trabalha-se muito todos os dias… É curioso é estares tão preocupado. Simpatia tua, Jorge.
— Não, não continues a disfarçar… Já te conheço há uns anitos e não me consegues enganar. Alguma coisa te preocupa, eu sei. Não queres falar?
— És incrível… Desta vez, guardou o sorriso, franziu os olhos e com ar preocupado deu-se por vencida.
— Há qualquer coisa com a nossa menina… Ela anda muito esquisita e eu não sei o que se passa… É muito triste perceber que a nossa filha não anda bem e nem sequer a posso ajudar…

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Bullying

Os atos que esta palavra tão esquisita referencia e que só há pouco tempo se tem vindo a ouvir e a falar com frequência, existem desde sempre.
Há muitas maneiras de praticar bullying e nos mais diversos lugares, como, por exemplo, na casa onde se habita, partindo de pessoas de quem menos se está à espera.
Aquelas pessoas que todos pensamos amar o seu próximo, que têm obrigação de defender os mais frágeis, aí reside um dilema grande.
A familia parece unida
Há casas onde a família parece unida, sólida, mas onde existe uma mágoa tão grande, um desconforto e até um medo atroz.
Uma rapariga ainda nova, com a matrícula feita na universidade, ia ingressar no curso que tanto prazer lhe dava. Pois essa menina encantou-se com a conversa de um rapaz bem mais maduro que ela, que já tinha ido à guerra do ultramar, namorou e casou debalde os conselhos da família, nomeadamente do pai.
Foi um desgosto grande que o pai teve, mas se era da vontade dela…não podiam fazer nada. Quando o encanto do casamento passou, essa menina passou a viver um verdadeiro inferno. A bebida era muita o que originava mau estar na família toda. Aos poucos foi passando para as agressões verbais.
Entretanto nasceram os filhos que iam assistindo a todas estas situações.Por muito apoio que a família lhe desse, não compensava a tristeza e o sacrifício que ela passava em casa.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

De mãe para filha

Inês, vou-te contar a minha história de amor. A única na minha vida.
Amei profundamente um homem, o Afonso, teu pai. Conheci alguns homens antes do Afonso
Amei profundamente
um homem, o teu pai
entrar na minha vida, mas nunca havia conhecido alguém como ele, capaz de me mudar para sempre. É que com o Afonso tudo parecia fazer sentido e o meu instinto dizia-me para não recuar, não recuar e não recuei.
Conheci o teu pai em Novembro de 2003, estava num bar habitual com o meu grupo de amigos, e vi-o no balcão, sozinho, a fixar-me sedutoramente, um homem lindo, maduro – eu tinha vinte e cinco anos. Lembro-me que ao enfrentar aquele olhar fiquei nervosa, suei por inteiro, entrelacei as mãos, cruzei as pernas, tentei usar em mim a minha própria força, tudo para combater o desejo de me levantar e tocar naquele homem que não parava de me olhar. Eu nunca senti algo tão intenso na minha vida.
Não falamos nessa noite, nem nas noites que se seguiram, eu na mesa, ele no balcão, muita gente, mas só os dois, como num filme. Assim, com esta intensidade, durante um mês.
Em Dezembro de 2003 fui convidada para estagiar numa grande multinacional nos Estados Unidos, uma oportunidade única e para a qual trabalhei imenso. Sentia-me estasiada, realizada e apenas uma imagem esmorecia este encantamento, aquele homem do bar. Retirei-o da minha mente, havia programado outro rumo para a minha vida: liberdade, independência financeira. Enfim, filha, ser dona da minha vida e depois quem sabe, mais tarde, o amor viesse ao meu encontro.
Festança até cair
Para festejar o grande acontecimento combinamos, os mesmos do costume, uma festança naquele bar; beberíamos até cair, brindaríamos ao futuro brilhante que todos teríamos, e eu, no fundo, esperançava vê-lo uma última vez. Não apareceu. No final da noite decidi que iria para casa enquanto o resto do grupo brindaria pela noite fora. E, Inês, é aqui que a história de amor da tua mãe começa e sem que eu imaginasse, a tua vida também.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

André e Raquel

Dia Internacional pela Eliminação da Violência


Simbolicamente iniciamos hoje a publicação de uma série de textos que retratam a violência sobre o ser humano nos seus múltiplos aspetos. Convidamos todos os que queiram participar nesta reflexão de molde a enriquecer  sempre este local de troca de saberes e partilhas.

Abstraído das pessoas e olhando pela janela, André ia relaxando do treino de duas horas que acabara há pouco. Faltava um jogo para a equipa assegurar o primeiro lugar na competição regional: a esta preocupação de que, no que dependesse de si, a equipa não falhasse, acrescia alguma tensão com a aproximação dos exames. Até àquele seu 9º ano, já fizera outros exames e várias provas intermédias. Os resultados não iam ser decisivos, era apenas o brio próprio que estava em causa: queria tirar boas notas como acontecia a maior parte das vezes ao longo dos anos de estudo que já percorrera.
O som de fundo do motor do autocarro e a luz exterior, que deliberadamente absorvia, fizeram-lhe sentir uma distensão de todo o seu ser. A menos de um mês do início do verão, os reflexos do cair da tarde chamavam a luz mágica do aproximar da noite.
As casas já festejavam a chegadas das pessoas que as humanizavam. Era o alvoroço das crianças que tudo querem contar sobre o longo dia passado fora, era a alegria do reencontro dos que nelas partilham cumplicidades, era o bem-estar por um dia de trabalho responsável, era! Era também o jogo das incertezas e das surpresas que a vida a cada momento nos propõe.
Mais uma paragem. E, naturalmente, despertou um pouco. Fixou o movimento
Que estaria Raquel a fazer
naquele lugar?
compassado das pessoas a entrarem, um ou outro atropelo de quem muito quer um lugar sentado, uma ou outra hesitação de quem já não sente toda a firmeza da juventude e os seus olhos fixaram um vulto feminino que, de costas, permanecia sentado no banco da paragem. Não fazia sentido: naquela rua só passava aquela carreira e o vulto tinha qualquer coisa de familiar…Que estaria Raquel a fazer naquele lugar? Ela vivia noutra zona da cidade…
Saiu na paragem seguinte e correu até à amiga. Quando os seus olhares se cruzaram, Raquel não conseguiu disfarçar as lágrimas e as tremuras que a sacudiam a espaços. André agarrou-lhe as mãos. Conheciam-se desde o jardim de infância. Sempre foram amigos inseparáveis até terminarem o 6º ano e amigos continuaram depois, mas em escolas diferentes. Quis saber o que lhe tinha acontecido. Raquel olhava à sua volta como animal ferido que tem medo de ser descoberto. Fixou o sol que aspergia os últimos pontos luminosos daquele dia sobre a Terra com a mensagem “Amanhã será um novo dia”. Reviu em filme algumas gargalhadas infantis dadas em conjunto com André e sacudiu a cabeça em sinal de assentimento.
– André, estou aqui apenas para me acalmar e poder ir para casa sem levantar suspeitas. Confio em ti para manteres em segredo o que te vou dizer. Estou a passar uma fase de namoro menos boa. Eu sei que vai passar!
Eu quero saber o que se passou.
– Eu quero saber é o que se passou. Tu não consegues deixar de olhar à tua volta e continuas a tremer.
André abraçou-a para ver se conseguia acalmá-la. A resposta foi um longo grito de dor, enquanto afastava André.
– O que tens?


sábado, 23 de novembro de 2013

O moliceiro, o amante da ria



O moliceiro, o amante da ria,
Flutua leve, silencioso,
Rompendo a madrugada,
Rasgando o manto misterioso
Da neblina que os veste;
E com a ajuda do sol nascente
Aparece imponente à luz do dia.

Com a sua proa pintada,
A sua vela içada
Prenhe de vento, de maresia
Vai lavrando
As salsas águas da ria.

O moliceiro, o amante da ria,
Carrega no seu ventre
O húmus, a semente,
Que fecunda a terra
Terra que abraça a ria,
Rotunda de seiva, de alegria.

sábado, 16 de novembro de 2013

Descobriu que a Terra é redonda

Brincou, e muito, com a roda e também com as palavras. Com estas, quiçá, até já tenha abusado, pelo jeito que, por fás ou por nefas, lhe dava a aprendizagem do emprego das palavras.
...onde se podem criar infinitos
Aconteceu que, ao rodar o pensamento à volta das palavras, a imediata intuição da mente focou-lhe a imagem do círculo da roda da circunferência, que, segundo a geometria, é uma roda perfeita e ao magicar nela, passou a vê-la a construir-se e a avançar, como se fora uma roda, a fechar a roda dos limites que estabelece a linha da figura geométrica.
E o miolo da sua cabeça, que é uma bola, rodava a cena: “circunferência”; que raio de palavra onde, a partir do centro, se podem criar infinitos raios para a linha que define os limites da periferia, que é uma roda que fixa e baliza a bola da circunferência!
E mais. Deu-se conta de que, estabelecida a linha da roda da circunferência, das duas uma: ou ficava estranho a ela, isto é, fora da bola, à volta da roda, e nela não podia entrar, ou entrava na linha da roda da circunferência e mantinha-se no seu seio, e bem pensava: o seu seio é todo ele uma bola, que rola como uma roda e como uma perfeita bola e só dentro dela se pode rodar e circular.
Logo lhe havia de acontecer ficar dentro da circunferência, o mesmo é dizer: ficar sem a roda mas dentro da roda da bola.
Lá dentro, era difícil rodar os raios da bola do raio da circunferência e limitou-se a circular à roda da bola e a mentalmente rodar o que a bola da circunferência lhe podia dar.
Descobriu que na bola da circunferência podia fazer um circo, que habitualmente é uma tenda, em jeito de meia bola, implantada num círculo, à roda de um terreno onde as pessoas vão para rir e voltear.
Foi o grande espectáculo das bolas
Lá dentro, a toda a roda, construiu circunstância, em semi-circunferência, uma rodada de bolas, para a assistência poder rodar as bolas.
Logo que o espectáculo começou a rolar e a rodar, foi o grande espectáculo de bolas, bolas e mais bolas, bolas de todos os tamanhos, bolas de todas as cores, e até lindas bolas de sabão que rolavam e rodavam no ar em carambolas, com o efeito visual que até lhe parecia estar a sonhar.
Mas, às tantas, com tanta bola, sentiu-se enclausurado na bola e enredado nos raios da roda da circunferência. Via as bolas a rolar e tudo à roda sem ninguém estar à sua roda.
Que aflição! Ainda se lá estivesse alguém da alta roda, que, recebendo de volta o preço do espectáculo das bolas, mandasse cortar a linha da roda da circunferência, para sair da bola! Mas não.
Faltou-lhe o ar e desmaiou. Começou a ver tudo a andar à roda dentro da bola da circunferência. E passou a acreditar que, se a roda era uma bola redonda e estava a rodar, tinha descoberto que a terra também seria redonda.

Carreto Lages ©2013,Aveiro,Portugal

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Palavras

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação

Palavras para quê!
Quando vejo o teu olhar
Meigo, puro, silente
Palavras para quê!
Isso é amar!...

Sentir teus lábios
No teu beijar
Tocar tuas mãos
Afáveis como o luar
Isso é acreditar!...

Palavras para quê!
Acariciar tua pele
Macia, suave a ondular
Isso é, naturalmente, amar!...

Isabel Maria©2013,Aveiro,Portugal

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

FAROL … PRECISA-SE

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação



(tempos de guerra entre irmãos de raça)

É sentado num banco de pedra maltratado por abandonos, junto à praia na Restinga do
Restinga do Lobito
Lobito, Angola, que escrevo para uns amigos.
As águas da baía estão quedas, como sempre, e reflectem de azul com ligeira distorção, as colinas do outro lado. São colinas pardas, moribundas, que só ressuscitam de verde quando caem as raríssimas chuvadas. Aqui, é o deserto do Namibe que se anuncia por perto.
Pelo meio do canal, regressam ao cais, em remadas mais ou menos cadenciadas, algumas chatas de pescadores. Não sei se trazem peixe, mas um deles vem a cantar. Ou a chorar? É que, em Angola o rir e o chorar, muitas vezes, confundem-se.
Uma garça branca
Aqui mesmo à minha frente, uma garça branca de patas mergulhadas no arfar da maré decidiu quedar-se como estátua, esquecida dos céus por algum tempo. Mas não tardará a procurar neles o seu refúgio e o seu destino.
Além, onde o areal se alarga, alguns miúdos brincam em correrias desajeitadas, desengonçados em pernas sem formas porque as suas barrigas andam sempre cheias de pouco ou mesmo de nada.
O sol está nas minhas costas. Não consigo vê-lo devido ao tufo de casuarinas que se interpõem. Mas sei que já está muito baixo no horizonte e adivinho que, neste momento, é uma enorme bola de fogo por entre nuvens de calor.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Uma história de formigas que continuaram formigas

Albertina Vaz

Estava um dia de calor infernal, daqueles que já ninguém conhecia há muitas, muitas décadas. Nem apetecia dar um passo, mexer uma mão, sair de casa – até simplesmente movimentar um dedo parecia uma tarefa insustentável.
Nem um ruido, nem o canto dum pássaro, nem o soluçar de uma fonte – nada nem ninguém queria mover-se porque o simples agitar de uma folha se assemelhava a um esforço sem medida que tudo alterava e tudo dimensionava num tamanho insustentável.
Nos campos, outrora verdejantes, até as correntes de água tinham parado na sua corrida permanente em busca do mar, ou de rio que circulasse mais abaixo, ou de um lago que se espraiasse numa sinfonia de verde e azul, em mil tons duma paleta inspiradora impossível de decalcar.
Como vou sair-me desta?
Na sua toca a formiguinha colocava a mão na cabeça, limpava o suor que lhe caía em grossas bátegas e declarava: - Não consigo voltar lá a cima, já nem consigo dar mais um passo, já não há água por aqui… Como vou sair-me desta.
- Porque não cantas como eu? Não vês que não estou cansada? Eu só me canso de dançar, de pular, de tocar o meu violino e de lançar para o ar os sons vibrantes da minha música. Em dias destes farto-me de pensar em ti: eu vou ao mar, eu vou aos montes, eu vou onde quero, eu amo a liberdade e canto hinos de música refrescante que alegram quem comigo se cruza.
- Pois, pois, canta, canta que um dia hei de ver-te chorar.
E lá continuaram as duas - uma trabalhando para abarrotar o seu celeiro e a outra espalhando música e cor nos campos dum mundo pequenino feito de invejas, cobiças, ciúmes e maledicências. Até que o calor se foi e a noite veio estender-se e cobrir dum negro aluarado em que a luz da lua enchia as vozes e aclarava os sons.
... os trinados do seu violino...
Os sopros dos clarins da cigarra inundavam a noite e sabiam a mel coado e a flor de jasmim, os trinados do seu violino estendiam-se pela planície e espalhavam o encanto e a beleza duma ópera inacabada ou duma sinfonia de guitarras soluçando como gorjeios de mil vozes de pássaros ondulantes num voo desgarrado e solto a caminho da terra do prazer. Nada nem ninguém poderia ficar indiferente!
A formiga, a caminho da toca, ia pensando que tinha uma vida muito triste - sempre, sempre a correr de um lado para o outro, acartando para o seu celeiro tudo o que podia apanhar e até o que podia tirar aos outros - os tempos haviam mudado: dantes o celeiro era de todos, agora o celeiro é apenas dela e há-de enchê-lo até não poder mais. Não fosse o canto da cigarra e tudo seria mais difícil ainda, mas tinha de continuar. As suas tarefas eram inadiáveis, o seu trabalho não podia ter descanso.

sábado, 2 de novembro de 2013

A Rainha Santa Isabel e o milagre das rosas

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação

Lindonor Silveirinha


El-Rei D.Dinis e Isabel de Aragão

Sabendo como El-rei D. Dinis, seu marido, não gostava que andasse no meio de andrajosos que a procuravam para pedir esmola, Isabel de Aragão fazia-o quando o rei se encontrava ausente em batalhas. Mas um dia, quando distribuía pão e moedas, foi surpreendida em    “ flagrante delito” e,  atrapalhada, resolveu mentir.
À pergunta: “ Que levais no vosso manto, senhora?”. Isabel respondeu: “São rosas, meu senhor, são rosas ”e, segundo a lenda, o milagre deu-se. A rainha abriu o manto e as rosas espalharam-se pelo chão.
"São rosas, meu Senhor!"

Esta lenda, tão bem conhecida de todos, merece alguma reflexão.
Em primeiro lugar a submissão da rainha à vontade masculina, mas que escondia uma subtil desobediência. Em segundo lugar a “mentira piedosa” que foi premiada em vez de castigada.
Como havemos de interpretar estes acontecimentos?
Talvez por se sentir oprimida e desrespeitada pelo marido que a traía e que até entrou em guerra com o filho, a rainha, que nós conhecemos como Santa, resolveu abrir, em Lisboa, um abrigo para mulheres mal tratadas. Foi o primeiro. Que pena que, passados seis séculos,  ainda sejam necessários e continuem a acontecer mortes de mulheres que são também mães. Quando é que os homens se convencerão que a mulher é o seu complemento e vice-versa?
Quanto à “mentira piedosa” também há algo a dizer. Segundo a nossa religião, mentir é pecado e, neste caso, embora fosse um pecado venial, ele foi premiado. Isabel de Aragão conseguiu sossegar o marido e acalmar o seu coração aflito. Mas, afinal, ela tinha feito uma boa acção e, foi isso, o que Deus premiou, esquecendo a pequena mentira que não prejudicara ninguém.
Era preciso fazer alguma coisa por aqueles pobres e , a Rainha, não hesitou, mesmo contrariando a ordem régia. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A bela adormecida

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Albertina Silva Monteiro

Era uma vez uma princesa que se chamava Bela. Bela só acreditava no amor e apenas vivia por amor à sua família. E sonhava, sonhava tanto que parecia dormir enquanto caminhava. E alheia aos outros, ouvia:
- Bela, és uma bela adormecida…
Bela caminhava até ao castelo
E Bela olhava, sorria e continuava o seu caminho diário até ao castelo para buscar o seu filho – o seu príncipe de dez anos. Na casa de Bela, um palácio de amor, como dizia o seu rei, todos se sentiam personagens de uma história encantada; eles encantavam-se uns aos outros. Era por isso. Eles eram tão felizes dentro daquele amor que despertaram a inveja e a cobiça de uma bruxa má que decidiu terminar com a felicidade de Bela.
No dia seguinte, ao chegar ao castelo, Bela reparou que o seu príncipe não a esperava no sítio do costume. Bela, como vivia num estado de graça permanente, não pensou em feitiços ou bruxas más; então esperou. E esperou mais um pouco. Mas de repente Bela sentiu uma picada bem no meio do coração, uma dor estranha, um vazio seco que descia da garganta até ao coração; correu. Não sabia o que sentia mas sabia que devia correr; ir ter com ele, o seu príncipe.
Aconteceu um grito. Porque aconteceu um roubo. Uma bruxa má roubou-o, ouviu-se dos céus. Bela caiu. Depois adormeceu.
Bela Adormecida dormia profundamente. Caíra em sono profundo, cedera ao vazio no coração, à impotência da magia, ao tempo que vagarosamente corria pela vida. Todos choravam. Havia sido enfeitiçada pela bruxa má que se escondia na imensa floresta negra protegida por ogres e fortes feitiços negros que impediam a magia branca, tão lenta, impotente e diminuta, de a encontrar e resgatar o príncipe da Bela adormecida, o único que a poderia despertar.
Tentaram despertá-la com o beijo do rei, mas Bela adormecida dormia um sono profundo, um
Bela dormia um sono profundo
sono assim: fragmentos de um beijo e de um abraço, fragmentos de um lugar escuro, frio, caras estranhas, fumos e cheiros nauseabundos; fragmentos de uma gargalhada, uma corrida pelo jardim de erva verde-escuro, um lago com peixes dourados e vermelhos; fragmentos de uma bruxa histérica, um ogre enorme e desconcertante; fragmentos de uma luz negra agora inundada por uma luz branca; um trovão, uma mão, duas mãos e uma é de criança, um beijo, um pedido, um vazio, um príncipe, um príncipe que ri os seus dez anos. Bela adormecida quer o beijo do seu príncipe que lhe foi roubado. Dorme Bela, dorme.
Dois anos depois, do outro lado do mundo, numa floresta negra, vamos imaginar um lugar com quatro paredes. Agora imaginemos um príncipe preso; apenas isso.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Branca de neve e os três anões

Fernanda Reigota

Quando os sete anões chegaram a casa, cansados do trabalho, estacaram o passo, perante a visão da Branca de Neve. Como eram cultos, sabiam muito bem quem ela era. Por educação, perguntaram-lhe o que fazia ali.
– Sabemos que é sobejamente conhecida na Europa, depois que os irmãos Grimm
Não entendemos o que faz
em nossa casa
fixaram em livro a sua história da tradição oral alemã. Mas não entendemos o que faz em nossa casa, embora pareça muito mais arrumada.
– Descansem que não me enganei. Antes de entrar, li os vossos nomes: Sabichão, Feliz, Zangado, Soneca, Dunga, Atchim e Dengoso. Venho dar-vos aulas, ou pensam que o programa é para andar a esticar uma eternidade? Claro que só preciso de três alunos. Amanhã, o Pê Feliz, o Gás Sabichão e o Pau Zangado não vão trabalhar para os mineirostérios. Mas tu, Gás Sabichão, não tragas a Luisinha Discípula! Ela serve muito bem é para decorar mesas de conferências de imprensa. Tu depois lá lhe passas as ordens.
Soneca Limas Pato, Dunga Cristas,
Aguinar Mota, Atchim Paulo....
E continuou, acrescentando que, para começar a poupar, o Soneca Limas Prato, o Dunga Cristas Aguinar Mota, o Atchim Paulo Cruz Marques e o Dengoso Miguelito Poisares iriam trabalhar num único mineirostério. Caso os assessores nomeados não tenham lugar, que fiquem em casa. Sempre se poupa alguma coisa pagando-lhes só o magro ordenado.
Branca de Neve tinha umas chamadas em linha e foi sentar-se na cama que havia preparado, juntando três camas dos anõezinhos. Recostou-se e passeou o olhar pela mais recente autoestrada de tráfego digital rodoviário, que passava mesmo ao lado da casa dos sete anões. Observou que não havia trânsito. A PPP que a havia construído, sabiamente decidira que, sem carros, a manutenção ficava a custo zero. E tudo o que fosse a custo zero para a PPP era negócio. E aquele sossego oferecia-lhe segurança absoluta de não ser perturbada nem encontrada. A sua missão era secreta, à semelhança de outras que já desenvolvera nalguns países despesistas.

domingo, 20 de outubro de 2013

À procura de Nemo

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação

JORGE SANTOS

... o sorriso pintado na cara
          Marlin era um palhaço. Não no significado depreciativo, mas profissional: era um palhaço, que deixara de trabalhar no circo e agora aparecia em festas de crianças, com o seu fato largo de várias cores, o nariz vermelho e o sorriso pintado na cara. Gostava do que fazia e esforçava-se para estar sempre bem disposto e brincalhão, mesmo que, ultimamente, o sorriso fosse meramente um adorno. Por dentro, Marlin perdera a vontade de sorrir desde que a mulher, Coral, chegara a casa com os resultados dos exames médicos. As palavras leucemia, radioterapia e quimioterapia entraram naquela casa como se fosse uma tempestade. Apenas o pequeno Nemo, na altura com dois anos, estava alheio às possíveis implicações da doença da mãe.
Marlin esforçou-se o mais possível para se manter junto da esposa, vendo-a a definhar e a ter de se mostrar sempre bem disposto e alegre. Por dentro estava com o ego estraçalhado, apenas um fragmento do Marlin que antes fora, um fragmento de homem que, um dia, recebeu a notícia, cuja esperança de não receber alimentara nos últimos dois anos: Coral já não voltaria a casa. Marlin chegou a casa e agarrou-se ao filho, a chorar. Agora eram só os dois.

Nemo tinha o sonho de ser jogador
de futebol
          Dez anos passados, Marlin trabalha agora num supermercado. Nemo tornara-se um rapaz esperto com a mania da bola, como qualquer outro rapaz de 14 anos, independentemente do seu grau de esperteza. Tinha o sonho de ser jogador de futebol numa grande equipa, mas o pai tinha receio: aos 7 anos, o Nemo chegara a casa com dificuldade em respirar. O médico dera as más notícias - naquela casa, eram sempre os médicos que davam as más notícias, e o Marlin já estava a ficar farto: Nemo tinha asma. Durante os anos que se seguiram, o rapaz foi parar às urgências do hospital quase todos os meses, até que, recentemente, Marlin o proibira de jogar futebol.
       “Pai, não me podes proibir!”, berrou o Nemo, no seu quarto, agarrado à bola, sem ter consciência de que o estava a fazer exactamente no mesmo sítio onde o pai o abraçara quando a mãe tinha falecido.
          “É para o teu bem, Nemo.”

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um pastor chamado Horácio

Júlia Sardo

Numa terra distante havia um rapazinho que tinha um grande sonho: ser líder. Ou seja: desde cedo começou por demonstrar, quer a brincar com os companheiros da escola, quer em outras tarefas, a grande paixão de liderar.
Ele queria chefiar sempre
Em qualquer brincadeira de que fizesse parte ou em qualquer evento, ele queria chefiar sempre.
Horácio, assim se chamava o rapazinho, fez a instrução primária, na aldeia natal. Teve como mestre um professor austero, que obrigava os alunos a terem um perfil de bom comportamento. Todos os alunos tinham que ter disciplina.
Horácio era bom aluno, limpo, asseado em todos os seus trabalhos. Era bastante metódico, em todas as tarefas a que se propunha.
Foi fazer o liceu para a cidade mais próxima, acabando-o com distinção.
Entretanto, entrou na universidade, onde continuou a ser um bom aluno, mas já com instinto de se aproximar das pessoas e professores com competências elevadas para ouvir e aprender assuntos que já lhe aguçavam o interesse: onde ele pudesse beber conhecimentos que lhe dessem a possibilidade de subir na vida e de fazer o que mais gostava: liderar.
Com o passar dos tempos ele já liderava no grupo dos mais jovens, ou seja, a juventude que conseguia agregar à sua volta.
Os anos foram passando até que algumas pessoas de muito prestígio, lá da terra, entenderam haver necessidade de alguém, com perfil, para estar à frente do clube de futebol.
Quem escolher para estar à frente deste empreendimento? Foi escolhido o Horácio, por unanimidade.
Claro que ficou muito satisfeito e resolveu criar uma instituição sólida e já com umas certas características para o futuro. As pessoas que o escolheram e confiaram nele não se arrependeriam, dizia ele.
As primeiras infraestruturas foram feitas e tudo correu bem.O relvado foi semeado, regado para que crescesse saudável e rápido.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Lenda do galo de Barcelos

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Virgínia Rafael 

Certa noite, um forasteiro, vindo do centro de Portugal, a caminho da Espanha, chegava a Barcelos.
Que cidade bonita!
- Que cidade bonita! Um castelo, uma bela igreja a enamorar-se do rio, um largo com bela
Torre! Cidadezinha simpática!
À medida que calcorreava a cidade, espantava-se com a sua beleza e com a sua pacatez.
- Tantas mulheres de fato de treino numa azáfama! Para onde irão? Algumas andam tão depressa que se fossem comigo, num instante nos púnhamos em Espanha.
- Ó miúda queres fazer-me companhia?
- Pensas que estou para te aturar, ó pedinte!
- Lá pedinte até pareço! Bolas! Então ela não vai para a Espanha?!
Passa por mais umas mulheres com o mesmo passo da primeira.
- Ó miúdas! Posso ir convosco?
- Ó miúdas! Posso ir convosco?
As mulheres olham-no com desdém.
- Ai! Este parvo pensa o quê?
- Para a Espanha não é por aí acima?
- Por aí acima e por aí abaixo! Estica-te muito e os nossos maridos…
- Vou segui-las. Elas de certeza que vão para a Espanha.
O forasteiro seguiu-as sem fôlego, tal era a marcação de passo das mulheres.
- Irra! Estas devem ir para além de Santiago de Compostela!
As mulheres vão olhando para trás com cara de poucas amigas. Uma delas pega no telemóvel e telefona ao marido.
Cinco minutos depois chega um carro com cinco homens.
- Ouve lá! Tu pensas que estás onde? A meteres-te com as nossas mulheres! Isto é uma cidade pacata.
- Não! Não! Por favor, eu não seria capaz! Eu pensei…
- Pensaste o quê? Achas que tenho cara de parvo!
- É dar-lhe já uma ensinadela! Desfaço-te a cara. Está um gajo sossegado a ver a bola enquanto elas andam juntas a ver se emagrecem e aparece um imbecil a segui-las?! Tem um tipo de deixar o jogo a meio…
- Eu pensei…

sábado, 5 de outubro de 2013

Era uma vez… uma história dos nossos dias

Albertina Vaz

Era uma vez três porquinhos que viviam com a sua mãe numa casinha lá no meio da floresta. Passavam o dia a brincar e a dançar com os seus amiguinhos e um dia a mãe chamou-os e disse-lhes:
- Meus filhos, chegou a hora de ver o que já aprenderam: ide e não vos esqueçais de tudo o que vos tenho ensinado! Tenho aqui um saco com algumas moedas para cada um e quero ver o que fazem com elas. Depois encontramo-nos em casa de novo.
Era uma vez três porquinhos
Os três porquinhos lá foram todos contentes pela floresta fora para descobrirem a vida e o que ela esconde atrás de cada esquina. E resolveram seguir cada um o seu caminho, combinando que, ao fim de um certo tempo, se voltavam a reencontrar.
Passado algum tempo voltaram à casa da floresta e correram a cercar a mãe que já tinha muitas saudades deles. Depois dos abraços olharam uns para os outros e, ao mesmo tempo, disseram os três:
- Ó mãe, há por aí alguma coisa que se coma?
A mãe achou muito estranho mas foi de imediato arranjar um jantarinho de que todos gostassem e ficou derretida ao ver os três filhotes a comerem regalados o que lhes preparara. No fim do jantar, os porquinhos, já mais refeitos da caminhada, preparavam-se para fazer uma boa soneca mas a mãe não resistiu e perguntou-lhes:
- Então, meus filhos, como fizeram para organizar a vossa vida longe da floresta?
Um a um foram falando, cabisbaixos, sem saber como começar. Com os olhos no chão, atrapalhado, o porquinho mais pequeno começou:
Eu resolvi fazer uma casa pequenina
- Eu resolvi fazer uma casa pequenina e gastei quase todo o dinheiro que tinha. Era uma casa feita de cartão e tábuas que ia encontrando no caminho. Eu gostava muito dela mas fazia frio lá dentro e às vezes recordava-me muito da nossa casa aqui na floresta. Só que um dia veio um Lobo Mau que me bateu à porta e me disse: esta casa é minha! Eu sou o dono do terreno onde ela está e dos materiais que utilizaste. Ou me pagas tudo ou deito a tua casa abaixo!
Ora eu não tinha mais dinheiro e só me deu para fugir até à casa do mano enquanto via o Lobo Mau a deitar a minha casinha abaixo. Nem percebi porque é que ele estava a fazê-lo, mas o que eu sabia era que não podia continuar ali.
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