Júlia
Sardo
Perto da minha casa mora uma senhora com quatro filhos. Segundo tive
conhecimento, chama-se Rosa e é mãe solteira; mãe carinhosa, doce e sempre com
um sorriso nos lábios, embora o coração chore. Tem de batalhar muito para
sustentar os seus meninos. Quantas vezes lhe virão as lágrimas aos olhos, por
não ter alimentos para lhes dar. A filha mais velhinha, a Margarida, é uma
criança linda; cabelo loiro e olhos azul acinzentado. Muito meiga e educada,
tenta ajudar a mãe a cuidar dos irmãos. Então tem de ser tudo muito bem
organizado; ela própria, para não dar mais ralações à mãe, faz um plano de
trabalho. O levantar de mais um dia da semana é bem atarefado. A Margarida
trata dos irmãos do meio, o João e o Ricardo, que são muito educados, humildes,
mas traquinas. Vão à casa de banho, pobre mas asseada, fazer a higiene para
depois se vestirem.
Entretanto tomam o pequeno-almoço, ou
seja, o que se pode arranjar.Vão a correr ajudar a Margarida a fazer
as camas e arrumar o que ficou no chão. Saem de casa. Os mais velhinhos ficam
na escola enquanto a Orquídea vai para a creche. A mãe despede-se dos filhos
sempre apressada e vai para o trabalho. Como os filhos almoçam na escola, a
Rosa remedeia-se com qualquer coisa, à hora do almoço.
A sua grande preocupação é o bem-estar dos filhos e a sua subsistência. Esta
mãe, sempre atarefada com tudo o que está sob sua responsabilidade, não tem um
momento de descanso. Os dias, para ela são todos iguais. Não tem tempo de
observar e admirar as coisas belas que a Natureza nos proporciona. Ao ter
conhecimento da vida da Rosa, lembrei-me da minha, quando trabalhava. Não foi
igual à dela, mas também era uma azáfama.
Hoje, que sou avó e estou mais
disponível, gosto de observar a Natureza e as coisas belas, que ela nos
oferece. Fico bastante tempo olhando as nuvens e a tentar adivinhar com que
figuras se parecem.
Então, lembrei-me de ir fazer uma pequena visita aos meus netos, na praia
da Barra, naquele fim de tarde em que a temperatura estava amena e convidava a
sair de casa. Depois de pormos a conversa em dia, contando pequenas novidades,
fui tomar um café para a varanda da cozinha. Vê-se o mar. Sentei-me na cadeira
de lona e fiquei a observá-lo. Estava calmo. Era como um espelho onde se
refletiam os últimos raios solares.
Ao longe, lá no horizonte,
vislumbrava-se um barco, que parecia fazer a ligação entre o mar e o céu.
Fiquei a observar, deliciada, aproveitando aquela calma. Comecei a ver a
tonalidade da água a ficar vermelho alaranjado, pelo desaparecimento daquela
bola gigante laranja forte.
De repente, num curto espaço de tempo, o
sol escondeu-se totalmente. Que tranquilidade eu senti com aquele bonito pôr de
sol. Lembrei-me da Rosa. Como é que esta mãe, com a azáfama que tem no seu
dia-a-dia, que anda sempre tão atarefada e preocupada com os filhos, como pode
ela observar, admirar e deliciar-se com um bonito pôr de sol? Penso que não.
Ela não tem a tranquilidade, nem tempo suficiente para observar as delícias da
Natureza, como eu consegui.
Cá está de novo a publicação perdida. Faltava esta imagem que a Júlia tão bem sabe interpretar: contemplar o mar e recordar as memorias de um passado recente que permanece presente.
ResponderEliminarAqui, fechada no meu escritório, consegui contemplar o mar e a beleza do pôr de sol na Praia da Barra. Eu não fui à praia, mas ela veio até mim através desta bela descrição da Júlia.
ResponderEliminarEscrever como quem recorda.
ResponderEliminarEscrever como quem filma.
Escrever como quem pinta.
E o texto-tela surge para revelar contraditórios!
Desculpe a ousadia de me atrever sugerir-lhe um outro título.
ResponderEliminar- O que os meus olhos vêem - A minúcia e o realismo com que nos transmite o que vê e observa demonstram a enorme sensibilidade da autora de quem temos o privilégio de ler.
Obrigada pelos vossos comentários. Bela sugestão, Zé Luís, para um próximo trabalho.
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