Júlia Sardo
Numa terra distante havia um
rapazinho que tinha um grande sonho: ser líder. Ou seja: desde cedo começou por
demonstrar, quer a brincar com os companheiros da escola, quer em outras
tarefas, a grande paixão de liderar.
Ele queria chefiar sempre |
Em qualquer brincadeira de que
fizesse parte ou em qualquer evento, ele queria chefiar sempre.
Horácio, assim se chamava o
rapazinho, fez a instrução primária, na aldeia natal. Teve como mestre um
professor austero, que obrigava os alunos a terem um perfil de bom comportamento.
Todos os alunos tinham que ter disciplina.
Horácio era bom aluno,
limpo, asseado em todos os seus trabalhos. Era bastante metódico, em todas as
tarefas a que se propunha.
Foi fazer o liceu para a
cidade mais próxima, acabando-o com distinção.
Entretanto, entrou na
universidade, onde continuou a ser um bom aluno, mas já com instinto de se
aproximar das pessoas e professores com competências elevadas para ouvir e
aprender assuntos que já lhe aguçavam o interesse: onde ele pudesse beber
conhecimentos que lhe dessem a possibilidade de subir na vida e de fazer o que
mais gostava: liderar.
Com o passar dos tempos ele
já liderava no grupo dos mais jovens, ou seja, a juventude que conseguia
agregar à sua volta.
Os anos foram passando até
que algumas pessoas de muito prestígio, lá da terra, entenderam haver necessidade
de alguém, com perfil, para estar à frente do clube de futebol.
Quem escolher para estar à
frente deste empreendimento? Foi escolhido o Horácio, por unanimidade.
Claro que ficou muito satisfeito
e resolveu criar uma instituição sólida e já com umas certas características
para o futuro. As pessoas que o escolheram e confiaram nele não se
arrependeriam, dizia ele.
As primeiras infraestruturas
foram feitas e tudo correu bem.O relvado foi semeado, regado para que crescesse
saudável e rápido.
Depois destas situações
estarem encaminhadas passou a ter outra preocupação: contratar jogadores, não
de topo, mas com capacidades técnicas que servissem o clube.
Subir na vida... |
Era um chefe exemplar no que
dizia respeito a organização, trabalho e bastante criativo.
Promoveu várias actividades,
no campo, para os alunos das escolas, festas em datas próprias, para as pessoas
de maior idade, acompanhadas dos seus familiares.
Todos os jogadores tinham um
ordenado aceitável, com a perspetiva de aumento, conforme o desenvolvimento do
clube.
Claro que os conterrâneos
andavam felizes, porque tinha chegado um bom momento para a terra.
Ia haver desenvolvimento,
criação de postos de trabalho, enfim começava a aparecer uma lufada de ar
fresco.
Com o passar do tempo,
Horácio começou a mostrar-se um pouco mais atrevido e não é que apanhou um
grande defeito? Tornou-se um mentiroso compulsivo. Ficou com uma vaidade como
nunca se lhe tinha conhecido.
Ia prometendo mais e mais
desenvolvimentos, sem que se chegassem a concretizar.
Os cidadãos bem que o
chamavam à razão, mas a resposta era sempre a mesma: não se preocupem que as
situações não estão esquecidas, só que tem havido outras
prioridades.
E assim continuava até que
as pessoas começaram a ficar desalentadas e já não acreditavam no que ele
prometia.
Ia pedindo para que houvesse
um aumento das cotas, porque o fundo de maneio já era pouco e já não chegava
para as despesas. As pessoas iam pagando na esperança das situações se irem
resolvendo, até que chegou o fatídico dia, a gota de água.
Quando o presidente precisou
mesmo das pessoas, elas estavam cansadas e já não acreditaram mais nele.
Deixaram de lhe prestar solidariedade. |
Ele bem que pediu,
esforçando-se ao máximo para que o ouvissem, mas sem resultado positivo.
Tinha acabado a verdadeira
confiança naquele que lhes tinha prometido desenvolvimento, um verdadeiro clube.
Todo o povo preferiu demonstrar-lhe
a sua indignação, repudiando-o, no momento em mais precisava e em que estava
realmente a querer remediar o mal que tinha praticado até aí, traindo os que
mais tinham confiado nele.
Pois também Horácio, o
pastor, assim fez: tanto mentiu, dizendo que vinha o lobo! E na altura em que o
lobo veio mesmo, ninguém acreditou, virando-lhe as costas.
E assim há-de acontecer
sempre a quem não souber respeitar tudo o que é honesto.
A honestidade é um bem precioso.
Que Horácio delicioso... podia chamar-se Pedro, Paulo, José!!! Por aí não faltam imitações. Adorei Julinha, dei até umas boas gargalhadas embora o assunto seja demasiado sério, eu sei! Abundam por aí muitos Horácios, mais ou menos pintalgados de cores muito diferentes: a sociedade dos nossos tempos (cá e lá fora) está sedenta de valores e é claro que não se pode ensinar o que se não tem. Receio que os nossos netos, no futuro, sejam incapazes de distinguir uma verdade duma mentira, se os Horácios continuarem a proliferar por aí...
ResponderEliminarComentando através de HORÁCIO, poeta de Roma Antiga:
ResponderEliminar"E uma vez lançada, a palavra voa irrevogável."
"Há uma medida em todas as coisas, existem afinal certos limites."
A tua palavra foi lançada, Júlia! Assim, voará irrevogável e talvez os muitos Horácios comecem a sentir os nossos limites!!!
Infelizmente, acontece assim com muitos líderes. Subindo-lhes à cabeça o poder, "esquecem-se" de valores fundamentais. Parabéns pelo seu texto e por esta chamada de atenção.
ResponderEliminar"A honestidade é um bem precioso"
ResponderEliminarOnde é que eu já ouvi isto? Terei lido? Não sei. Acredito que seja verdade!
Mas... onde se pratica? Também não interessa.
Fica a história bem contada. E se os Horácios se envergonhassem?
O que é que depois se havia de fazer ao que deixavam de "subtrair"?...
Foi mau e foi castigado... Parafraseando Camões: assim que só para ele anda o mundo concertado.
ResponderEliminarGostei desta história, Julinha. Defende um valor que se encontra em grande défice: a honestidade. O povo tem de estar mais atento aos Horácios e não permitir que exerçam o poder em benefício próprio.
Mas que linda fantasia da história do lobo mau adaptada aos nossos dias!!!
ResponderEliminarGostei muito de ler Julinha... imaginação não te faltou. Há tantos Horácios por aí.... quando nos vamos livrar deles?