Albertina Vaz
Encontrei-a num tempo
frágil, quando a vida parecia ter quebrado todas as cordas e amarras que a
prendiam a um ciclo que quis terminar. Falava-me de penas, de sonhos perdidos,
de aves sem asas e de imagens sem cor. Falava-me de um espaço em que se sentira
presa e de asas que batiam sem voar. Contava-me, minuto a minuto, a caminhada
que não fizera no dia em que se prendera – sem o desejar – a uma estrada que
não andava e a imobilizara entre o novo e o sol nascente.
Queria ser escutada – e
falava como se eu não estivesse ali. Ouvia-a sofregamente como se o deserto –
ali tão perto – paralisasse uma nuvem de sombras que não sabia ou não queria
tornar reais. Sentíamos o esvoaçar da passarada à nossa volta. Quis apoiar
aquela mulher que sentia a chuva a molhar-lhe o rosto e o sol a tisnar-lhe a
pele. Outra vez.
Quis vê-la a voar e amei o silêncio da minha voz. |
Pediu-me uma mão, um ombro
para chorar, uma canção para recordar. E fizemos longas caminhadas ao nascer do
sol, quando a brisa chegava e as confidências se enredavam num mar de luz e
cor, quando tudo parecia ter parado e o mar se desmanchava em ondas de areia.
Fui uma voz que escutava, um livro que se abria, um som que se irmanava. E
percebia-a a renascer. Dei-lhe tempo e respeitei o seu desassossego. Quis vê-la
a voar e amei o silêncio da minha voz.
O tempo, que tudo sara e
tudo esquece, fez com que, um dia, me sentisse a mais e dei-lhe espaço para se
revelar – aos outros e a mim.
Foi então que desvendei uma
face escondida e alguém que realmente desconhecia – senti que uma flor se
desfolhava e as pétalas caiam, como lágrimas colhidas em pingos de sal. Vi uma
imagem encoberta, feita de raiva e ambição, espezinhando quem, ao seu lado, lhe
estendia a mão. Deixou de sorrir – ria-se dos outros. Já não amava – fechava-se,
num turbilhão de corridas e amores. Já não se ouvia, nem ouvia ninguém. Usava
os sentimentos como quem amarrota uma folha de papel.
Voltei a encontrá-la, num
redopio de fama, procurando auditório e público. Ouviam-na sem a escutarem, lisonjeavam-na
sem a apreciar. Tinha olvidado o passado e sabia-se bem.
Eu é que nunca percebi quanta
falsidade lhe cabia no olhar e quanta desilusão semeara por entre as pétalas
que espalhei pelo mar.
Albertina Vaz ©2015,Aveiro,Portugal
A angústia - filha do isolamento, da ingratidão, do desamor... - num belo texto poético.
ResponderEliminarDe Aldina Duarte recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Adorei!
Parabéns Albertina!.."
De Cacilda Marado recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Está muito bom. Gostei muito."
De Ema Cordeiro recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Triste...mas tão lindo! Parabéns!"
Quanta sinceridade nestas linhas que acabei de ler!!!!!!
ResponderEliminarQuanta mágoa existente!!!!
Quanta necessidade de transportar para o papel o relato de uma passagem das nossas vidas!!!!
Mas… foi a libertação. Agora o mundo no exterior espera-nos para outra aventura.
Gostei muito.
De Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Um texto lindíssimo, onde o saber ouvir e o silenciar-se são condição primordial para que outros desfolhem as suas mágoas como pétalas de rosa que se esvão, suscitando um tranquilo amanhecer. Contudo, o tempo esbate a dor, mas a cicatriz permanece! Parabéns amiga por nos deliciar com esta escrita maravilhosa."
De Isabel Maria recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Belo texto poético.
Gostei muito.
Parabéns.
Beijo"
Não lamento nada, mas soubeste-me a muito! Refletes e transmites a tua face de ser sensível, solidário, e como tu dizes "amei o silêncio da minha voz". Continua a ser muito bom ler-te mas desta vez, com um sabor especial, ouvi um grito que culminou em libertação. Só se liberta quem é livre!
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