A sala, nova e generosamente
iluminada pela luz do sol, franqueada por duas janelas rasgadas, bem podia ter
sido um local acolhedor.
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... um fogão a lenha |
A um canto, um fogão a lenha, oferecia-se para nos
mimar com um pouco de calor nos invernos demasiado rigorosos para os nossos agasalhos
tão singelos. Mas tudo à nossa volta era frio e impessoal. Na frente, sobre o
quadro preto, as fotografias emolduradas de Oliveira Salazar e Américo Thomaz
impunham-se aos nossos olhos indefesos. A meio da parede, entre os dois - que mais
pareciam o bom e o mau ladrão - um Cristo agonizante, na cruz.
Era neste cenário que pontificava
a D. Cândida. Cândida? Que nome desajustado! Confirma bem o caráter arbitrário
do signo linguístico! A residir e a lecionar na aldeia há duas gerações, era vulgarmente
apelidada de “a senhora velha”. Sem qualquer sentido pejorativo, esta
designação, a um tempo, ingénua e rude, servia para a distinguir dos professores
e professoras dos rapazes, sempre mais jovens, que nunca por lá permaneciam por
muito tempo.
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Ninguém discordava dos seus métodos repressivos |
Comparada com os seus colegas, a “senhora velha”, de acordo com os
parâmetros do povo, ganhava-lhes invariavelmente aos pontos - pela assiduidade
e pontualidade, pelos resultados dos alunos, mais visíveis nos exames, onde,
segundo dizia, nunca sofrera uma reprovação e o desempenho variava entre o Bom e o Excelente. Era considerada uma professora modelar, com uma
autoridade que ninguém ousaria contestar. Ninguém dava mostras de discordar dos
seus métodos repressivos, o que aumentava ainda mais a nossa fragilidade e
vulnerabilidade perante ela.