sábado, 19 de março de 2016

Não sei que te diga, nem sei se te diga

Albertina Vaz 


Não sei que te diga, nem sei se te diga.
Não sei se sou capaz de falar das palavras, dos dias que corremos juntos, que passeámos de mão dada junto ao rio, que te ouvi e me ouvi, em que te confessei segredos, em que partilhámos sonhos, em que seguraste a minha mão e me levaste a transpor um degrau difícil, um obstáculo penoso.
aquela mão que me segurava
Não sei se sou capaz de recordar aquele sorriso dos teus olhos, aquela mão que me segurava, ou a tua voz grave que me prevenia dos caminhos tortuosos e serenava as minhas dúvidas quando o desconhecido me assustava ou o ignoto me atraía. 
Não sei se vou conseguir esquecer aquelas manhãs de sol, as gaivotas a circularem à nossa volta e os patos em fila a fugirem perseguidos pelo gato e tu e eu a rirmos até cairmos numa alegria feita esperança e sol nascente.
Não sei se ainda me lembro daqueles dias em que as nossas vozes se cruzavam e se digladiavam discordando e discutindo como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, ou mesmo naquele dia. Não sei se me recordo dos dias em que nos deitámos de costas voltadas e de testa enrugada como se nunca mais houvesse possibilidade de voltarmos a apertar as nossas mãos.
Não sei se vou esquecer aquele circo repleto de animais e palhaços e acrobatas a que assistíamos juntos saboreando a magia de que tanto gostávamos e o feitiço duma noite diferente em que a tua mão prendia a minha e eu vivia o sonho de estar contigo e estarmos juntos.
Não sei se ainda me lembro da primeira vez que me levaste a ver um filme com uma história de fantasia em que a quimera se transformava em devaneio e a utopia se instalava sem receio, como se a vida de cada um de nós se esgotasse ali, naquele segundo, naquele instante.

domingo, 13 de março de 2016

Mulher

Isabel Maria 

Ouvi teu grito
e chorei!
Com o teu lamento
estremeci
Mas cantei
quando tu cantaste               
Teu querer é infinito
e com o teu sorriso                   adormeci!...

Tuas mãos afáveis e meigas
São doces como o luar!
Macias como o veludo
E a fragância do mar!...

No silêncio da Natureza
abriu-se um botão em flor!
Também tu, mulher,
dás vida ao mundo
com tanta beleza e amor!...

Mulher
cheia de afecto e doçura
Teu querer é infinito!
Ultrapassa mares e montanhas
Em busca dum grito aflito!...

Isabel Maria ©2016,Aveiro,Portugal

segunda-feira, 7 de março de 2016

De flor se escreve Mulher

Albertina Vaz 

Um dia vou sair por aí, bem de madrugada, a colher as flores que brotam da terra esventrada, onde um pingo de chuva fez nascer uma pétala florida. E vou ficar espantada ao desvendar a menina, feita margarida (flor da inocência), que surge do nada e cresce sem dar por isso. E vou perceber que, um dia, ela se veste de anis e acredita numa promessa que caiu do céu, em dia de bonança. Depois, na asa de um pensamento, vou colher um amor-perfeito e a menina será mulher. Aí, vou correr, a pé, pela estrada deserta e descobrir que cada mulher se traja de açucenas, numa angústia de fim de tarde, quando a calma tem cheiros a alfazema e a vida a obriga a colher flores de alecrim que lhe asseguram a coragem premente, num tempo em que o trabalho faz escravos sem direitos nem leis.

Mulher romance, numa amurada, olhando a onda que se desfaz num quase nada, numa campânula feita admiração dos que a vêem e não perdoam o ciúme dum ciclâmen ou o poder duma coroa imperial. E vou cantar a felicidade e passear por entre as flores do campo que quebram a brisa e adoçam a mulher que corre, corre, sem dar por nada ou sem o querer.

Depois, agarra um gladíolo, como um encontro desejado e ergue-se orgulhosa num girassol que se alteia diante da desgraça e se renega quando a rosa branca, menina inocência, vagueia por aí vestindo-se de simplicidade e denudando-se diante da sua irmã a rosa vermelha, senhora paixão.

E lá vai, feita dente de leão, flor da vida, com uma dália ao peito, flor da delicadeza, e um amor ardente dum cravo branco, bem dentro do seu coração. Mulher desejo, mulher beleza, mulher música, mulher certeza e multidão. É nas esquinas, nos becos, no escuro da noite, à beira da estrada que vende o seu corpo e chora aterrada, feita flor de laranjeira, em dia cinzento, que o nevoeiro esmagou na mão. E aquela mágoa vai com ela, pela estrada fora, vai a correr e de mansinho, vai devagar, passa o caminho.

E de mulher se renova em mãe e aceita ser jasmim, flor da bondade sem fim. Colhe um crisântemo branco, flor da verdade e cobre-se com uma dália rosa, cheia de delicadeza. E dias há em que a tristeza a invade e corre a esconder-se num jacinto que se admira num riacho, ou num junquilho que se entrelaça sobre si mesmo e fica para ali a balbuciar violetas e a querer lealdades.

E mulher é mudança e medo e melancolia e mentira e verdade e acaso e afeição. E mulher é amante e rosa vermelha, paixão que germina numa angústia, numa ansiedade, numa ausência dum caminho que se cruza e se trança numa multidão feita criança, num coração ou numa crença duma felicidade que o futuro apetece ou quer.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O Actor


Vitor Sousa



Vistam-se os feitiços
Com adereços do esmero
Encimados de cúpula e chapéu.
Pisa o teu palco.
Avance o cenário das miragens
Com muita cor, lua e água limpa.
Tragam escritos de viagens.
Declamem-se etéreas, as paisagens
Açudes negros e profundos.
Medos e ódios imundos.
Amores rosa e violeta
Em clareiras de água benta.
Não te quede o coração
Perante o correr do tempo
Por cansaço ou ilusão
Desgaste ou humilhação.
Perde o teu ar moribundo
E ousa mudar o mundo!
Troca o fio ao sentimento.
Ao racional e ao vento.
Remexe na tradição.
Eleva o teu pensamento
Na procura do encanto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

COMO TUDO COMEÇOU!!!

Idalinda Dinis Pereira


Há muitos anos atrás, eram muitos os óvulos que viviam nos seus ovários, mas, um deles amadureceu e rebentou transformando-se em corpo amarelo. Vivia triste coitado, num mundo incompreendido.
Uma vez por mês, assomava à janela, pois queria companhia… Mas, impossível!.. Estava condenado a viver um curto período de tempo. E, tristemente, recolhia-se à sua humilde casinha, mergulhado numa imensa solidão!.. Tal era a sua dor, que derramava lágrimas de sangue, mas só uma vez por mês.
O milagre da vida
Todos os meses isto se repetia, e lá estava o corpinho amarelo na esperança de encontrar alguém que o compreendesse e lhe fizesse companhia… Até que, um dia, fez-se luz! E no céu apareceram milhões e milhões de visitantes em constante correria e alta concorrência para ver qual deles conquistaria o corpinho amarelo, pois só um podia ser o vencedor.
Corpinho achou aquelas figuras muito estranhas… Com uma cabeça oval e uma cauda tão comprida e disforme que, aos seus olhos, não servia para sua companhia nem tão pouco para tirá-lo daquela solidão! E assim, mais uma vez, teria que voltar à sua casa e derramar aquelas lágrimas sanguíneas, provocando-lhe uma dor incomportável.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

LOUVY


Conceição Cação 


Aquele frango a rodar, douradinho, ali mesmo à frente dos olhos. Sentava-se a contemplar o petisco, não arredava pé, ali ficava quietinho, só os olhos acompanhando o movimento rotativo do espeto. Tão perto e tão longe! O cheiro apetitoso enchia a cozinha e invadia-lhe as narinas, mas a robustez daquele vidro tornava o forno uma fortaleza inexpugnável. Uma provocação! Eles comiam do bom e do melhor e para ele sempre aquela ração. Que era a recomendada pelo veterinário, que tinha os nutrientes certos para se manter saudável e patati patatá. Pois sim, estava farto dessa conversa. Nas suas longas horas de lazer, a ampla cabeça repousando na almofada do Mickey surripiada do quarto das miúdas,  começou a congeminar uma ideia… E tomou uma decisão. Naquele dia, após o passeio matinal, recusou-se a tomar o pequeno almoço – a imagem daquela carninha suculenta povoava-lhe o cérebro, absorvia-lhe por completo o pensamento, só de olhar para aquela mistela pardacenta ficava com o estômago em rebuliço.
...ficava com o estômago em rebuliço
– Que se passa, Louvy? Estás sem apetite?
– Ão, ão, ão…
Tentou uma entoação de protesto, mas sem sucesso. Vendo bem, melhor assim – não levantaria suspeitas. Fingindo dormitar, ficou à espera duma oportunidade. E ali estava ela: depois de temperar uns bifinhos de vitela bem tenrinhos, a Belita foi à porta. Era uma vizinha. O cheiro inundava o corredor… Não havia que hesitar, não podia recusar essa dádiva do destino. Hum! Que aspeto delicioso! Mesmo crus, aposto que não são menos saborosos que o frango. E comeu, comeu, saboreando cada bocadinho como se fosse a satisfação dum último desejo dum condenado.
Ao regressar, a dona encontrou-o a tremer, a tremer descontroladamente.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

NA LUZ DO TEU OLHAR

Maria Celeste Salgueiro



Com a janela aberta
Eu estava suspensa
Em silêncios de espera...
Era uma noite calma,
Noite de Primavera
Que fazia sonhar...
O ar estava parado,
Não se ouvia um ruido.
A lua derramava a sua luz
Nas pedras da calçada.
Não havia ninguém
Na sombra rente ao muro
Lembrando uma serpente.
Mas eis que, de repente,
O vulto que eu esp´rava apareceu.
Um som surdo de passos
Encheu a minha rua
Até que tu surgiste
Em frente da janela
Aberta par em par.
Meu coração bateu
Num ritmo apressado
Para depois parar.
E nessa noite calma,
Noite de Primavera
Brilhante de luar,
Deixei de estar suspensa
Em silêncios de espera
Para ficar suspensa
Na luz do teu olhar!...


Maria Celeste Salgueiro ©2016,Aveiro,Portugal

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O PODER NÃO TEM ASAS

Albertina Vaz 


Vagueava pelas ruas da cidade admirando-se por não se cruzar com ninguém. Está cada vez mais só e mais cinzenta a cidade dos homens. Dos homens? Ou dos animais feitos homens? Ou dos homens que parecem animais?
Gostava de admirar uma narceja
Lá estava ele – sempre filosofando como se as narcejas não estivessem ali. E estavam, bem visíveis e bem altivas. Gostava de admirar uma narceja, no seu esplendor recatado, de quem sabe que o é e não aceita que lho digam. Era assim que avistava aquela ave, quando, de manhã, abria a janela do quarto e abraçava mais um dia.
Travava os olhos devagarinho e, pelas frinchas semicerradas, perscrutava o horizonte e descia do longe até junto de si – era aí que encontrava sempre a narceja residente que, queiramos ou não, teimava em não sair dali.
Conjeturara muitas vezes porque é que aquela ave permanecia ali. Às vezes pensava que era o mar que a prendia, outras, imaginava algum macho furtivo que viria de noite, quando todos dormiam, fazer-lhe a corte e desafia-la para voos de terras distantes e mares de paragens longínquas. Mas não – ela ali ficava envelhecendo como tudo à sua volta.
Nem sei mesmo se se dava conta de que o tempo ia passando porque se mantinha,
Valia a pena continuar a esperar?
estática e serena, de olhar parado e ouvido à escuta de alguma coisa ou de alguém que havia de já ter chegado. Mas ainda cá não está. Será que virá algum dia?
Ali à volta tudo parara no tempo e mesmo que alguém resolvesse chorar, doendo de tanto sofrer, ninguém daria conta nem ninguém correria a saber de que se tratava – era como naquelas cidades grandes, onde o barulho camuflava os sentimentos e os pássaros emigravam para longe.
Valeria a pena continuar a esperar? A narceja esperava calmamente cada dia que voltava sempre mesmo depois de uma longa noite, quando a lua se não via e no céu as estrelas deixavam de tremelicar. A narceja estava ali como dantes, quando as ruas tinham cravos e as portadas das janelas se iluminavam cada dia com um tumulto de corridas de roda e risos de crianças, que iam e vinham, apertando num abraço a cidade, num laço que se prende e que não se solta sem dor.

sábado, 30 de janeiro de 2016

O Boby

José Luís Vaz 


Havia um caçador que, durante a sua vida, teve vários cães. Um, o Boby, era muito especial para o dono, nem tanto para as outras pessoas. Era astuto, ladino e muito leal, só com o dono e traiçoeiro e manhoso com qualquer outra pessoa. Aquele homem tinha um orgulho enorme naquele animal, que descrevia como um verdadeiro cão de caça, tal a sua eficiência e astúcia em pleno mato. Ele corria, farejava tudo, entregava, com raro despacho, coelho ou perdiz ao caçador que o mimava com festas no focinho. Boby respondia com exuberante ladrar e saltos de satisfação.
 
Normalmente, pregava-a pela calada
        No dia a dia, passava o tempo junto à habitação do dono, num pequeno quintal que não lhe chegava, transpondo muros ou portões para policiar a rua. Aqui, o caso tornava-se muito sério, quando, por ventura, não lhe agradasse quem fosse a passar. Pessoas mal vestidas ou fardadas corriam sério risco ao tentarem passar e, muitas vezes, perante o ladrar típico de pretensa agressão, dono ou algum familiar vinham à porta para o chamar e ralhar com ele.
      Se bem que era perigoso para qualquer pessoa da casa aproximar-se da mesma durante a noite, porque ele só era leal ao dono, apesar de tudo, com uns raspanços, lá continuava, contra a vontade da esposa do caçador, que temia por algo de grave que pudesse acontecer.
        Normalmente, pregava-a pela calada, e desde ter rasgado as calças a um polícia, a batina a um padre, ter urinado nas pernas de uma senhora que, calmamente, conversava com a dona, a ter, repetidamente, feito correr um mendigo a sete pés, ele fez de tudo um pouco. O pouco tornou-se muito no dia em que rasgou a saíta de uma netinha da casa com apenas quatro anitos.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

UM SORRISO

Maria Celeste Salgueiro

E tenho ainda o sol na minha mão

Qual principe de sonho tu surgiste
E eu fiquei suspensa e encantada;
A minha solidão tu invadiste
E logo a minha vida foi mudada!

Tive o sol na mão quando me sorriste,
Mudou-se a noite escura em alvorada;
Com uma seta de ouro me atingiste,
Depois seguimos ambos na jornada!

O tempo foi passando e nos marcou.
Há rugas no teu rosto que mudou
Mas que eu vejo através do coração.

E quando volto atrás em pensamento,
Eu sinto aida o mesmo encantamento,
Eu tenho ainda o sol na minha mão!...


Maria Celeste Salgueiro ©2016,Aveiro,Portugal

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Se eu fosse deus

Vitor Sousa 
Se eu fosse deus
Barjavel, se fosse deus, faria cantar as árvores e florir os pássaros.
Eu… Faria cantar a assembleia da república em etílicos cacarejos e florir com abundância a testa dos políticos.
Hastes desgarradas, brotadas de rebentos viçosos de tonalidades ímpares passando do vermelho vivo da romã à subtileza romântica do pessegueiro.
O aroma intenso lembraria nevões de amendoeira nas encostas de Foz-Côa, crepitado de cor no bordar florido das cadeiras.
O dinheiro seria trajecto de impressora e memória museológica criado em função da carência da vaidade.
Haveria honorários milionários e gratificações chorudas para os eleitos do momento.
Os políticos honrariam finalmente o propósito hilariante da sua existência.
Divertir o povo!                                                                  
Enfim…Alegações absurdas, de um absurdo incontornável!
Na verdade, se eu fosse deus, honraria o dinheiro como fruto do trabalho e torná-lo-ia obrigatório na partilha com modéstia.
Faria com que os homens nascessem livres e dar-lhes-ia asas para voarem por cima das diferenças.                  
Se eu fosse deus, libertava o homem desta forma de olhar o agora com desdém e deificar o além desconhecido.

domingo, 10 de janeiro de 2016

No rescaldo do Natal

Lena Marília Faria Castanhas


O Natal, na sua essência, faz parte de mim desde que me conheço. A tradição veio do meu pai que a recebeu dos seus antepassados de Amarante. Era indispensável fazer o Presépio, com as figuras guardadas no ano anterior e todas as outras que se iam adquirindo. Ficava dignamente instalado na sala e todos colaborávamos na sua montagem, com entusiasmo, alegria e muita imaginação. Com papel grosso e acastanhado, previamente amarrotado e carregado de musgo, representava-se a paisagem natural com rios e lagos (a água era simulada por um espelho) e colinas. Em local privilegiado, ficava a gruta que alojava o Menino, seus pais, o burro e a vaca e as restantes figuras eram espalhadas pelo espaço sobrante de acordo com a lógica de cada um de nós.
Ao lado, fazia-se a árvore de Natal com um pinheirinho, encimado por uma estrela prateada e enfeitado com fitas e bolas de cores variadas e pequenas velas vermelhas que só os pais podiam acender.
O momento principal do Natal era a ceia, a Consoada. À mesa, posta com requinte, sentava-se a família, vestida para aquela ocasião especial, e algum Amigo que não pudesse, naquela noite, estar com os seus. Nesse dia era permitido conversar, rir, contar histórias e quebrar mais algumas regras de “bem estar à mesa”.
A ementa era sempre a tradicional: sopa de lagareiro, bacalhau cozido com batatas, grelos e ovos, um prato confeccionado com couve troncha e bacalhau, ao qual o meu pai chamava “couvanças” (receita de família) arroz de bacalhau com bolos de bacalhau e arroz de polvo. Não se comia carne e a sobremesa era muito variada: rabanadas. Sonhos, coscorões de forma, torta de laranja, torta de noz, leite creme e pudim.
Na mesa de apoio havia pão de ló com queijo da serra amanteigado, passas, nozes, figos secos e pinhões, bombons e outras guloseimas.
Um pouco antes da meia noite, cada um de nós colocava um dos seus sapatos junto da lareira e ia para a cama porque, quando estivesse a dormir, o Menino Jesus descia pela chaminé e deixava lá um presente.

domingo, 3 de janeiro de 2016

O Cachim só sabe responder assim

José Cachim


    
O Cachim só sabe responder assim


Que obra tão meritória
Para gente assisada
O EVOLUIR é uma vitória
Que deve ser realçada


A mensagem recebida
Dá saúde e alegria
É o evoluir da vida
P´ra nascer em cada dia

Dá trabalho e canseira
É cultura e amor
Literatura de primeira
P'ra sossego interior

Saúde e alegria
Sempre sempre a EVOLUIR
E que toda a ACADEMIA
Encare a vida a sorrir


José Cachim ©2016,Aveiro,Portugal

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

UM CONTO DE NATAL

Idalinda Pereira

Sofia, nascida num palacete, rodeada de criados e de todas as mordomias, sem irmãos para partilhar, sentia-se triste por não ter amigos com quem brincar.

Quando um dia estava no seu jardim, desfolhando um malmequer, vê passar na rua um miúdo mal vestido e de sapatilhas rotas, mas, nos seus olhos, havia um brilho que pareciam duas estrelinhas… E Sofia, a quem nada era negado, convidou-o para entrar no seu jardim. O garoto aceitou e os dois deliciaram-se com as brincadeiras inventadas e impregnadas de travessuras.

- Como te chamas? - perguntou Sofia.
- Chamo-me João - respondeu o miúdo.
- Onde moras?
- Não tenho casa.
- Então onde dormes?
- O dono da quinta tem uma cabana onde dorme uma vaca, um burro e algumas ovelhas. Durmo no meio delas, que vigiam o meu sono e me aquecem.

Sofia ficou triste por o seu amigo ser tão pobre.
- O Natal está a chegar, vais ter prendas? - perguntou Sofia.
- Nunca tenho prendas - respondeu João.
Ouvem-se as três pancadas do sino da torre. João despede-se da sua amiga e vai caminhando por entre as árvores nascidas e plantadas ao acaso, em direcção ao seu aconchego.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Reencontro com a Esperança

Teresa Morais e Albertina Vaz ©2015,Portugal


Os olhos fitavam os olhos, sem reação. Gostava de ter o poder de ver através deles. Em que estaria a pensar? Oxalá o verbalizasse, que raio. Alegre por o rever? A odiá-lo? A porta continuava entreaberta, mas o braço em riste impedia a passagem.
O frio doía nos ossos. A noite acabara de se instalar. Era véspera de Natal. Um Natal que ansiava celebrar em paz, sem um permanente estado de alerta, sem o medo a roer-lhe as entranhas, sem ouvir tiros e detonações constantes, sem se defrontar, constantemente, com torturas, mortes e destruição, e a poder assumir, abertamente, a sua fé cristã sem receio de represálias.
O braço em riste continuava a barrar-lhe a passagem. Amal sorriu, tristemente. Tornara-se um estranho para o seu amigo Samir, porventura um intruso ou um ladrão, a seus olhos. E não teriam sido os meses, longos como o arrastar daquela absurda guerra, sem notícias um do outro e vividos em dois países diferentes e distantes, que seguravam o braço de Samir – Amal percebeu que estava irreconhecível: a extrema magreza, a longa barba a cobrir-lhe o rosto emaciado, os olhos cansados e tristes, os ombros descaídos, vergados ao peso da sua história recente e dolorosa, na sua amada e distante Síria. O frio doía-lhe nos ossos, a frieza do olhar de Samir doía-lhe no coração.
Correram-lhe lágrimas pelo rosto – a dor do reencontro, que sonhara diferente, misturava-se com a exaustão que atingira pela longa e penosa viagem até àquele país de uma Europa quase insuspeitada, o seu destino de recomeço, de esperança, de fraternidade, de paz.
Pela mente, passavam-lhe, numa sucessão vertiginosa de imagens, as distâncias que percorrera até os pés lhe sangrarem, a fome e o cansaço que sentira, a desconfiança, e até ódio, que lera em muitos olhares, finalmente a ajuda humanitária a assegurar-lhe o essencial.
Saíra da sua outrora bela, mas agora destruída cidade natal de Alepo, em Agosto, pela calada da noite, com o temor por bagagem, e transpusera as montanhas até à Turquia. Atravessara o Egeu, sem lhe ver o azul das águas, num frágil bote, apinhado de vontades e de esperança, e chegara à Grécia. De comboio, autocarro e a pé passara por países com nomes estranhos e impronunciáveis – Macedónia, Sérvia, Croácia, Hungria, Áustria, e em Paris se cruzara, por mero acaso, com um conterrâneo que lhe dera a morada de Samir.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

QUANDO EU PARTIR

Maria Celeste Salgueiro 

Se recorde de mim

Quando eu partir
Eu sei que vou deixar
Janelas por abrir,
Coisas inacabadas
Que para meu pesar
Não tiveram um fim,
Ficando mergulhadas
Em denso esquecimento.
Porém no meu jardim
Tudo continuará
Como era antigamente:
A velha cameleira
De novo vai florir
Em cada primavera;
As flores de buganvilia
Vão abraçar o muro
Todo em branco caiado,
Lançando o seu perfume em todo o lado;
As pombas a arrulhar
Vão fazer o seu ninho no beiral.
Tudo será igual.
Só eu lá não estarei
Sentada no meu banco.
Tantas recordações
Voando pelo ar!
Talvez meu pensamento
Lá fique a vaguear
Pelas áleas do jardim.
Talvez por mero acaso
Alguém que por lá passe
Se recorde de mim!...

Maria Celeste Salgueiro ©2015,Aveiro,Portugal

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

FÁBULA DA RATAZANA

Vitor Sousa 


Quatro da manhã.
O mordiscar da chuva nas telhas de barro criam uma sonoridade surda e embaladora que condiciona “o levantar” do Manel.
A farinha reclama a carícia das mãos e o forno já se impacienta com a chegada do pão na ânsia de o tornar dourado e estaladiço.
- Toca a levantar, Manel, dizia ele, de si para si.
Alem disso, constou-se que o doutor trazia um escrito novo, que prometeu ler em voz alta em primeira estância na padaria.
O sol esboçava já os primeiros ensaios de luz entre as decrepitas chaminés da velha fábrica de cerâmica que destronava o horizonte.
É um circo de vaidades...
Uma leve brisa varria as folhas dormentes do chão e o doutor, depois de uma leve pausa, meteu mão ao punho da porta e entrou.
Olhar discreto, franzino, semblante camiliano, bigode farto e tinto de fumo.
Após um tímido bom dia, inspira, rebusca um eco nas entranhas da alma e sem demora pega no papel que lê enfático de mão tremula:
- Ora, lá vai…
A política, na sua prática actual, é um manifesto de comportamento primário e mesquinho, para privilegiar o ego e o grupo.
Uma versão simplista de comportamento tribal, alheada das carências e necessidades urgentes de uma nação inteira.
É um circo de vaidades e veleidades obscuras.
Alegam-se laivos de importância desmedida na glorificação do ego.
Nada os detêm ao abrigo de uma qualquer legitimidade, de devassar e espezinhar a dignidade de um povo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Lamento muito, mas soubeste-me a pouco

Albertina Vaz 

Encontrei-a num tempo frágil, quando a vida parecia ter quebrado todas as cordas e amarras que a prendiam a um ciclo que quis terminar. Falava-me de penas, de sonhos perdidos, de aves sem asas e de imagens sem cor. Falava-me de um espaço em que se sentira presa e de asas que batiam sem voar. Contava-me, minuto a minuto, a caminhada que não fizera no dia em que se prendera – sem o desejar – a uma estrada que não andava e a imobilizara entre o novo e o sol nascente.

Queria ser escutada – e falava como se eu não estivesse ali. Ouvia-a sofregamente como se o deserto – ali tão perto – paralisasse uma nuvem de sombras que não sabia ou não queria tornar reais. Sentíamos o esvoaçar da passarada à nossa volta. Quis apoiar aquela mulher que sentia a chuva a molhar-lhe o rosto e o sol a tisnar-lhe a pele. Outra vez.
Quis vê-la a voar e amei o silêncio da minha voz.

Pediu-me uma mão, um ombro para chorar, uma canção para recordar. E fizemos longas caminhadas ao nascer do sol, quando a brisa chegava e as confidências se enredavam num mar de luz e cor, quando tudo parecia ter parado e o mar se desmanchava em ondas de areia. Fui uma voz que escutava, um livro que se abria, um som que se irmanava. E percebia-a a renascer. Dei-lhe tempo e respeitei o seu desassossego. Quis vê-la a voar e amei o silêncio da minha voz.

O tempo, que tudo sara e tudo esquece, fez com que, um dia, me sentisse a mais e dei-lhe espaço para se revelar – aos outros e a mim.

Foi então que desvendei uma face escondida e alguém que realmente desconhecia – senti que uma flor se desfolhava e as pétalas caiam, como lágrimas colhidas em pingos de sal. Vi uma imagem encoberta, feita de raiva e ambição, espezinhando quem, ao seu lado, lhe estendia a mão. Deixou de sorrir – ria-se dos outros. Já não amava – fechava-se, num turbilhão de corridas e amores. Já não se ouvia, nem ouvia ninguém. Usava os sentimentos como quem amarrota uma folha de papel.

Voltei a encontrá-la, num redopio de fama, procurando auditório e público. Ouviam-na sem a escutarem, lisonjeavam-na sem a apreciar. Tinha olvidado o passado e sabia-se bem.  

Eu é que nunca percebi quanta falsidade lhe cabia no olhar e quanta desilusão semeara por entre as pétalas que espalhei pelo mar.

Albertina Vaz ©2015,Aveiro,Portugal
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