sexta-feira, 12 de julho de 2013

Podiam chamar-me Pedro ou Pedrito…

José Luís Vaz

Era uma vez, um homem, José Teixeira da Silva, que se dedicava a roubar os ricos para dar
José do Telhado
aos pobres. Viveu no século dezanove e ficou conhecido pelo Zé do Telhado. Hoje, século vinte e um, a tradição já não é o que era. Em Portugal não se lhe conhece nenhum seguidor.
Mas o mesmo não pode dizer-se em relação aos mentores do contrário — roubar aos pobres para dar aos ricos. Ainda me lembro de um tal rapaz de fino penteado, modos leves, trato esmerado, de educação visível e sentida por quantos o rodeavam ansiosamente, fazendo lembrar os seguidores de Cristo. Tinha sempre um sorriso — talvez por acordo com alguma grande superfície —, uma palavra serena e sensata para os seus interlocutores, fosse num congresso, numa conferência de imprensa ou numa mera resposta de circunstância que os jornalistas são useiros e vezeiros em provocar.
O desfilar na passadeira das figuras públicas começou bastante cedo, quando ainda jovem prometia para mais tarde o que naquela altura já fazia com grande desenvoltura liderando a “jota”, termo utilizado para designar uma organização partidária de jovens. Ele treinou, treinou e com tão dedicado desempenho acabou por atrasar, se calhar, uma brilhante carreira estudantil que o levaria ao património dos doutores (leia-se Drs). Já naquele tempo prometia ser um homem preocupado com a pátria e, para a servir, nada melhor que adquirir competências em economia.
...gerir um país
Pouco a pouco, de forma a sedimentar, devidamente, os novos conhecimentos lá foi num esforço desmesurado progredindo na carreira estudantil. Até que, imagine-se, tão cedo, só com trinta e sete anos, alcança o cume da licenciatura. Estava um homem feito para o que desse e viesse. Surgissem oportunidades e, com a elevada formação adquirida, sempre a pensar em subir a direito estaria preparado para enfrentar os maiores e mais difíceis obstáculos. Com a cadeira de S. Bento livre do Pinóquio que por lá andou, chegava a hora de experimentar gerir um país.
Imediatamente se rodeou de alguns (poucos) colaboradores e, aproveitando outras competências que a vida lhe proporcionou, estudou uma nova entoação de voz de acordo com os novos desafios. Voz bem colocada, equipa afinada, pasta das finanças bem cuidada, e podia finalmente dar azo aos seus desígnios, sempre profundos e objectivos, de mandar, mandar, mandar. A estratégia determinante dos superiores interesses da nação definida com a profundíssima ajuda do seu colaborador das finanças, deveria conduzir o país a uma recuperação nunca experimentada de forma a corrermos com o fôlego necessário atrás do pelotão da frente.
Esta expressão já dos tempos da jota era muito utilizada por um senhor, agora muito velhinho, mas o povo tem corrido, corrido e não há maneira de ver o que é isso do pelotão nem da frente nem de trás. Como devem ter perdido o aludido agrupamento militar, agora, com aquela voz bem colocada e firme, o lema é recuperar a soberania nacional (não confundir com o ”Soberania de Águeda”!). Segundo consta, Portugal tem uma dívida muito grande e o homem de S. Bento faz tudo o que pode para que se pague a toda a gente de forma a evitar ditos maldizentes, que repudia na defesa dos superiores interesses dos bancos portugueses. As instituições financeiras do país têm que, obviamente, reforçar as suas reservas e todos não somos demais para contribuir para o equilíbrio da espinha dorsal da banca que serve os cidadãos com elevada dedicação. Aquela voz firme e bem colocada, não se cansa de determinar:
— É de elementar justiça que os bancos não paguem IMI e que lhes seja permitido cobrar taxas a quem faz deles mealheiro, indo lá depositar as poupanças sem ser onerados com uma renda para lhe poderem albergar o seu pecúlio.
— Aos contribuintes deverá ser cobrado um IVA mais justo, deverá proceder-se à modernização do IRS, à subtracção de desperdícios do subsídio de desemprego, e ao ajustamento nos salários dos funcionários públicos.
— Deficientes? Quem os tem que trate deles, de acordo com as normas internacionais.
— Moderação nas pensões contributivas, símbolo de solidariedade viva com aqueles que
Moderação nas pensões contributivas
trabalharam menos anos e não tiveram tempo para descontar.
— Aumento do horário de trabalho para a Administração Pública de forma a dinamizar a economia.
— Dadas as alterações climáticas, o pagamento do subsídio de férias será efectuado nos meses de novembro e dezembro.
— Em nome da dignidade financeira as reservas das instituições bancárias têm que ser reforçadas, disto me parece já ninguém ter dúvidas, tornando-se urgente alterar a idade da reforma para os 66 anos. Claro que as exigências dos nossos credores são para ser satisfeitas e contribuindo conscientemente para um desenvolvimento mais sustentado teremos que, patrioticamente, aumentar o desemprego. No caso dos funcionários públicos, como sabem não há despedimentos, mas será devidamente organizado um quadro de mobilidade, eventualmente, de sentido único, com vista ao ordenado zero. Parece-nos, assim, irmos ao encontro da necessidade de reforma e requalificação da nossa administração pública.
...grande capacidade contributiva dos
portugueses...
— Finalmente, pelo menos por agora, tenho a certeza da grande capacidade contributiva dos portugueses em todos os momentos mais difíceis da nossa história. Vejam o que se passa com o nosso querido BCP, ainda há poucos anos era o nosso maior banco privado. O Banif a passar actualmente pelas ruas da amargura… Mete dó, portugueses. Que dizer dos nossos BES e BPI… Exemplos de cidadania ativa com todos, especialmente com os mais oprimidos. É certo que temos tomado todas as medidas para podermos evitar o colapso desta gente. Para isso dei ordens a todos os administradores do banco estatal — a CGD — para que se ocupassem estritamente com o financiamento a todos os bancos privados, dada a urgência com que teremos que apresentar aos nossos companheiros da Europa um deficit corrigido, aliás, de acordo, com os compromissos assumidos oportunamente. Portugueses, a hora é difícil, vai exigir um pouco de esforço para conseguimos novamente ter uma banca coesa e forte de forma a fazer frente aos problemas da macroeconomia.
A fulgurante estratégia financeira, apoiada pelas rigorosíssimas previsões ao mais alto nível técnico, possibilitou a prática de uma governação cheia de intencionalidade persecutória na cobrança de impostos, exigente com trabalhadores e patrões não adaptados aos novos conceitos de gestão e naturalmente eficaz na solidária ajuda aos bancos.
De visita ao distrito, que o viu nascer, o Sr., de fino penteado e voz bem colocada, encontrou-se com seu pai, pessoa de bem, que muito amargurado lhe disse:

— Ó filho, larga essa vida, só arranjas más companhias e depois é o que se sabe… Nunca esperei viver para te ver tratar tão mal… Eu sei que a tua intenção é boa, mas valerá a pena?
— Não tem que se preocupar, paizinho. Sabe que tenho imenso orgulho no que faço, ajudar quem mais precisa. Efetivamente, as pessoas, os contribuintes, não entenderão lá muito bem porque mal ponho um pé fora do carro é logo uma grande gritaria. E sabe pai, podiam chamar-me Pedro ou Pedrito, mas não, é só gatuno, gatuno, gatuno.

8 comentários:

  1. Um retrato vivo do Portugal que temos tão bem descrito pelo nosso amigo Zé Vaz. Ao ler este texto lembrei-me do cavalo do inglês que quando estava habituado a não comer, morreu. E tudo é feito em nome da democracia...e limpar e arrumar a casa. A minha está mais que arrumada e limpa...

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  2. J carretolages lages13 de julho de 2013 às 14:10

    Parabéns!sempre a utilização eufemistica e o sarcasmo corrosivo como denominador comum do alvo.

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  3. Grande texto, Zé Luís. Feito com muita precisão e a dizer tudo aquilo que eu não fui capaz. Gostei de o ler.Quem será capaz de fazer a arrumação? Não sei.

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  4. aí está mais um texto ao estilo inconfundível do zé luís.
    denso, prolixo, bem desenvolvido, carregado de feroz ironia, como forma de dar voz às forças de uma sentida oposição social.

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  5. Dava-me para parafrasear o Prof.º Boaventura e dizer que na realidade estamos a ser governados por políticos que nunca estiveram posicionados na realidade concreta: passaram da escola da politica (das jotas, como tu dizes e muito bem) para a politica da nação. E um país não se gere com teóricos que do seu pedestal ditam regras - para os outros - e continuam a viver numa redoma - isolada dos outros e deles próprios - em que tudo são facilidades e em que o vento não entra (nem sai).Depois há ainda os que chegando ao poder se esquecem que fomos nós que os elegemos e não somos, nem nunca fomos "carrascos" de ninguém. Estamos sim a sofrer as consequências não de uma má escolha mas de não termos possibilidades reais de escolha. Gostei do teu texto: fez-me pensar - no que acabei de escrever e em muito mais.

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  6. Perante este texto tão incisivo, fixei-me no nome Pedro e encontrei dois com estatura para serem lembrados: Pedro, o Amante, e Pedro, o Libertador. Mas noutra galeria da História, também terá lugar Pedro, o Tirano.

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  7. Belo texto a exprimir toda a desgraça que este belo e pobre país atravessa.
    Sempre oportuno e com o sarcasmo na ponta da língua, neste caso na ponta do dedo, o nosso Zé Luís brinda-nos com mais uma realidade que temos que enfrentar no dia a dia.

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  8. A análise da deplorável situação do nosso país numa prosa repassada de ironia e humor bem ao estilo do José Luís.

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