Conceição Cação
...ficava com o estômago em rebuliço |
–
Que se passa, Louvy? Estás sem apetite?
–
Ão, ão, ão…
Tentou
uma entoação de protesto, mas sem sucesso. Vendo bem, melhor assim – não
levantaria suspeitas. Fingindo dormitar, ficou à espera duma oportunidade. E
ali estava ela: depois de temperar uns bifinhos de vitela bem tenrinhos, a
Belita foi à porta. Era uma vizinha. O cheiro inundava o corredor… Não havia
que hesitar, não podia recusar essa dádiva do destino. Hum! Que aspeto
delicioso! Mesmo crus, aposto que não são menos saborosos que o frango. E
comeu, comeu, saboreando cada bocadinho como se fosse a satisfação dum último
desejo dum condenado.
– Ai
Louvy, ainda não comeste nada hoje, deve ser fraqueza ou, então, estás doente! Terás
febre? Bem, se calhar, lá temos de ir fazer mais uma visita ao veterinário.
Deu-lhe
vontade de rir daquela ingenuidade, mas a consciência estava demasiado pesada.
Que diabo, ele era um cão com princípios, princípios tão sólidos como aquele
corpanzil de sessenta quilos! Era verdade que ainda se lembrava do tempo em que
espalhava a roupa suja por toda a casa, arrancava os botões e fechos e
arruinava todo o calçado que encontrava à mão. Mas isso eram traquinices da
infância, águas passadas.
– Ai, ai, ai como iria reagir a sua querida
Belita? Perder a amizade dela é que não!
Atreveu-se
a espreitar por uma frincha da porta – lá estava ela a abrir umas latas de
salsichas. Um sorriso velhaco esboçou-se naquela bocarra. Ela não parecia muito
zangada. Teve a confirmação daí a pouco – a proeza do Louvy foi o tema daquele
almoço. Todos deram umas boas gargalhadas.
Estava
perdoado.
Conceição Cação ©2016,Aveiro,Portugal
Foi como ver um video: as cenas vêem-se, as vozes ouvem-se e a dinâmica do texto é, como sempre, aquela a que nos habituou.
ResponderEliminarLi de um fôlego e no fim apeteceu-me franguinho de churrasco.
Ao deparar com o Louvy pelos meandros desta nossa escrita que queremos manter viva notei que, sem o desejar, me apeteceu sorrir e apertá-lo bem junto a mim. Nada como o mimo de um animal para acalmar o difícil do dias e a solidão das noites. Até me apeteceu ver o meu Briosa a correr outra vez para me roubar o tal franguinho de churrasco.
ResponderEliminarUm texto muito real que sabe sempre bem ler. O Louvy é apenas um pretexto para mais um trabalho de excelente qualidade a que a São sempre nos habituou.
Obrigada, amigos! Esta foi uma homenagem ao Louvy e à sua dona, a minha cunhada Belita, que já partiram. São doces recordações, saudades mitigadas pelas palavras que brotam do coração.
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