Albertina
Vaz
Era uma vez três porquinhos
que viviam com a sua mãe numa casinha lá no meio da floresta. Passavam o dia a
brincar e a dançar com os seus amiguinhos e um dia a mãe chamou-os e
disse-lhes:
-
Meus filhos, chegou a hora de ver o que já aprenderam: ide e não vos esqueçais de tudo o que vos tenho ensinado! Tenho aqui um saco com algumas moedas para
cada um e quero ver o que fazem com elas. Depois encontramo-nos em casa de
novo.
Era uma vez três porquinhos |
Os três porquinhos lá foram
todos contentes pela floresta fora para descobrirem a vida e o que ela esconde
atrás de cada esquina. E resolveram seguir cada um o seu caminho, combinando
que, ao fim de um certo tempo, se voltavam a reencontrar.
Passado algum tempo voltaram à casa da floresta e correram a cercar a mãe que
já tinha muitas saudades deles. Depois dos abraços olharam uns para os outros
e, ao mesmo tempo, disseram os três:
- Ó
mãe, há por aí alguma coisa que se coma?
A mãe achou muito estranho
mas foi de imediato arranjar um jantarinho de que todos gostassem e ficou
derretida ao ver os três filhotes a comerem regalados o que lhes preparara. No
fim do jantar, os porquinhos, já mais refeitos da caminhada, preparavam-se para
fazer uma boa soneca mas a mãe não resistiu e perguntou-lhes:
-
Então, meus filhos, como fizeram para organizar a vossa vida longe da floresta?
Um a um foram falando,
cabisbaixos, sem saber como começar. Com os olhos no chão, atrapalhado, o
porquinho mais pequeno começou:
Eu resolvi fazer uma casa pequenina |
- Eu
resolvi fazer uma casa pequenina e gastei quase todo o dinheiro que tinha. Era
uma casa feita de cartão e tábuas que ia encontrando no caminho. Eu gostava
muito dela mas fazia frio lá dentro e às vezes recordava-me muito da nossa casa
aqui na floresta. Só que um dia veio um Lobo Mau que me bateu à porta e me
disse: esta casa é minha! Eu sou o dono do terreno onde ela está e dos
materiais que utilizaste. Ou me pagas tudo ou deito a tua casa abaixo!
Ora eu não tinha mais
dinheiro e só me deu para fugir até à casa do mano enquanto via o Lobo Mau a
deitar a minha casinha abaixo. Nem percebi porque é que ele estava a fazê-lo,
mas o que eu sabia era que não podia continuar ali.
-
Quando chegou a minha casa o mano ia estafado e entrou logo a correr. Depois de
me ter contado tudo, eu, que tinha feito uma casa de madeira, fiquei assustado
até porque devia algum dinheiro ao banco e eles estavam sempre a pedir-me mais
e mais. Mas lá ficámos os dois.
Estive aqui a fazer umas contas... |
Um dia, porém, veio um
senhor, muito bem vestido, com uma pasta na mão e bateu à porta. O mano ainda
me disse: Não abras, não abras, é o Lobo Mau. Mas eu não quis acreditar e abri.
Então ele disse-me: Estive aqui a fazer umas contas do que o senhor deve ao
banco, mais os juros, mais os impostos, mais o IMI, mais as taxas municipais,
mais a correcção monetária, mais… mais…
Eu não o queria ouvir e
respondi-lhe: Esta casa é minha! Faça favor, ponha-se lá fora! Eu pago quando
puder…Mas o Lobo Mau era mesmo mau e disse-me com uma vozinha muito meiga, a
lembrar a avozinha do Capuchinho Vermelho: ou pagas o que deves até amanhã ou
então eu venho cá com uma ordem do juiz e ponho-te na rua!
Eu nem quis ouvir mais. Mal
ele saiu começámos os dois a correr e fomos para casa do mano mais velho que
tinha uma casa grande, toda feita de pedra e com um jardinzinho à volta. Não
era uma casa de rico mas era uma casa bonita.
- Eu,
quando os vi a correr, nem queria acreditar que estavam a ser perseguidos pelo
Lobo Mau. A minha casa era feita de tijolo. Não tinha muito dinheiro mas tinha
pedido emprestado ao banco e eles até me tinham dado mais do que eu precisava,
mas andava a pagar direitinho. Estávamos os três a viver lá em casa e já só eu
trabalhava. Um dia eu perdi o meu emprego no supermercado da vila. Os manos
queriam trabalhar mas já não havia empregos e ficámos sem saber o que fazer.
Alguns dias depois lá apareceu o tal senhor todo vestido de preto, com uma
gravatinha azul, uns papéis na mão, outros na pasta a bater à porta.
Os manos diziam: Não abras,
não abras, é o Lobo Mau! Mas ele batia, batia com tanta força
que até tive medo
que fizesse um buraco. E fui, de mansinho, e perguntei: O que quer o senhor? Eu
o que quero é que me pagues o que me deves. E eu a falar muito calminho: Eu
pago, eu pago, agora é que não posso, porque estou sem emprego!
Porque não emigras? |
- Não
tenho nada a ver com isso! Porque não emigras? Vai para a Alemanha, ou para
África, eles lá precisam muito de porquinhos com a tua formação. Eles até fazem
salsichas muito boas: tipo Frankfurt, sabes?! O que eu sei é que, se não
pagares ao banco e ao Estado e à Segurança Social e a todos os outros, ficas
sem a casa.
- Mas
eu não tenho mais lugar nenhum para onde ir viver… e até cá tenho os meus
irmãos comigo porque estão sem emprego… e até eu perdi o emprego!
Dou-te até amanhã, senão... |
-
Olha, estão a pedir trabalhadores para o Qatar. E também para Angola. Vendes a
casa, vais e podes ficar por lá. É menos um a quem temos de pagar ensino,
saúde, educação, pão, reforma… Dou-te até amanhã, senão és despejado!
E como não sabíamos mais o
que fazer viemos a correr cá para casa. Só temos medo que o Lobo Mau venha
atrás de nós.
A mãe dos porquinhos começou
a rir e disse-lhes:
- Não
se preocupem, meus filhos! Ele não se atreve a vir à floresta. Até porque tem
medo de se perder. Ele não sabe escolher os caminhos como eu vos ensinei, nem
fugir das armadilhas que vamos espalhar por aí à volta. E se, mesmo assim, ele
aparecer não tenham medo: veem ali aquela vassoura – dou-lhes tanta vassourada
que ele não se aguenta e depois chamamos todos os habitantes da floresta e
acabamos com ele.
E o Lobo Mau, que era mesmo
mau e já tinha espalhado microfones por toda a parte, ficou espantado com a
força dos porquinhos e dos animais da floresta e resolveu pensar três vezes
antes de vir tirar a casa aos animais da floresta. Até porque já tinha tantas
casas vazias que não sabia o que lhes fazer!
Os animais da floresta
ficaram muito felizes por voltarem à sua terra e às coisas simples do
dia a dia. Na casa da mãe sentiam-se seguros e, embora cada vez mais baixinho,
porque a mãe era também cada vez mais velhinha, ela lá estava sempre a
recordar-lhes:
- Não
se esqueçam, meninos, só juntos é que podemos vencer o Lobo Mau! E se ele
aparecer por aí vamos todos cantar-lhe: Quem tem medo do Lobo Mau, Lobo Mau,
Lobo Mau…ele é feio, é mesmo muito feio, é pior que um lacrau!
E assim, um por um (ou melhor, muitos ao mesmo tempo) os porquinhos vão sendo implacavelmente "depenados" pelo insaciável lobo mau. É preciso que todos os habitantes da floresta (porquinhos jovens e mais velhos) se unam e defendam o que legitimamente lhes pertence. Fábula carregada de força interventiva. Boa, Albertina!
ResponderEliminarMuito criatividade e muita atualidade. Parabéns, Albertina!
ResponderEliminarSe uma criança me perguntar o que é isso do capitalismo vou ler-lhe, com muita serenidade, esta história. Ela irá perceber naturalmente aquilo que poderia parecer quase impossível de explicar. Preocupa-me é quando essa criança me questionar sobre: - porque é que tem que ser assim? Espero ter nessa altura a lucidez e a capacidade necessárias para lhe poder contar outras histórias sem Lobo Mau. A fonte do meu êxito só pode depender da ingenuidade da criança!
ResponderEliminarPedro e o lobo.
ResponderEliminarPedro e o lobo mau.
Pedro é o lobo mau.
E num instante se forma uma alcateia!
De lobos?
De Pedros?
De Pedros lobos.
De lobos Pedros.
E não só de Pedros e de lobos,
Mas também de Paulos…
De Abel a Zacarias estão todos na alcateia.
Alcateia?
Quadrilha bem organizada que ataca os animais que vivem na floresta queimada pelo vírus incontrolável da ida aos mercados para alimentar a corrupção.
E não temos um verdadeiro refúgio na floresta, como os porquinhos, porque vamos descobrindo muito vagarosamente o sentido de palavras como união, ação…
Todos sabemos que a floresta é grande, mas ainda haverá algum sitio disponivel para tantos porquinhos?
EliminarNeste momento não me saem palavras para comentar. Apenas que... já tinha saudades ... Obrigada Albertina.
ResponderEliminarRealmente o que falta aí são lobos que tiram tudo o que foi angariado ao longo do tempo. Gostei muito do seu texto, Albertina.
ResponderEliminarÉ uma história que nos faz pensar. Também nós, tomando como exemplo esta história, nos devemos unir para defender a nossa floresta e não permitir que nos roubem cada vez mais.
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