Os
bancos estavam deveras molhados e a chuva continuava a cair em tempo de Outono.
Por isso os velhos não ousaram sair de casa e, assim, naquela tarde, o Largo
do Bispo estava tristemente deserto.
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...tristemente deserto |
Só
esta circunstância permitia que pardais, gentilmente, expugnassem, àquela hora,
o empedrado do largo na sua luta pela sobrevivência, misturando-se com eles
folhas caducas das tílias do jardim que se colavam no pavimento em decorações
de tristeza. Ou que um cão vadio, andarilho da cidade, ali viesse alçar a perna
contra uma floreira uma vez, e outra contra o pedestal da estátua do bispo,
para logo se pôr a caminho em passo corrido com destino incerto.
O
relógio da torre da igreja bateu as três da tarde e toda a cidade ouviu. Então,
em uma qualquer casa, num qualquer beco, uma mulher estaria a dizer ao seu
homem:
-
Já são três horas e está a chover. Hoje não te governas porque não vai haver “Bispo”
para ninguém!
Mas
ele não desistia de espreitar pela nesga da janela na esperança de ver, no céu,
uma réstia de azul.
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...um vulto parado |
Se
o largo estava morto, o mesmo não se podia dizer da estrada e avenidas
contíguas e também dos passeios que o ladeiam. Automóveis deslizavam velozes ou
arrancavam ruidosamente à ordem de sinais verdes, incessantes, num sufoco de
mau cheiro. E às portas das lojas envolventes fechavam-se e abriam-se
guarda-chuvas que, em andamento pelos passeios, produziam uma movimentação
ofegante e tristonha.
Misturado
neste vaivém, um vulto parado tornava-se uma evidência. Era um homem velho,
muito velho, de pé sobre o lancil do passeio no outro lado da estrada oposto ao
largo, curvado sobre a bengala e os anos. Na outra mão o guarda-chuva aberto,
ao invés de lhe pesar parecia querer suspendê-lo para que se endireitasse um
pouco.
Via-se
que não era ali que queria ficar por serem frequentes as tentativas de fixar no
asfalto da estrada a ponta da bengala.