EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação
A partir da
publicação do Texto I, aos domingos, e com periocidade semanal, seguir-se-ão
outros integrados numa reflexão sobre CICLOS DE VIDA. Pretende-se uma reflexão
dialogante e que abra horizontes.
Caro leitor, enriqueça este diálogo,
participando com um texto!
Obrigada. O trabalho poderá ser enviado
para o endereço evoluircriativa@gmail.com ou para qualquer outro dos autores do blogue.
TEXTO VI
Graciete
Manangão
O João era viúvo, reformado
dos Caminhos de Ferro (CP), ainda escorreito e de boa aparência, apesar dos 75
anos. Tinha nascido em Cacia, mas após ter perdido a sua mulher, passou a viver
com um dos seus filhos, na Gafanha da Nazaré, pois a casa, terras e parte do dinheiro amealhado, ao longo dos
vários anos, foram distribuídos pelos
seus três filhos.
Começou a ir à pesca quase todos os dias |
Passado algum tempo de luto,
e de atribulada adaptação à nova situação, João pensa em refazer a sua vida.
Começou a ir à pesca, quase todos os dias, de manhã junto ao paredão da
Barra, e à tarde, ia ao café do senhor
Hilário, para conversar ou assistir aos jogos da Sport TV.
Por vezes, ao domingo, ia
almoçar fora com o filho, a nora e o neto adolescente. E, claro, era sempre o
João que pagava o almoço.
Até que um dia se cruzou com
a Maria. Era uma mulher madura, bem constituída, ainda bonita, de cabelo
dourado, tisnada por muito sol da beira-mar. Parecia não ter mais de 45 ou 50
anos, quando se conheceram.
Veio a saber que ela era “marisqueira”,
pois vivia da apanha de bivalves e de isco para a pesca, na ria de Aveiro. De
inverno, dedicava-se mais a vender peixe e legumes, no mercado da Costa Nova.
Maria não saia da cabeça de João |
Maria não saía da cabeça e
do coração de João. Até que um dia encheu-se de coragem e propôs-lhe que se
juntassem, para conforto de um e de outro. Mas Maria queria
muito mais. Desejava ter uma casa, maior e melhor do que aquela onde vivia.
Vivia numa casa arrendada há já vários anos e sonhava vir a ter, um dia, uma
casa em seu nome.
João fez-lhe várias
promessas, na secreta esperança que ela não o abandonasse, na derradeira hora. Pressentindo
os anseios dele, Maria exigiu-lhe que se casasse com ela e, logo que fosse
possível, mudassem para uma casa mais moderna e arejada.
Ele acabou por confessar-lhe
que não tinha dinheiro suficiente para comprar de imediato uma casa nova, como
ela gostaria. Então, resolvem procurar uma casa para alugar, com jardim e
quintal, no campo, nos arredores de Vagos ou Ílhavo.
Uma casa com quintal |
Depois de muito procurarem e
verem, assinam contrato de aluguer de uma casa que se encontrava desabitada há dois
anos. E como fiança legal, João paga dois meses adiantados de renda ao
proprietário da casa em questão.
Mas Maria depressa se
arrependeu de ter assinado aquele contrato. De noite, não conseguia dormir, nem
deixava que João dormisse. Não queria mudar as suas coisas para aquela casa.
Afinal, não era aquilo que ela queria para o seu futuro. Não lhe interessava
herdar uma renda…
Pressionado de dia e de
noite pela mulher, João, quase a chorar, implorou ao senhorio que anulasse
tudo. Rescindiu o contrato, devolveu as chaves que lhe tinham sido entregues e
perdeu o dinheiro da fiança. E concordou em fazer um empréstimo de 80.000 euros
ao Banco, para poderem comprar um apartamento novo, perto de Aveiro, já que uma
casa, como a sua Maria desejava, custaria muito mais do que isso. E, claro, o
apartamento teria de estar em nome dela.
Finalmente, mudam-se. E ela
toda contente, cantando vitória, na sua nova casa.
Mas foi sol de pouca dura,
como diriam as nossas avós. João sentia-se encurralado no apartamento e
sufocado pela dívida contraída. Passados alguns meses, João é vítima de um
fatal enfarte do miocárdio.
Maria, sem filhos, sem
amigos e já sem pais, entra em grave depressão. Deixa de poder trabalhar. Apenas
com a modesta pensão de viuvez e pouco mais, começa a ter muita dificuldade em
pagar mensalmente o empréstimo. O “spread” inicial de 4,5% ( mais “euribor”) já ia em 6,5%. Desiste de lutar e é
obrigada a entregar o apartamento ao Banco.
Não tem outra solução senão
ir morar com uma sobrinha casada, dona de um pequeno restaurante no Algarve,
perto da praia.
O sonho de Maria
desfizera-se, duplamente, em pouco tempo. Ela só queria um aconchego tranquilo
para o resto da sua vida. Mas dentro dela, no meio de nuvens cinzentas
carregadas de medos e incertezas, ainda havia uma réstia de esperança.
... talvez pudesse recomeçar tudo de novo. |
Quem sabe, talvez, pudesse
recomeçar tudo de novo. Ali, junto à ria Formosa...
Uma história com muitas frentes abertas à reflexão. A solidão, e é só um dos fatores, pode levar uma pessoa para o precipício!
ResponderEliminarUma história triste, sobretudo para o João, vítima do egoísmo e irresponsabilidade da Maria que, na ânsia de realizar o seu sonho, se aproveitou dos seus sentimentos e fragilidade
ResponderEliminarUma história que evidencia a cedência e o oportunismo. Infelizmente, igual a tantas outras!
ResponderEliminarInfelizmente existem por aí muitas Marias, que, aproveitando-se da solidão dos seus semelhantes, usam e abusam, deixando atrás um rasto de dor e sofrimento, mas seguindo em frente na perseguição do próximo incauto.
ResponderEliminarÉ a selva em que vivemos.
Há tantos Joões e tantas Marias por aí fora. Por vezes a solidão em que as pessoas se encontram, fá-las pensar como o João, mas infelizmente nem sempre é assim. Também há casos que dão para bem.
ResponderEliminarNão sei se a Maria queria fazer algum mal ao João... Não sei se o João teria sido muito feliz durante a sua vida... O que eu sei é que há Marias que sonham! Será proibido sonhar? O que não deveria ser proibido era que fosse possível alguém ficar encurralado quando o sistema se permite dizer amanhã o contrário do que proclamou hoje.
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