Júlia
Sardo
Clarita era uma menina que
vivia numa aldeia do litoral, com os pais. Era franzina, cabelo loiro
em
caracóis, feitos com papelotes e clara de ovo.Laçarote na cabeça, lá andava ela,
sempre traquinas, de um lado para o outro em casa das amigas, mas sempre com
autorização da mãe, claro.
Quem lhe faria estes caracóis? |
Estarão a perguntar: quem
lhe faria esses caracóis? Era uma senhora amiga da mãe da Clarita, chamada
Clarinda. Era muito habilidosa. Claro que era preciso dormir com os papelotes
até ao outro dia. Ficavam muito bonitos.
Como era única filha,
procurava sempre a companhia de outras crianças para poder brincar.Perto de sua
casa morava uma família que tinha vindo de Angola e que tinha três filhos: uma
menina e dois rapazitos.A menina era da idade da Clarita e os dois miúdos eram
mais novos.
Durante o dia brincavam
todos juntos; umas vezes em casa da Clarita e outras vezes em casa da Hélia,
assim se chamava a menina.Eram todos muito amigos, mas por vezes havia aquelas
zangas próprias da idade.Essas zangas logo passavam; a amizade era tão grande
que, quando iam ao fotógrafo tirar fotografias, queriam tirar com o mesmo
vestido.Como não podiam tirar juntas, tirava uma e despia o vestido para de
seguida tirar a outra.
O vestidinho era de crepe,
verde água, com umas bolinhas brancas e outras, verde mais escuro. Tinha mangas
curtas e a rematar o decote, um folho tipo babeiro, como se dizia, branco,
muito bem feito. A rematar a bainha tinha um folho como o de cima. Os vestidos
eram feitos pelas mães das meninas, que eram muito habilidosas.
O Carlitos, assim se chamava
um dos meninos e o Alfredo, que era o mais pequenito, juntavam-se sempre às brincadeiras
da irmã e da Clarita.Regra geral brincavam às escolas; enquanto uma era a
professora, os outros eram os alunos.Então, a professora daquela turma tinha
por hábito começar as aulas pela disciplina de desenho.Como não havia dinheiro
para comprar cadernos de desenho, aproveitavam-se os cadernos de duas linhas e,
mesmo assim, era uma folha para cada um, que tinha de ser bem aproveitada.
E onde iam arranjar um lápis
para cada aluno? Era a Hélita que ia ao fato macaco, do pai, que trabalhava no
estaleiro naval e, por isso, tinha sempre mais do que um lápis. Claro, quando acabavam
a aula, iam pôr os lápis no sítio donde tinham sido tirados.
A aula era dada com muito
cuidado; cada aluno tinha de fazer o seu desenho muito bem feito, porque se não
o fizesse, era todo apagado.Regra geral, era a Clarita que, naquele grupo,
tinha um pouquinho de jeito.
...brincavam à macaca |
Todos tinham de aprender a
segurar bem no lápis; o pulso bem firme na mesa e só a mão é que se movia;
enfim tinham de fazer algum desenho para ser avaliado.
Quantas vezes iam para fora
do muro da casa, brincar a outras coisas, como, por exemplo, à macaca, que era
feita na eira da casa, com uma pedra partida que riscava o chão.
Às vezes estavam nesta
brincadeira e tinham de se afastar, para a carroça que transportava o pão,
passar.É que, um pouco mais à frente, vivia um casal que tinha uma filha já
mais velha, mas com quem se davam muito bem. O pai dela era padeiro e
trabalhava por conta do ti Zé da broa. Transportava o pão com uma carroça muito
bonita; era do feitio de uma casinha com a parte de cima arredondada, para a
água da chuva escorrer e não molhar o pão.
Era pintada de amarelo e
atrás tinha duas portas, que abriam de lado, para o pão ser servido às
freguesas. O pão vinha muito bem acondicionado em cestos grandes, tapados com
panos brancos. Pendurada, num dos lados, vinha a balança, muito limpa, para
pesar a broa.
Uma burra simpática |
O alarme de que o padeiro
estava a chegar era dado pelo toque de uma corneta, muito amarelinha…andava
sempre a brilhar.
E como era que a carroça
andava? Era puxada por uma burra muito simpática, de cor castanha, olhos
pestanudos e sempre brilhantes. Obedecia ao dono sempre que ele lhe dava uma
ordem.Sabem como se chamava a burra? Era a Carriça.
A Carriça vivia num alpendre
todo tapado, com exceção do lado da frente. Em vez de ter porta, tinha uma
trave do comprimento do alpendre. Era aí que o ti Torres, assim se chamava o padeiro,
lhe ia dar a palha para ela comer.Era muito obediente a Carriça; bastava
abrir-lhe a trave e chamá-la que lá ia ela.
Quando a Carriça ia pastar
para alguma terra, que não estivesse cultivada, não era preciso andar junto
dela. Para ir para o seu alpendre bastava chamá-la.
Era uma burra muito
inteligente e muito obediente.
Ele há cada burra... esta está perfeita! Quem lê este texto parece que está a ver um filme tão minucioso e determinado que nos faz galgar as palavras e chegar de um folego ao fim. Memórias destas davam para fazer um livro...
ResponderEliminarJulinha, tu consegues transpor-nos para a nossa meninice com tanta realidade que ao lermos este texto, apetece-nos ser outra vez crianças.
ResponderEliminarE a Carriça? Era muito engraçada não era?
Que belo transporte ao longinquo tempo.
ResponderEliminarObrigado de JM
Meninas de vestidos de crepe com folhos, a jogar à macaca; uma burra, bem inteligente, importante veículo de carga e de passageiros... Retalhos coloridos da minha infância que a Júlia, mais uma vez, me faz reviver com todos os pormenores.
ResponderEliminarEu quero apreciar um quadro verdadeiro da burra Carriça, tão sugestivo como o texto, e das crianças a vê-la passar. Quem o poderá pintar? Aceitas o desafio, Júlia?
ResponderEliminarUma otima sugestão e um desafio facil de concretizar para tão bela artista. Boa Fernanda.
EliminarVou pensar na vossa sugestão e quando tiver um tempinho sem ter T.P.C para fazer sou capaz de me dedicar a uma bela recordação pintada.
EliminarUma história bem simpática do tempo em que ainda havia burros inteligentes - A burra Carriça - narrada por uma excelente contadora de histórias.
ResponderEliminarRecordaste-me a infância, quando as nossas brincadeiras eram bem simples e não havia computadores, telemóveis e todos esses jogos que impedem as nossas crianças de brincar de forma saudável.
ResponderEliminarNem macaca, nem ringue, nem os jogos tradicionais de que tanto gostávamos.
Obrigada por me relembrares esses maravilhosos tempos.