Brincou, e muito, com a roda
e também com as palavras. Com estas, quiçá, até já tenha abusado, pelo jeito
que, por fás ou por nefas, lhe dava a aprendizagem do emprego das palavras.
...onde se podem criar infinitos |
Aconteceu que, ao rodar o
pensamento à volta das palavras, a imediata intuição da mente focou-lhe a
imagem do círculo da roda da circunferência, que, segundo a geometria, é uma
roda perfeita e ao magicar nela, passou a vê-la a construir-se e a avançar,
como se fora uma roda, a fechar a roda dos limites que estabelece a linha da
figura geométrica.
E o miolo da sua cabeça, que
é uma bola, rodava a cena: “circunferência”; que raio de palavra onde, a partir
do centro, se podem criar infinitos raios para a linha que define os limites da
periferia, que é uma roda que fixa e baliza a bola da circunferência!
E mais. Deu-se conta de que,
estabelecida a linha da roda da circunferência, das duas uma: ou ficava estranho
a ela, isto é, fora da bola, à volta da roda, e nela não podia entrar, ou
entrava na linha da roda da circunferência e mantinha-se no seu seio, e bem
pensava: o seu seio é todo ele uma bola, que rola como uma roda e como uma
perfeita bola e só dentro dela se pode rodar e circular.
Logo lhe havia de acontecer
ficar dentro da circunferência, o mesmo é dizer: ficar sem a roda mas dentro da
roda da bola.
Lá dentro, era difícil rodar
os raios da bola do raio da circunferência e limitou-se a circular à roda da bola
e a mentalmente rodar o que a bola da circunferência lhe podia dar.
Descobriu que na bola da
circunferência podia fazer um circo, que habitualmente é uma tenda, em jeito de
meia bola, implantada num círculo, à roda de um terreno onde as pessoas vão
para rir e voltear.
Foi o grande espectáculo das bolas |
Lá dentro, a toda a roda,
construiu circunstância, em semi-circunferência, uma rodada de bolas, para a
assistência poder rodar as bolas.
Logo que o espectáculo
começou a rolar e a rodar, foi o grande espectáculo de bolas, bolas e mais bolas,
bolas de todos os tamanhos, bolas de todas as cores, e até lindas bolas de
sabão que rolavam e rodavam no ar em carambolas, com o efeito visual que até
lhe parecia estar a sonhar.
Mas, às tantas, com tanta
bola, sentiu-se enclausurado na bola e enredado nos raios da roda da
circunferência. Via as bolas a rolar e tudo à roda sem ninguém estar à sua
roda.
Que aflição! Ainda se lá
estivesse alguém da alta roda, que, recebendo de volta o preço do espectáculo
das bolas, mandasse cortar a linha da roda da circunferência, para sair da
bola! Mas não.
Faltou-lhe o ar e desmaiou.
Começou a ver tudo a andar à roda dentro da bola da circunferência. E passou a
acreditar que, se a roda era uma bola redonda e estava a rodar, tinha
descoberto que a terra também seria redonda.
Carreto Lages ©2013,Aveiro,Portugal
Parabéns! Que maneira espetacular de jogar com as palavras! Quanta criatividade!
ResponderEliminarPalavras enredadas em palavras num jogo de rodas redondas e de bolas enclausuradas dentro de um todo que não sai de dentro delas. Como eu gostava de escrever assim...
ResponderEliminarJogo de palavras e jogo de conceitos em que uma rede redonda o prendeu. Mas ELE não ficou enredado. Deu asas à criatividade e criou crenças que o libertaram. Um dia descobrirá se a Terra é redonda ou uma bola!
ResponderEliminarMais um brilhante texto de Carreto Lages. A sua escrita faz-nos rodar e circular, meditar e perspetivar, pensar e recriar. Com esta bola redonda a rodar dentro da circunferência descobriu a terra também redonda.
ResponderEliminar"e só dentro dela se pode rodar e circular"
Porque não ficar na expetativa de que este criativo autor escreva sobre os que ficando fora da roda, da circunferência, para lá da periferia, de longe, a ver as as voltas da roda, livres de raios e com o miolo da cabeça moído farto de rodar para tentar descobrir as voltas, os meios e a forma de penetrar na grande circunferência.
Maravilhoso escrito. Só uma imaginação fértil consegue escrever desta maneira com tanta bola que eu ao ler fiquei enredada numa delas. Parabéns e obrigada por lindo texto.
ResponderEliminar"ao rodar o pensamento à volta das palavras" rodou, rodopiou, mas não ficou enredado, nem tonto, nem enjoado... As palavras rodaram no eixo da matemática e nesse joeirar, sem cessar, multiplicou-se o raciocínio pela criatividade... Resultado: um texto magnífico!
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