segunda-feira, 4 de março de 2013

EMOÇÕES


Maria Jorge

Durante muitos anos, Maria viveu num apartamento em que, por necessidade, fechou as varandas, transformando-as em mais espaço aproveitável.
Quando a sua vida se modificou e ficou sozinha, deram-lhe uma cadela, ainda bebé, para lhe fazer companhia.
Foi então que se iniciou uma vivência a duas. Maria levava a Becky à rua para o seu passeio higiénico duas vezes por dia. Como era de pequeno porte, habituou-a a andar sem trela e sempre do lado de dentro do passeio.  Maria e Becky foram amigas inseparáveis durante quinze anos e meio. Por graça, mas com muita seriedade, costumava dizer que era a sua sombra. Sabia quando a dona saía para trabalhar e, portanto, ficava sozinha em casa. Quando chegava o fim de semana já podia sair e passear de carro: era altura de estarem sempre juntas. E como ela sabia tão bem o que se iria passar…Uma não vivia sem a outra. Partilhavam todas as emoções fossem de tristeza ou de alegria. Becky era a sua confidente e como lhe era fiel !!! Se Maria não estava bem psicologicamente, Becky dizia-lhe, à sua maneira, para não ficar triste não saindo do redor dela; se por algum motivo Maria chorava, pedia-lhe colo e secava-lhe as lágrimas, lambendo-lhe a cara. Quando, por qualquer problema de saúde, Maria tinha de ficar retida na cama, ficava ali sem perder, por um instante, a sua dona. E como ela se deliciava, toda enroscada no seu colo a verem televisão …E na cama? Faziam cadeirinha as duas.

Passados alguns anos, Maria reformou-se e teve a oportunidade de se mudar para uma casa com pátio e quintal. Becky, já com idade avançada, estava muito doente, com stresse disse o médico. Mas rapidamente começou a melhorar, e, talvez agarrada à vida que a dona lhe poderia proporcionar, depressa recuperou.
De algumas pessoas, ouviu diversas opiniões: de umas, que comprasse uma casota para ficar no pátio, uma vez que já tinha espaço, cão não se queria dentro de casa; de outras, Becky estava muito mal habituada, a Maria tinha-a educado muito mal; de outras ainda, brincando ou talvez não, gostava mais dela que das pessoas. Respondia sempre que realmente era verdade, tinham de aceitar a sua cadela, ambas faziam parte do pacote.
Estávamos em março e a primavera estava prestes a chegar. Os dias começaram a ficar bonitos e o sol a querer espreitar pelas frestas das portas e janelas. Becky, já muito velhota, enfraquecida e com muita dificuldade em andar, procurava o sol para se poder aquecer. Queria aguentar mais um dia, ainda não queria partir, não podia separar-se da dona. Era uma luta titânica, ambas o admitiam muito embora o silêncio imperasse.
Nos últimos dias Maria passava horas infindas com a Becky ao colo, toda enroscada e a dar-lhe muitos miminhos, tinha necessidade de fazer isso antes que fosse tarde demais.
Naquele dia, ao acordar, sentou-se na cama e pensou. Como iria ser o dia de hoje? Seria mais um dia de vida? Onde se teria escondido? Estranha forma de viver. Becky não queria que a sua dona a visse morrer. O seu fim estava próximo e ambas sabiam disso, muito embora não o quisessem admitir, bastava um olhar de cumplicidade.
E, uma vez mais, depois de se ter levantado, foi à procura da Becky. Chamou-a, mas não a viu vir ao seu encontro. Assustou-se por não a encontrar e não ter respondido ao seu chamamento. Começou a ficar preocupada. Procurou-a em diversos cantos da casa e, finalmente, foi encontrá-la na parte de trás da máquina de lavar roupa. Com muita dificuldade tirou-a. Por que se teria escondido lá? Era o último recanto onde pensaria que poderia estar. Ficou intrigada e procurou respostas para as suas dúvidas. Fez-se luz e só podia ter um motivo. A sua hora estava muito próxima e não queria que a dona a visse partir.
Maria era contra a eutanásia, queria que morresse por ela própria, mas era impossível continuar com a situação, ambas estavam num sofrimento profundo. A muito custo, pegou no telefone e chamou a veterinária.
Levou-a embrulhada no seu cobertor para no outro dia a trazer como que a dormir.
E, porque a dona não quis cortar o cordão umbilical com um dos grandes amores da sua vida, arranjou um cantinho no seu jardim demarcando-o com duas roseiras.
Pessoas disseram-lhe: era só um cão. Seria? Não, não era. Era muito mais do que isso.
Com estas linhas, Maria quer fazer uma homenagem singela à sua companheira de muitos anos pela sua dedicação, fidelidade e bons momentos que lhe proporcionou.
Para todas as pessoas que, tal como ela, vêm os animais de estimação como parte integrante da família, o seu muito obrigado por a compreenderem.
Para outros, pensem muito bem antes de chegarem as férias de verão. Não abandonem os vossos amiguinhos à sua sorte. É degradante ver estes animais, que outrora se viam de pelo bonito, cuidado e bem cheiroso, andarem à deriva pelas ruas, esperando que alguma pessoa de bom coração os apanhe e os leve para sua casa para, quantas vezes, fazer companhia aos muitos que já lá estão. E não é de espantar ou estranhar que estes animais fiquem eternamente reconhecidos por tal atitude e ainda mais amigos e dedicados aos seus novos donos.
Infelizmente, nem todos têm a mesma sorte. Para a maior parte deles, o seu fim é no canil da cidade para, tal como tantos outros, terem o mesmo destino.
Apesar de estarmos a viver dias tão difíceis, vamos todos ter mais respeito pelos nossos animais de estimação?

5 comentários:

  1. Só uma pessoa com uma sensibilidade á flor da pele podia ter escrito assim com tanta ternura e tanto sentimento. Um animal não é uma pessoa mas pode ser um amigo, um companheiro que se dá incondicionalmente. Saibamos nós ser dignos dessa dádiva.

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  2. Entendo, finalmente, que o teu GASPAR é diferente, talvez priviligiado, por ter uma Dona (amiga) como tu. A história da tua BECKY é mais uma que fico a conhecer... Há ainda muito por descobrir sobre os animais, principalmente, no que diz respeito a comportamentos. Sou muito interessado por este tema. Nunca deixes de ter um animal. Eles precisam de pessoas como tu!

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  3. PARA OUTROS, PENSEM MUITO BEM ANTES DE CHEGAREM AS FÉRIAS DE VERÃO. NÃO ABANDONEM OS VOSSOS AMIGUINHOS À SUA SORTE.
    Eles não são nem recicláveis, nem bonecos descartáveis depois de satisfeito um capricho!

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  4. Bem haja pela partilha de emoções e, sobretudo, pelo exemplo de amor aos animais.

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  5. Sim Maria, emocionei-me com a descrição da vida maravilhosa que a tua cadelinha teve junto de ti. É verdade; os animais são amigos incondicionais. Emocionei-me, porque no domingo, também morreu o meu Rex, também já velhinho. Fui a companheira dele desde bebé. Gostei muito do teu texto.

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