terça-feira, 26 de março de 2013

O Pai Natal existe



Maria Jorge
Bela viveu no seio duma família remediada. Talvez por o seu pai ser uma pessoa pouco presente, uma vez que era embarcado nos barcos de bacalhau e, naquela época, passava meses consecutivos nos bancos da Terra Nova e Gronelândia, a cumplicidade deles era muito grande e o tempo que passava em terra era pouco para estarem juntos, recuperando da ausência, e matarem saudades. No que se refere à mãe, pessoa austera e fria nunca lhe deu liberdade para criar amizades. Nunca recebeu um carinho ou um beijo de boa-noite.
Talvez pelo ambiente familiar e por ter sido tão oprimida pela mãe, Bela era uma criança rebelde e desobediente. Já mulher era muito introvertida e o seu semblante era carregado, aparentando frieza.
Constituiu família e pensa ter sido feliz durante alguns anos. Vivia exclusivamente para a sua nova família e para o trabalho. Amigos? Poucos e esses tinham vindo através do marido, pessoa muito extrovertida e o oposto de Bela.
E, como tudo tem um fim, também o seu casamento acabou. Demorou muito tempo a recompor-se. O castelo que demorou tantos anos a construir e pelo qual tanto lutou, ruiu apenas de um dia para o outro. Sofreu, cometeu erros, alguns grandes, outros enormes. Julgava-se um farrapo, olhava-se ao espelho e não gostava do que via. Afinal porque acreditava tanto nas pessoas que se cruzavam com ela?
“A partir de hoje, vou ser uma pessoa diferente, não vou ser mais enganada, as pessoas não merecem nada” – pensava Bela, mas… só pensava. No outro dia estava a cometer, se não os mesmos, outros erros de menor importância. Porque o seu semblante carregado aparentando frieza esconde um coração carente de afeto e amor ao próximo.
Há poucos anos Bela conheceu um casal que vivia em união de facto. Pouca afinidade tinha com eles, escondia-se um pouco na sua concha.



Subitamente o homem adoeceu e Bela prontamente foi ter com eles oferecendo-se para os ajudar naquilo que fosse preciso. Talvez para não incomodarem, sempre recusaram educadamente. Mas um dia, e há sempre um dia, precisaram de ir ao IPO a Coimbra. Humildemente pediram a Bela para os acompanhar. Acedeu prontamente, desmarcando compromissos que tinha, dizendo que, sempre que precisassem de se deslocar, podiam contar com ela.
Indiferente ao mundo cruel que a rodeia, Bela é assim mesmo. Por detrás daquela máscara, está um coração sensível … quantas vezes amargurado. Uma pessoa que, sempre com um sorriso nos lábios, está pronta e disponível para ajudar quem precise.
Ontem, talvez um pouco envergonhados, o casal bateu-lhe à porta. Precisavam de uma testemunha, porque iam casar. Essa testemunha, só podia ser ela depois de tudo que tem feito e continua a fazer por eles.
Ambos divorciados de matrimónios anteriores e com descendentes, vivem há nove anos juntos. A mulher, estrangeira, tem sido duma dedicação ímpar a este homem. Meteu baixa clínica para cuidar do seu companheiro, não recebendo o respetivo subsídio, porque a lei não o permite, mas pelo menos está numa situação legal perante a entidade patronal. Ele, com cancro maligno na próstata e talvez consciente do seu fim próximo, reconhecendo o que esta mulher tem feito por ele e que, com a sua morte, ficará desprotegida, quis oficializar a situação
Hoje Bela foi testemunhar. Estava muito feliz e comovida. Deu consigo a pensar que vale a pena ser como é, cheia de afetos e de amor pelo próximo, mesmo que muitas vezes não seja correspondida.
Porque, aos 65 anos é bom e gratificante acreditar que o Pai Natal existe.

6 comentários:

  1. Maria, para comentar este texto,eu vou usar uma citação "Deu consigo a pensar que vale a pena ser como é, cheia de afetos e de amor pelo próximo, mesmo que muitas vezes não seja correspondida."
    Que bom olhares-te no espelho e veres-te, sem máscara, como és: Bela.

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    1. Obrigada Fernanda. Comovi-me muito ao ler o seu comentário. Usa sempre as palavras corretas.

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  2. Eu não acredito que o Pai Natal exista! Será por não ter ainda 65 anos? Apesar disso, gosto de coexistir com a "diferença". A nossa prática, de todos os dias, é o que conta, com pai natal ou sem Ele.

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  3. Uma publicação com nome: Maria! Não, não me enganei, eu sei que a protagonista se chama Bela mas para mim ela é a Maria que eu conheço: simples, sincera, amiga do seu amigo e até do seu inimigo. Só não lhe pisem os pés por favor porque aí a Maria deixa de ser Bela e aí de nós e... dela!
    E depois ainda bem que a magia do Pai Natal se prolonga pelos 365 dias do ano inteiro - assim vale a pena ser Pai Natal!

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  4. Ao ler o teu texto,visualizei a vida da Bela.Realmente era essa a impressão que havia da Bela de então. Hoje, essa Bela
    desbloqueou e deixou sair a linda Bela que era desconhecida de algumas pessoas. Pois é minha amiga; continua com a tua magia.

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  5. Quem se disponibiliza tão prontamente para ajudar o próximo, em dificuldades, partillhando as suas dores e sente, como seus,os momentos de felicidade dos outros chame-se Bela ou Maria é um belo ser humano. Continue a promover o Amor, Maria.

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