Maria
Jorge
Durante
muitos anos, Maria viveu num apartamento em que, por necessidade, fechou as
varandas, transformando-as em mais espaço aproveitável.
Quando
a sua vida se modificou e ficou sozinha, deram-lhe uma cadela, ainda bebé, para
lhe fazer companhia.
Foi
então que se iniciou uma vivência a duas. Maria levava a Becky à rua para o seu
passeio higiénico duas vezes por dia. Como era de pequeno porte, habituou-a a
andar sem trela e sempre do lado de dentro do passeio. Maria e Becky foram amigas inseparáveis
durante quinze anos e meio. Por graça, mas com muita seriedade, costumava dizer
que era a sua sombra. Sabia quando a dona saía para trabalhar e, portanto,
ficava sozinha em casa. Quando chegava o fim de semana já podia sair e passear
de carro: era altura de estarem sempre juntas. E como ela sabia tão bem o que
se iria passar…Uma não vivia sem a outra. Partilhavam todas as emoções fossem
de tristeza ou de alegria. Becky era a sua confidente e como lhe era fiel !!!
Se Maria não estava bem psicologicamente, Becky dizia-lhe, à sua maneira, para
não ficar triste não saindo do redor dela; se por algum motivo Maria chorava,
pedia-lhe colo e secava-lhe as lágrimas, lambendo-lhe a cara. Quando, por
qualquer problema de saúde, Maria tinha de ficar retida na cama, ficava ali sem
perder, por um instante, a sua dona. E como ela se deliciava, toda enroscada no
seu colo a verem televisão …E na cama? Faziam cadeirinha as duas.
Passados
alguns anos, Maria reformou-se e teve a oportunidade de se mudar para uma casa
com pátio e quintal. Becky, já com idade avançada, estava muito doente, com
stresse disse o médico. Mas rapidamente começou a melhorar, e, talvez agarrada
à vida que a dona lhe poderia proporcionar, depressa recuperou.
De
algumas pessoas, ouviu diversas opiniões: de umas, que comprasse uma casota
para ficar no pátio, uma vez que já tinha espaço, cão não se queria dentro de
casa; de outras, Becky estava muito mal habituada, a Maria tinha-a educado
muito mal; de outras ainda, brincando ou talvez não, gostava mais dela que das
pessoas. Respondia sempre que realmente era verdade, tinham de aceitar a sua
cadela, ambas faziam parte do pacote.
Estávamos
em março e a primavera estava prestes a chegar. Os dias começaram a ficar
bonitos e o sol a querer espreitar pelas frestas das portas e janelas. Becky,
já muito velhota, enfraquecida e com muita dificuldade em andar, procurava o
sol para se poder aquecer. Queria aguentar mais um dia, ainda não queria
partir, não podia separar-se da dona. Era uma luta titânica, ambas o admitiam
muito embora o silêncio imperasse.
Nos
últimos dias Maria passava horas infindas com a Becky ao colo, toda enroscada e
a dar-lhe muitos miminhos, tinha necessidade de fazer isso antes que fosse
tarde demais.
Naquele
dia, ao acordar, sentou-se na cama e pensou. Como iria ser o dia de hoje? Seria
mais um dia de vida? Onde se teria escondido? Estranha forma de viver. Becky
não queria que a sua dona a visse morrer. O seu fim estava próximo e ambas
sabiam disso, muito embora não o quisessem admitir, bastava um olhar de
cumplicidade.
E,
uma vez mais, depois de se ter levantado, foi à procura da Becky. Chamou-a, mas
não a viu vir ao seu encontro. Assustou-se por não a encontrar e não ter
respondido ao seu chamamento. Começou a ficar preocupada. Procurou-a em
diversos cantos da casa e, finalmente, foi encontrá-la na parte de trás da
máquina de lavar roupa. Com muita dificuldade tirou-a. Por que se teria
escondido lá? Era o último recanto onde pensaria que poderia estar. Ficou
intrigada e procurou respostas para as suas dúvidas. Fez-se luz e só podia ter
um motivo. A sua hora estava muito próxima e não queria que a dona a visse
partir.
Maria
era contra a eutanásia, queria que morresse por ela própria, mas era impossível
continuar com a situação, ambas estavam num sofrimento profundo. A muito custo,
pegou no telefone e chamou a veterinária.
Levou-a
embrulhada no seu cobertor para no outro dia a trazer como que a dormir.
E,
porque a dona não quis cortar o cordão umbilical com um dos grandes amores da
sua vida, arranjou um cantinho no seu jardim demarcando-o com duas roseiras.
Pessoas
disseram-lhe: era só um cão. Seria? Não, não era. Era muito mais do que isso.
Com
estas linhas, Maria quer fazer uma homenagem singela à sua companheira de
muitos anos pela sua dedicação, fidelidade e bons momentos que lhe proporcionou.
Para
todas as pessoas que, tal como ela, vêm os animais de estimação como parte
integrante da família, o seu muito obrigado por a compreenderem.
Para
outros, pensem muito bem antes de chegarem as férias de verão. Não abandonem os
vossos amiguinhos à sua sorte. É degradante ver estes animais, que outrora se
viam de pelo bonito, cuidado e bem cheiroso, andarem à deriva pelas ruas,
esperando que alguma pessoa de bom coração os apanhe e os leve para sua casa
para, quantas vezes, fazer companhia aos muitos que já lá estão. E não é de
espantar ou estranhar que estes animais fiquem eternamente reconhecidos por tal
atitude e ainda mais amigos e dedicados aos seus novos donos.
Infelizmente,
nem todos têm a mesma sorte. Para a maior parte deles, o seu fim é no canil da
cidade para, tal como tantos outros, terem o mesmo destino.
Apesar
de estarmos a viver dias tão difíceis, vamos todos ter mais respeito pelos
nossos animais de estimação?
Só uma pessoa com uma sensibilidade á flor da pele podia ter escrito assim com tanta ternura e tanto sentimento. Um animal não é uma pessoa mas pode ser um amigo, um companheiro que se dá incondicionalmente. Saibamos nós ser dignos dessa dádiva.
ResponderEliminarEntendo, finalmente, que o teu GASPAR é diferente, talvez priviligiado, por ter uma Dona (amiga) como tu. A história da tua BECKY é mais uma que fico a conhecer... Há ainda muito por descobrir sobre os animais, principalmente, no que diz respeito a comportamentos. Sou muito interessado por este tema. Nunca deixes de ter um animal. Eles precisam de pessoas como tu!
ResponderEliminarPARA OUTROS, PENSEM MUITO BEM ANTES DE CHEGAREM AS FÉRIAS DE VERÃO. NÃO ABANDONEM OS VOSSOS AMIGUINHOS À SUA SORTE.
ResponderEliminarEles não são nem recicláveis, nem bonecos descartáveis depois de satisfeito um capricho!
Bem haja pela partilha de emoções e, sobretudo, pelo exemplo de amor aos animais.
ResponderEliminarSim Maria, emocionei-me com a descrição da vida maravilhosa que a tua cadelinha teve junto de ti. É verdade; os animais são amigos incondicionais. Emocionei-me, porque no domingo, também morreu o meu Rex, também já velhinho. Fui a companheira dele desde bebé. Gostei muito do teu texto.
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