terça-feira, 7 de outubro de 2014

A dor de partir e o imperativo de chegar


Albertina Vaz

Vi-o caminhar, lenta e pesadamente, pelas ruas estreitas da cidade quase deserta. Olhava cada janela, cada vidraça empoeirada, cada vaso de flores pendendo através da madeira carcomida da varanda. Parecia querer agarrar o que lhe escapava, prender e que se desatava, apanhar o que lhe fugia. Nem sequer compreendia o que girava à sua volta. Só sabia que não encontrava nem o fim da estrada, nem a luz na calçada, nem o mar que se afundava por entre a areia dum deserto, ali, à beira da porta.
Quem te deu o direito de parar? – pensou. Quem te deu o direito de matar o pássaro que
...o pássaro que reclama voos...
reclama voos dentro de ti e exige cortar a sombra que teima em se instalar? Quem te permitiu carregar, nas tuas costas, o peso de um mundo que te despreza e te angustia?
Já não sirvo para nada, foi o que arremessaram: e, no entanto, continuo a ouvir o rasgar das giestas e o cantarolar dos patos que invadem o lago e semeiam gramados por entre as flores dos nenúfares no rio. Sinto cá dentro, uma dor que se instala e uma chuva miudinha que invade o meu peito e rebenta como uma estrela que explode em luzes de mil e uma cores.
Já não sei que fazer – esta hesitação é o que mais me dói – não sei se partir, se ficar; não sei se caminhar, se parar; não sei se gritar, se calar.
As ruas da calçada fogem sob o desejo de ficar – a filha que queria ver crescer, a mulher que se esgota nas casas dos outros por um prato de sopa, a mãe que não voltará a beijar. E quanto tempo vai decorrer, até que eu volte a pisar este caminho sem fim, em que me sinto e me remanso, em que nasci e cresci, em que lutei e perdi?
Perdi aquele pôr do sol ...
Perdi – o quê? Perdi tudo e perdi nada, perdi as giestas a cantarolar e o bater de asas dos patos no debruado da ria, perdi aquele por do sol de cores demasiado quentes e a neblina do fim de tarde que faz cantar as árvores e deslizar os ramos dos ninhos acabados de fazer; perdi aquele mar azul que se encapela e nos prende sem agarrar.
Perdi, ou vou perder? Aquelas janelas pequeninas com cortinas debruadas a renda feita à mão, aquele azul pintado no meio de um negro, escuro e cinzento, duma parede que se ergue entre o que se sente e o que se diz, entre o que se quer e o que se faz, entre o que se sonha e o que se realiza. Já nada resta – nem lenha para acender a fogueira, nem um pão na mesa, nem uma flor.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

VIVÊNCIAS DE ESCRITA

Fernanda Reigota

Quatro duplas vivências de escrita nas suas vertentes antagónicas: TEMPO, ESPAÇO, PERSONAGEM, AÇÃO. Foram estes os elementos que deram corpo ao psicodrama que em mim se desenrolou: o som da ave da imagem que fotografei muito impulsionou esse psicodrama.

PRIMEIRA
Tempo sem tempo

Corria aquele mês em que o tempo é lento.
De tempos a tempos uma ave deslizava,
Mas os olhos sem tempo não colhiam o momento.

O céu, no seu tempo, continuava azul.
Dar tempo ao tempo e ele aí estaria, o mês perfeito.
Mas os olhos queriam o Norte e o tempo deslizava para Sul.

Sem rumo, sem norte, que apareça a Estrela Polar.
A noite dos tempos envolveu os mares, a terra e a vida,
Mas o Sol, no céu cristalino, continuou a brilhar.

Tempo com tempo

Corria aquele mês em que o tempo é leve.
De tempos a tempos uma ave deslizava,
E os olhos com tempo colhiam o momento.

O céu, no seu tempo, continuava azul.
Dar tempo ao tempo! Eis o mês perfeito.
E os olhos deslizavam de Norte a Sul.

Com rumo e com norte apareceu a Estrela Polar.
A noite dos tempos desvendou os mares, a terra e a vida,
E o Sol, no céu cristalino, continuou a brilhar.

SEGUNDA


Espaço sem espaço

Curva de estrada
Nuvem parada
Janela fechada
Rosa muralhada

Barcos sem cais
Ilhas infernais
Casas transversais
Sentimentos superficiais.                                    

Afetos nevoentos
Abraços cinzentos
Seres pardacentos.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Outra visão da vida

João morava na capital. Filho único de uma família mediana, na impossibilidade de entrar na Universidade estatal por falta de média, frequentava o segundo ano de economia na Universidade Lusíada. Os pais faziam o sacrifício económico, porque até então João não tinha perdido um único ano. Conheceu a namorada, de seu nome Sofia, na escola secundária e desde então nunca mais se largaram.    
Gostava de se divertir com os amigos
Era um jovem igual a tantos outros, não lhe eram conhecidos vícios, mas gostava de se divertir com os amigos, namorar e ir aos bares do Cais da Rocha aos fins de semana. Aos domingos de manhã, em qualquer época do ano, ia surfar para o Guincho, outra das suas grandes paixões. Remar para uma onda, apanhá-la, envolver-se e acompanhá-la, navegar na crista e meter-se dentro do túnel deslizando ao sabor da mesma era como viver o sonho de sentir o oceano em toda a sua plenitude. O stress duma semana de trabalho estudantil e o caos citadino eram postos para trás das costas. O voo rasante das gaivotas e o barulho das ondas era a perfeita harmonia para uma liberdade total.    
Compreendendo o sacrifício que os pais estavam fazendo, tinha como objetivo principal não chumbar ano nenhum e, mesmo que deixasse alguma disciplina para trás, iria fazê-la no semestre seguinte.  

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Até onde pode ir a conversa…

Era quase noite e a tarde teimava em não se despedir. O sol, ou as réstias dele, lá ao longe, projectava uns raios indecisos entre o laranja e um vermelho tão forte que mais parecia sangue, raiando o vale verdejante subdividido em pequenas parcelas. A manta de
A manta de retalhos
retalhos, um verdadeiro jardim, lindo de ver, árduo de trabalhar, espelhava uma agricultura tipicamente minifundiária que teimava em persistir romanticamente à espera de que alguém, quem sabe, um D. Sebastião, fizesse o milagre com a terra como a Rainha fez com os pães. Este quadro deslumbrante, embora perspectivasse natureza morta, era a paisagem assombrosa avistada dum pequeno jardim, onde naquele fim de tarde, como noutros, um avô usufruía do seu maior gozo: ver brincar os netos e com eles partilhar um diálogo permanente nem sempre inspirador de liderança porque a ternura falava mais alto e o resultado era bem compensador.
— Noni…noni…noni…noni… foge avô, tu não ouves?
— Mas não ouço o quê? Afinal quem me persegue?
— É o carro dos bombeiros. Houve um fogo numa casa… foge, foge, avô…
Pronto e perante tal urgência, não havia outra atitude, obedecer e imediatamente. Retirava
Foge avô, tu não ouves?
mais umas folhas velhas de um canteiro e assobiando uma das suas modinhas preferidas preenchia um pouco mais de tempo, até que as crianças quisessem fugir do anoitecer. E à procura de luz entravam netos e avô em casa acabando com o sossego que àquelas horas alguns reclamavam depois de um dia de trabalho.
— Ouve lá Mafalda, tu queres ser bombeira?
— Sim, avô.
— Mas sabes que ser bombeira é uma profissão muito perigosa. Os bombeiros correm muitos perigos quando andam a apagar os incêndios e…
— Ó avô, mas eu não quero ser a bombeira que vai apagar os fogos. Eu o que quero ser é a chefe que manda os bombeiros trabalhar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O anjo da fome

               Uma em cada oito pessoas no planeta passa fome, destaca um relatório divulgado pela ONU em 2013.

    Um dia vi uma colega desmaiar na sala de aula. Sem aparato. Sem aviso prévio. Um busto de criança ruindo sobre o tampo da carteira, é isso que eu recordo. Depois, num quase sussurro, o diagnóstico a passar de boca em boca: fome. A menina padecia de fome.
    Finais da década de 1940. Um tempo de profundas desigualdades sociais. Em muitas aldeias do interior, a pobreza era endémica. Quando o trabalho e o pão faltavam, punha-se a esperança na caridade do próximo. Ou então, com alguma sorte, emigrava-se. Ou então, discretamente, como quem pede desculpa por incomodar, desmaiava-se de fome.
    Segundo Herta Müller, o anjo da fome, quando chega, chega em força. Apedreja os corpos por dentro, derrubando aos poucos o vigor e a dignidade.
    É inverno na minha memória sempre que recordo aquela coleguinha de escola tombando como punhado de neve sobre a carteira. Não há um único som colado à imagem. Porque a fome amordaça as vítimas. Porque a fome labora em silêncio.
Porque a fome labora em silêncio
    Foi nessa manhã, diferente de todas as outras manhãs, que pela primeira vez a minha infância de bem-estar chocou de frente com uma realidade tão próxima mas tão desconhecida. Sendo criança, arquitectei um plano de criança. Como nos contos de fadas, imaginava eu, uma maçã, um pão com marmelada, um chocolate, oferecidos no recreio, iriam magicamente revigorar aquele corpinho desnutrido. Oh, a alegria de ter para dar! Oh, o constrangimento de ser eu a dar, a vergonha de poder envergonhar quem das minhas mãos recebia!
    Cedo, porém, me apercebi de que qualquer semelhança entre a vida e um conto de fadas é mera coincidência. Vindos de várias regiões do planeta, diariamente nos chegavam relatos de conflitos políticos e civis, de gritantes injustiças na distribuição das riquezas, de trabalho forçado, de guerras. Ali estavam foto-reportagens enfatizando tais notícias. Ali estavam, em primeiro plano, corpos desvigorados onde a fome traçara a geometria da morte. 
    Esqueci há muito o nome da coleguinha que, esfaimada, desmaiou sobre o tampo da carteira, mas nunca conseguirei esquecer o gelo que nesse momento encheu a sala de aula, nem o arrepio tatuado na minha pele.
    São sempre anónimas as crianças que chamam a nossa atenção nas imagens ainda hoje captadas em zonas de extrema pobreza. Nos olhos de todas elas, o silêncio exangue da fome. Algumas seguram tigelas vazias. Outras, dobradas como bichos, a boca rente ao chão, tentam aproveitar as migalhas caídas. Outras, esqueletos cambaleantes, mal conseguem prender com o arame dos seus dedos o quase nada que, de tempos a tempos, lhes é caritativamente distribuído.

    O anjo da fome, quando chega, chega implacável. Lança-se em voo picado sobre os milhões de não-eleitos. Nunca são brancas as asas do anjo da fome.

Helena Maltez ©2014,Aveiro,Portugal

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A descoberta de uma paixão

Fernanda Reigota


Ficara estranha e subitamente amante de fotografia. E quantas vezes partia para a caça de imagens e só noite feita regressava!
Uma bela manhã, ainda o Sol se não erguera, partiu com outros fervorosos adeptos da caça de imagens únicas. Encaminharam-se para o cimo da serra, por uma cerrada mata e por um caminho de poucos conhecido. Pararam uns momentos para degustarem a música de uma cascata que se adivinhava. A frescura que os salpicos lançavam em redor acariciava a pele sofrida pela subida. Mais que uma vez, dobrada a encosta, tinham conseguido surpreender o encanto de testemunharem o beijo da noite a despedir-se do dia que começaria o seu reinado de luz clarificadora. Uma vez tinham até estacado perante a hipótese de fixarem a imagem daquele veado que quase se deixara surpreender a matar a sede, numa alvorada já quente do mês de maio. João tinha em casa esse troféu. Fora o único a conseguir a composição perfeita e a luz excelente. Ainda hoje se interrogava sobre a expressão do olhar do animal apanhado no momento de iniciar a fuga.
O sol nascera enfim. Ao longe, o mar era um reflexo único de um dia que se adivinhava esplendoroso. Mas no fundo dos vales que iam dar à costa, grandes rolos de nevoa ainda preguiçavam o doce aroma que a noite lançara sobre a terra. Duas boas horas já haviam passado e nem um enquadramento especial, nem um ângulo para realçar uma copa perfeita de árvore, nem uma pedra evocadora de uma figura…
Aquele grupo de caçadores de imagens porfiava serra acima. Em breve apontariam as objetivas ao trajeto ascendente do Sol, ao contraste dos variados verdes da serra ponteados por pequenos lagos tão brilhantes que simulavam os olhos da serra espantando-se com a magnificência de mais um esplendoroso dia de maio. Não faltavam manchas de alfazema, caminhos ladeados pelo amarelo da giesta, verdes mimosos dos rebentos novos dos pinheiros, árvores a vestirem-se de folhas macias para se juntarem à festa da renovação da natureza…
Na azáfama da preparação do material, apenas se ouvia a voz esperta e fresca das águas e, ao longe, o marulhar solto da vaga tímida.
Alguém apontara a teleobjetiva para o mar e, emocionado, sussurrava como se não quisesse espantar a caça que tão perto dele parecia estar. No alvoroço do achado, ele imaginava-se já a estender a mão e a tocar o filhote de baleia que nadava atrás da mãe, calmamente, traçando os dois uma linha paralela à costa.
Naquela manhã tinham à sua frente o alvo perfeito: lento, majestoso, raro e enquadrado por um contexto que a todos seduz, o mar!

A retina tinha a festa da imagem, o ouvido tinha o estralejar de múltiplos e constantes disparos.

Ficara estranha e subitamente amante de fotografia.


Fernanda Reigota ©2014,Aveiro,Portugal

terça-feira, 29 de julho de 2014

A lista de Shindler

“A Lista de Schindler” - Sinopse

No período da Segunda Guerra Mundial um homem tenta ganhar dinheiro com o trabalho forçado dos judeus nas fábricas. O nome dele é Oscar Schindler, alemão com influências na polícia secreta do partido nazista de Hitler.

O filme representa a indelével história deste enigmático personagem, mulherengo e especulador de guerra, que salvou a vida a mais de 1100 judeus durante o Holocausto. Foi o triunfo de um homem que fez a diferença no drama daqueles que sobreviveram a um dos capítulos negros da história da humanidade, salvos pelo que ele fez.

A lista de Shindler

“Aquele que salva uma vida salva o mundo inteiro”

O sol incandescia por entre as folhas amarelecidas das árvores – era um dia sem história ou uma história que se repetia todos os dias. Arrastava-se pelas ruas que serpenteavam um bairro velho e degradado: nada ali o prendia e nada ali o agarrava. Os companheiros da universidade tinham partido em projectos imaginosos e imagináveis, cheios de talentos e de sucessos. Os amigos - alguma vez tivera amigos? - tinham seguido as suas vidas, constituído famílias, procurado empregos ou trabalhos e deixaram de ser vistos.
- sem eira nem beira - 
Ele continuava por ali – sem eira nem beira - sem saber que rumo dar à sua vida ou que caminho fazer para a tornar diferente. Era certo que mantinha boas relações com os companheiros que circulavam à volta do poder - nos meandros dos seus corredores, tudo ainda se conseguia com um simples gesto ou umas meias palavras. A família abrira-lhe portas e facultara-lhe espaços sem necessidade de subir os degraus, tão difíceis para alguns.
Mas nem tudo lhe soava bem: queria construir alguma coisa com as suas mãos, alguma coisa que marcasse um estilo, que ficasse ali, com a sua marca e perdurasse para sempre. Para sempre? Não seria isso muito tempo, não significaria muito trabalho, algum dispêndio da sua energia e algum consumo daquilo que lhe era gratuitamente disponibilizado?
O bulício da cidade que trabalha agarrou-o de uma forma irresistível: homens e mulheres desfilavam, como protagonistas de um filme a preto e branco, vergados pelo peso de um dia desgastante, acelerando um passo em direcção a não sei que lugar ou que destino. Jovens velhos, sem aspirações nem sonhos, descrentes de um mundo onde já não havia sol e as nuvens cobriam assustadoramente os passos cadenciados em ritmo de corrida. Novos grisalhos, sem ocupação e sem sonhos, encolhidos nos bancos dispersos à procura de uma mão, de um sorriso, duma presença.
E de repente, por entre aquela amálgama de gente sem vida, uma sombra que ganha contornos de cor naquele filme a preto e branco - uma criança que corre serpenteando por entre os vultos estáticos, quase parados, da cidade que vai morrendo. Saltitando ora num pé
...uma sombra que ganha
contornos de cor
ora noutro, preenche de cor a paisagem nevoenta que há muito não se deixava invadir pelo sol. E a criança continua a correr e a cantar e a encher de vento um moinho de papel que acaba de construir com as suas próprias mãos.
A cor daquela visão toma-o de assalto e leva-o dali agarrando a vontade de iniciar alguma coisa, em algum lugar. Não seria difícil manipular meia dúzia de gentes de influência e influentes e pôr de pé aquela fábrica que há tanto remexia na sua cabeça e lhe proporcionaria uma vida fácil e um lucro certo. Era só aproveitar-se da situação que se espalhava um pouco por todo o mundo e dar-lhes o que eles queriam: trabalho!

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Pronto para recomeçar


Pronto para Recomeçar - Sinopse

Desempregado, Nick agrava a sua dependência do álcool. Enfrentando problemas com a bebida, acaba por se desentender com a mulher, que despeja tudo o que é dele no jardim de casa. Na tentativa de recomeçar a vida, coloca à venda, à beira do passeio, tudo o que tem. Um novo vizinho pode ser a chave para que o quotidiano de Nick recomece de novo.


Pronto para recomeçar

Diego e Helena eram um casal como tantos outros, com um bom emprego, uma vida social ativa, sem filhos.
O facto de não terem filhos permitia-lhes uma vida com algumas extravagâncias e tempo para viajarem, quando possível, para países que sempre quiseram visitar.
Diego estava ligado a uma multinacional que negociava em consumíveis, era diretor do departamento de vendas. O seu trabalho levava-o muitas vezes a ausentar-se para fora da zona de residência e até do país.
É sabido que uma vida profissional intensa leva a que socialmente se seja ativo e a que se cometam alguns excessos, que noutro ramo, com menor exigência, poderiam ser evitados.
O casamento estava em crise
Diego e Helena estavam casados há quase oito anos. O casamento há muito que estava em crise; o facto de não terem filhos, as frequentes ausências e o vício do álcool do marido, a falta de comunicação entre o casal, estavam a destruir uma relação em que o amor era recíproco, mas em que o respeito e a harmonia estavam quase que diariamente a ser postos em causa.
Posto pela esposa perante a possibilidade de uma separação se não mudasse o seu tipo de vida, Diego assumiu finalmente que tinha um problema grave com o álcool.
Filho de pais alcoólicos, a sua predisposição para o álcool era um fator de grave risco para uma cura. Assim, Diego e Helena resolveram fazer terapia de grupo e frequentar um centro de recuperação de alcoólicos.
Estava a ser difícil, mas o casal sentia que pela primeira vez em muito tempo, estava a obter resultados.
Helena rodeava de cuidados o marido para que ele não sentisse vontade de prevaricar; as saídas para o exterior é que eram uma constante preocupação pelo risco que representavam.
No emprego, Diego estava a passar por algumas dificuldades; era um técnico altamente qualificado, pago em função dessa mesma qualificação e dos resultados que daí advinham, mas os erros cometidos sob o efeito do álcool e as despesas inerentes, levavam a que a empresa já o tivesse advertido de que a sua posição não estava muito segura.

domingo, 6 de julho de 2014

Pai, ouve-me!

Kramer contra Kramer - Sinopse

Para Ted Kramer, o trabalho vem antes da família e Joanna, sua mulher, descontente com a situação, sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem de se preocupar com o filho, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com ele e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar-se a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted, porém recusa-se e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy que é entregue a Joanna. No dia marcado para ir buscar Billy a casa de Ted, e já à porta do prédio, decide não sujeitar o filho a uma nova etapa de instabilidade. Entra para comunicar a sua decisão e todos ficam a ganhar.


Pai, ouve-me!

Personagens

CAIO, homem jovem, alegre e feliz, aguarda, numa sala de partos, o nascimento do seu primeiro filho. Sente-se absolutamente preparado para o receber.
HUGO, o filho, coração e mente cheios de sabedoria, tem urgência em ter uma conversa com o pai antes de nascer.
Ato Único
O ventre que acolhe Hugo, por pouco mais tempo, irradia uma luz quente e intensa. Um foco potente ilumina Caio, que agarra carinhosamente a mão da mulher.

HUGO
(Em tom perentório)
Pai, não te assustes, eu quero falar contigo.
(Caio levanta-se e olha admirado para a barriga da mulher, notando uma forma repentinamente diferente. Sorri perplexo.)

HUGO
Pai, eu quero falar contigo.
(Decidido a fazer-se ouvir)
Não falta muito para eu nascer e eu preciso de te ensinar umas coisas. Quando nos olharmos olhos nos olhos, passarei a ser por muito tempo uma criatura desprotegida. Agora, ainda tenho a sabedoria primordial deste paraíso em que me encontro.

CAIO
(Puxando a mão da mulher ao peito.)
O que se passa, Guida?

HUGO
Pai, deixa a mãe. Ela precisa de estar tranquila para que a naturalidade deste ato não se desvaneça.

CAIO
Seja, filho. Mas não te preocupes, eu e a tua mãe fomo-nos preparando muito bem para sermos pais conscientes…

HUGO
Sim. Eu sei que me vais dar banho, vestir, mudar a fralda e essas coisas…

CAIO
Claro…

HUGO
Mas, olha, se um dia eu quiser ser um cachorrinho, tu fazes de cão grande para brincarmos? Se eu quiser pintar com as mãos, tu depois tiras-me a tinta toda? Vais ser capaz de fazeres de pai natal na escola e em casa? Vais ter paciência para brincares às escondidas no nosso pequeno apartamento? Vamos poder fazer piqueniques com muita aventura e apenas a comida suficiente?...

domingo, 29 de junho de 2014

A última corrida

Vamos hoje dar inicio a um ciclo de trabalhos sob o tema  Mensagem paralela à de um filme. Para mais facilmente compreendermos de que filme se trata apresentaremos previamente a Sinopse e o seu original título.

                                                                  A MILLION DOLLAR BABY - Sinopse

Afastado da sua filha, Frankie (Clint Eastwood) revela uma grande dificuldade na aproximação aos outros, e apenas lhe resta o amigo Scrap (Morgan Freeman), um ex-lutador de boxe que cuida do ginásio de Frankie. É então que entra em cena, em seu ginásio, Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), que sempre teve pouco da vida, mas que ao contrário de muitos, sabe bem o que quer e tem a determinação necessária para o alcançar. O ambos não sabem é que terão de enfrentar um desafio que irá exigir mais coragem e alma do que podem imaginar...                                                                    

A última corrida

“Estava-lhe no sangue”— diziam muitos dos que todos os dias a viam passar naquele passo determinado e convincente de que aquela vontade ainda haveria de mover montanhas. Fizesse chuva,  fizesse  sol  ou  o  vento  fosse  de  norte  ou  de  onde quer que viesse, aquela
Gostava de correr.
menina franzina fazia-se à estrada ou a qualquer caminho seco ou lamacento, sempre de olhar lúcido mas com um brilhozinho, bem lá no fundo, daqueles olhos crentes no seu esforço e dedicação. Desde bastante pequena que gostava de correr e cedo começou a fazê-lo só porque os outros não lhe igualavam a passada e ela não conseguia prescindir de satisfazer aquela vontade que lhe vinha lá de dentro. A pouco e pouco e, apesar dos parcos recursos de que dispunha, foi adquirindo uma autoestima que a compensava da deficiente alimentação e das condições de bastante pobreza em que vivia com a sua família. Os recursos que não existiam eram substituídos por uma força de vontade fora do normal.
Um dia, numa associação recreativa, lá da freguesia, assistiu à projeção de um DVD sobre a grande campeã olímpica e mundial Rosa Mota. Ela ficou maravilhada, ficou emocionada, ficou contente, ficou louca, ela ficou completamente cismada em todos os pormenores daquele filme. Nos dias que se seguiram corria, corria e as imagens, umas atrás das outras, eram as da Rosa Mota? Eram suas? O sonho passou a fazer parte da sua vida e a intermitência vivida entre ele e as condições reais da sua vida começaram a despertar nela uma lucidez até agora não sentida. Como poderia ela pintar um quadro sem tela, sem pincéis, sem tintas...
Correr podia fazê-lo em qualquer lado
A família nada tinha e a luta pela sobrevivência era já fado suficiente. Tinha que ir para a cidade e lá arranjaria trabalho para poder subsistir. Correr, podia fazê-lo em qualquer lado, precisava era de descobrir quem a ajudasse.
Um saco pequeno, pouco havia para levar, acompanhou-a na aventura de quem tudo quer mas nada tem, ou melhor, para quem sonhar se tornou num direito só porque a sua enorme vontade lhe sustentava o nada que tinha.
Passaram-se dez meses e a Helena, Lena, para os amigos e familiares, começava, finalmente, a percorrer os caminhos da vida assente numa estabilidade periclitante que ela equilibrava com a sua poderosa força de vontade. Ela tinha um sonho, correr com técnica, com saber, segundo as regras que uma campeã tem que aplicar. Para o conseguir, tinha que ultrapassar muitas carências com a sua persistência e querer. De trabalho precário em trabalho precário ia conseguindo um mínimo que lhe permitia viver num quarto partilhado com uma rapariga que como ela angariava o sustento do dia a dia. Inscrevera-se num clube de atletismo e usufruía de orientação técnica que muito estava a contribuir para melhorar as suas performances.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Fui ver nascer o Sol

Fui ver nascer o Sol. Tinha decidido: amanhã vou observar o nascer do sol. E ainda as árvores do meu jardim se espreguiçavam no lânguido e pesado escuro, já eu, sorrateiro, me esgueirava pela artesanal porta do quintal. Queria, por inteiro e com todo o detalhe, presenciar o aparecimento do sol, entre a penedia das fráguas, o primeiro contacto da sua luz com a cortina verde dos freixos e amieiros adjacentes às águas do rio e ver a calculada reacção da seara verde das espigas, que ondulavam na ladeira do velho monte. 
Fui ver o nascer do sol.
Antes que a familiar escuridão desse qualquer sinal de se dissipar, assaltou-me uma inconsciente apreensão do que sucederia se o sol não viesse, por se ter enganado no seu percurso, por capricho da sua natureza, por se ter enredado e entretido em amores com alguma estrela jovem, que as deve haver lindas, - fruto das últimas explosões dos buracos negros! – ou, quiçá, por se propor assustar o seu sistema solar, nomeadamente a Terra ou qualquer outro planeta mais reguila ou mais distraído. Mas a razão respondia à minha apreensão imaginária, afirmando-me com o argumento da ostensiva tradição, que, sem GPS, o astro rei, embora já com alguns truques, no seu “curriculum vitae”,- a fazer acreditar milagres, por determinismo ou ordem superior,- sempre foi fiel na sua rota, e, por isso, aceitava que a sua constância na pontualidade virá a ser por muitos milhões de séculos até se tornar insolvente de combustível, e obrigado a desaparecer por inacção ou esgotamento ou a fundir-se em ritos de magia e de esplendorosa luz. Na minha natural limitação cheguei ao cimo da enrugada e velha encosta em menos de meia hora, com passo bem meditado, e por ali fiquei, entre o contemplativo e o ansioso, a aguardar qualquer sinal anunciador da primeira réstia de luz, que testemunhasse a aproximação da força, do poder, e do fausto, do grande astro solar. 
...odor de plantas bravas
A expectativa envolveu-me, em afagos de um perfumado odor de plantas bravas, adoçando-me a derme com anunciados elementos que me pareceram de messiânica novidade de que algo ia acontecer. Ouvi com apreensão, o quebrar do silêncio ainda meio adormecido, o contínuo e manso ressonar do rio, a afirmar e a lembrar, no fundo do vale, a sua presença, com a água, que se adivinhava, a esgueirar-se do açude pela garganta das grandes pedras ali expostas pelas razões da natureza, seguindo o caminho rasgado e ajustado, nos tempos idos, pela tenaz força do caudal. A lua sorrateira já se havia recolhido no seu quarto minguante, vestida de mistérios de penumbra, cumprido o percurso, sem ter deixado qualquer mensagem meteorológica digna de apontamento. Algumas casas da aldeia com fumos enrolados a sair das chaminés, davam sinais de que alguém havia abandonado o aconchego do leito para se fazer ao dia, rente a chegar. A penumbra atenuou a sua densidade em jeito

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ilusão

Estendo meu olhar sobre o mar
Nesse êxtase mergulho meus sonhos
Cada onda é um desencontro
Neste turbilhão que é a vida…
Tapo os olhos com pétalas de sal
P’ra não ver
A menina da minha ilusão
Na espuma branca desaparecida!...

Olhos d’água, cabelos de luz
Cobertos por um véu
Atados por um laço de maresia
Essa menina
É agora uma mulher que corria
Atrás da vida, que teimosamente venceu…
Sua quimera um lamento
Guarda nela a ternura que lhe deu!...

Isabel Maria ©2014,Aveiro,Portugal

terça-feira, 3 de junho de 2014

Indecisas Contradições

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Caminhante são as contradições                    
manhã azul
vontade de trabalhar
tarde pálida
silêncio grita libertar                                 
Decide-te...
acordas
levantas-te em amor
deitas-te
adormeces em dor
Caminhante
ser é fantástico
ser é sofreviver
sempre ser é utopia
deixar de ser é agonia
Decide-te
sonhas que entras
acordas que não queres
vives que consentes
deitas-te que não te interessas
umas vezes mereces
outras vezes merecem
cedes
cedem
somos
seres que se contradizem
todos os dias
a todas as horas
porque temos medo
porque amamos
e queremos ser amados
a sábia humilde dolorosa consciência
que sozinhos somos nada
nem essência
Decide-te
preto e branco
sol e lua
bom e mau
puro e impuro
tão duro este duelo
entre ti e tu
queres ser bom mas não capacho
livre a pertencer a um lugar
este lugar plurar
incerto mas maravilhoso
Ó caminhante
que assim não o sentisses
que ruínas ficariam
se tua alma de gesso fosse?
Decide-te
se Deus ou o Diabo
vais falhando e decidindo
um dia é imenso
somos imensos
a contradição em movimento
a balança em perpétuo equilíbrio
és roda que gira
entre o arrependimento e a honra
por isso és humano
fraco e forte
e a terra gira
e tu também


Albertina Silva Monteiro ©2014,Aveiro,Portugal

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...