segunda-feira, 15 de julho de 2013

REFLEXÕES SEM TITULO

Júlia Sardo

Perto da minha casa mora uma senhora com quatro filhos. Segundo tive conhecimento, chama-se Rosa e é mãe solteira; mãe carinhosa, doce e sempre com um sorriso nos lábios, embora o coração chore. Tem de batalhar muito para sustentar os seus meninos. Quantas vezes lhe virão as lágrimas aos olhos, por não ter alimentos para lhes dar. A filha mais velhinha, a Margarida, é uma criança linda; cabelo loiro e olhos azul acinzentado. Muito meiga e educada, tenta ajudar a mãe a cuidar dos irmãos. Então tem de ser tudo muito bem organizado; ela própria, para não dar mais ralações à mãe, faz um plano de trabalho. O levantar de mais um dia da semana é bem atarefado. A Margarida trata dos irmãos do meio, o João e o Ricardo, que são muito educados, humildes, mas traquinas. Vão à casa de banho, pobre mas asseada, fazer a higiene para depois se vestirem.

Entretanto tomam o pequeno-almoço, ou seja, o que se pode arranjar.Vão a correr ajudar a Margarida a fazer as camas e arrumar o que ficou no chão. Saem de casa. Os mais velhinhos ficam na escola enquanto a Orquídea vai para a creche. A mãe despede-se dos filhos sempre apressada e vai para o trabalho. Como os filhos almoçam na escola, a Rosa remedeia-se com qualquer coisa, à hora do almoço.

A sua grande preocupação é o bem-estar dos filhos e a sua subsistência. Esta mãe, sempre atarefada com tudo o que está sob sua responsabilidade, não tem um momento de descanso. Os dias, para ela são todos iguais. Não tem tempo de observar e admirar as coisas belas que a Natureza nos proporciona. Ao ter conhecimento da vida da Rosa, lembrei-me da minha, quando trabalhava. Não foi igual à dela, mas também era uma azáfama.
Hoje, que sou avó e estou mais disponível, gosto de observar a Natureza e as coisas belas, que ela nos oferece. Fico bastante tempo olhando as nuvens e a tentar adivinhar com que figuras se parecem.
 
Era como um espelho onde se refletiam os últimos
raios solares
Então, lembrei-me de ir fazer uma pequena visita aos meus netos, na praia da Barra, naquele fim de tarde em que a temperatura estava amena e convidava a sair de casa. Depois de pormos a conversa em dia, contando pequenas novidades, fui tomar um café para a varanda da cozinha. Vê-se o mar. Sentei-me na cadeira de lona e fiquei a observá-lo. Estava calmo. Era como um espelho onde se refletiam os últimos raios solares.
Ao longe, lá no horizonte, vislumbrava-se um barco, que parecia fazer a ligação entre o mar e o céu. Fiquei a observar, deliciada, aproveitando aquela calma. Comecei a ver a tonalidade da água a ficar vermelho alaranjado, pelo desaparecimento daquela bola gigante laranja forte.

De repente, num curto espaço de tempo, o sol escondeu-se totalmente. Que tranquilidade eu senti com aquele bonito pôr de sol. Lembrei-me da Rosa. Como é que esta mãe, com a azáfama que tem no seu dia-a-dia, que anda sempre tão atarefada e preocupada com os filhos, como pode ela observar, admirar e deliciar-se com um bonito pôr de sol? Penso que não. Ela não tem a tranquilidade, nem tempo suficiente para observar as delícias da Natureza, como eu consegui.

5 comentários:

  1. Cá está de novo a publicação perdida. Faltava esta imagem que a Júlia tão bem sabe interpretar: contemplar o mar e recordar as memorias de um passado recente que permanece presente.

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  2. Aqui, fechada no meu escritório, consegui contemplar o mar e a beleza do pôr de sol na Praia da Barra. Eu não fui à praia, mas ela veio até mim através desta bela descrição da Júlia.

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  3. Escrever como quem recorda.
    Escrever como quem filma.
    Escrever como quem pinta.
    E o texto-tela surge para revelar contraditórios!

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  4. Desculpe a ousadia de me atrever sugerir-lhe um outro título.
    - O que os meus olhos vêem - A minúcia e o realismo com que nos transmite o que vê e observa demonstram a enorme sensibilidade da autora de quem temos o privilégio de ler.

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    1. Obrigada pelos vossos comentários. Bela sugestão, Zé Luís, para um próximo trabalho.

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