quinta-feira, 9 de maio de 2013

Guarda o que não presta, porque te pode vir a ser preciso.


Revisitar os Provérbios e, com eles, desnudar o Presente

Júlia Sardo
Também fui revisitar os provérbios e tentar tirar deles alguma lição para os dias que vivemos.
Como é costume, vou à escola buscar os meus netos, no fim do tempo letivo. Está um dia de chuva, terrivelmente dolorosa de aguentar. É o tipo de chuva miudinha, que só aborrece e faz uma humidade horrível.
Quem dá sugestões?
Quando chegámos a casa, e depois de merendarem, fizeram os trabalhos de casa; para não irem logo para a televisão, como é hábito, planeámos um passatempo diferente.
Então eu perguntei-lhes:
– Quem dá sugestões?
O Martim foi o primeiro a lembrar-se de um lugar que me é muito querido.
– Ó, vovó, e se fôssemos para o quarto da escada fazer alguma coisa? Estás sempre a dizer que ele te traz belas recordações…
– Boa. Diz o Levi.
– Ó meninos, eu sugiro ainda mais; por que não vamos até ao sótão bisbilhotar alguma coisa? Pode ser que tenhamos algumas surpresas.
– Ó, vovó, e consegues subir as escadas?
– Vou tentar subir degrau a degrau, agarrando-me ao corrimão.
– O que é o corrimão? Pergunta o Levi.
– É aquela parte de madeira onde as pessoas se podem segurar – explica o Martim.
Lá subimos devagar, sendo eu a última. Quando chegámos, foi uma explosão de alegria.
Baús e malas de cartão antigos
Como só tínhamos a luz da claraboia, foi um pouco difícil começarmo-nos a habituar à penumbra.
Depois de nos termos habituado, foi um tal descobrir baús e malas de cartão antigas.
– Ó, avó, posso abrir esta mala para ver o que está dentro?
– Claro que podes. Tem cuidado ao abrires, pelo tempo que estiveram fechadas, deve ser difícil.
O Martim abriu o baú e explodiu de alegria.


– Olha, tantas carteiras e chapéus de senhora tem esta mala; de quem eram?
Levava  um chapelinho a condizer
com os sapatos
– Eram da minha avó, outras eram minhas… sabem filhos, no tempo em que eu namorava, quando ia a algum casamento ou até a alguma festa mais chique, levava um chapelinho a condizer com os sapatos e com as luvas.
– Então, e se estivesse muito calor também levavas luvas, vovó? – perguntou o Levi.
– Levava, só em vez de serem de pelica eram de renda.
– Pelica? O que é isso? – tornou a perguntar.
– Era uma pele muito fininha, que aproveitavam do resto das peles dos animais que caçavam e serviam para fazer casacos para as senhoras.
– Pobres animais; Então matavam-nos para servirem de luxos para certas pessoas?
– Infelizmente era mesmo assim, filho. Agora já é proibido fazer tal barbaridade.
– Olha, nesta mala estão tantas roupas antigas.
Era com roupas antigas que
jogávamos o Carnaval
– Sabem, nesse tempo, a vida era difícil e então guardava-se tudo o que não estava a ser utilizado, porque podia vir a ser preciso. Era com roupas mais antigas que nós jogávamos o carnaval ou até brincávamos às senhoras. Os mais pequenos vestiam a roupa de adulto e as meninas calçavam os sapatos altos e punham um chapelinho na cabeça. Quantas eram as vezes que se torciam os pés e era cada tombo…
– Ó, avó, estão aqui coisas tão bonitas… podemos cá vir mais vezes?
– Podem vir quando quiserem. Já está a ficar um pouco escuro. Vamos para baixo e noutro dia, em que não haja sol, vimos para o sótão recordar as coisas do tempo da avó.
– Vamos arrumar tudo Levi.
– Gostámos tanto de ver estas fatiotas e gostámos de ver a tua cara de alegria ao explicar-nos o que viveste, como as pessoas se vestiam e como eram poupadas.
– Para mim foi mesmo um grande prazer, filhos.


6 comentários:

  1. Mas de certeza não ficaste só por mostrares aos teus netos as tuas reliquias antigas. E quantas recordações não estão em cada chapéu, em cada vestido...
    E a nossa vida também é composta destes momentos...
    E também são estes momentos que nos fazem bem, apesar de serem vividos com uma certa nostalgia.
    Obrigada Julinha por este bocadinho

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  2. Sempre que o Evoluir publica um trabalho da Julinha fico deliciada com a forma carinhosa e afável como nos transmite recordações, memórias e lembranças. Concordo com a Maria quando diz que também lhe deve dar um prazer enorme recordar estas vivências e ter a felicidade de o poder fazer com os seus netos. Vamos Julinha, venha daí outro!

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  3. Para além do prazer que sentiste, quer a reviver quer a escrever, houve ainda uma grande aprendizagem para os teus netos: eles,de certeza, ficaram a conhecer-te melhor e a dar valor ao saber que a vida vai acumulando em cada pessoa. Que boa interpretação deste ao provérbio!

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  4. Recordar outros tempos... Outros hábitos... Outras vivências... A palavra escrita projeta para sempre uma realidade. Neste lindo texto damos-nos conta de que refere uma época sem o consumismo desenfreado que nos asfixia.

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  5. Adorei, Julinha. Senti-me transportada ao sótão dos meus avós maternos. Quantas peças de teatro lá representámos! Os fatos antigos, adereços inusitados e muita muita imaginação! Também eu tenho um sótão que os meus netos gostam de explorar com a emoção de quem abre um cofre mágico onde estão guardados os tesouros familiares.

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  6. Julinha, só tu para me fazeres reviver a minha juventude, o brincar às casinhas, vestir roupa e sapatos altos de mãe, mas, também o vestir do que considerávamos chique para ir aos casamentos. Era uma festa, que bom que pudeste dar a conhecer aos teus netos como vivíamos na nossa meninice. Parece que agora as coisas já não têm o mesmo valor.
    Obrigada por este bocadinho.

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