Estamos a publicar textos subordinados à temática
AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para
publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade.
Albertina
Silva Monteiro
Deixa-me
contar-te uma história.
Eu tive tantos amigos |
Eu
tive tantos amigos. Não foi culpa minha; na altura eu pensava que amizade era
ter muito; muitos amigos. Era tão óbvio, tão absorvente. Foram precisos alguns
anos para me aperceber que muito, neste caso, era um redondo nada. E nada de
ninguém é solidão.
Tudo
começou quando eu e o meu primeiro amigo – grande irmão e companheiro –
decidimos que havia chegado a altura de seguir caminhos diferentes. Foi um
processo natural e, francamente, foi bastante fácil esta emancipação:
gargalhada alta, extrovertida, pioneira de ideias e uma falta de timidez,
constantemente definida como coragem, aliada a uma franca disponibilidade para
psicóloga de quem quisesse (e todos querem e precisam) ser ouvido. Foi fácil ser
amada: sim, amada. Já lá chego.
Primeiro
ouves isto
-
És fantástica.
Depois
isto
-
Tu, tu és espectacular.
Foi
rápido chegar a este ponto
-
Gosto tanto de ti: amo-te.
Amo-te.
Foi a gota de água. Amo-te. Alguém – repara que digo alguém; desses muitos podia
ser qualquer um - abraçado a mim me diz esta palavra tão intensa colada ao
ouvido. Alguma coisa ali estava errada. Seria eu? Na altura fiquei com o ego
confuso e submisso: sorri. Sorri muitas vezes depois do primeiro sorrir – seria
o amor assim tão vulgar, tão rápido, tão à tona daquilo que realmente somos e
em consequência seria a amizade mais vulgar ainda para anunciar o nome do amor
em vão?
A
partir daí questionei-me do que se andava ali a fazer; fazíamos nada uns pelos
outros, nada
de que valesse a pena morrer, mas dizia-se muito. Cheguei à
conclusão que não havia ali nada de verdadeiro a não ser a necessidade que
muitos têm de se alimentar de alguns: conveniências.
Todo o ser humano precisa se sentir parte de um grupo |
Vieram
as perguntas. Meu Deus, quem tenho? Quem tens quando te calas? As respostas, por
esta altura, já se organizavam dentro da minha cabeça; o pior é o coração.
Ninguém precisa tanto da mentira como o coração.
Por
covardia continuei a minha peça de teatro. Sabes que existem peças de teatro
que podem durar anos, às vezes uma vida? Quando me lembro: bilhetes esgotados a
cada espectáculo
-
Tens mesmo que vir. Contigo é festa na certa.
Lembra-te:
todo o ser humano precisa se sentir parte de um grupo; todo o ser humano
procura alguém que o ouça e o faça esquecer o seu drama (a sua impotência); não
o fazem por mal, mas também não o fazem por bem; dá-lhes jeito: isso não é
amizade. E nunca será amor. Falta-lhe uma coisa, a verdade.
Um
dia deixei de dar espectáculo. Mostrem-me o que valem, pensei. Dêem-me algo.
Deixei em vago o lugar na peça. Alguém que a preenchesse.
-
Estás tão decadente.
-
Ultimamente não vai a lado nenhum.
-
Tu afinal és tão igual a mim. (Isto pensa-se.)
A realidade rima com verdade e esta rima com amizade |
Tive
tantos amigos. Tantos amigos. Um a um foi procurar alguém com a mesma
gargalhada; alguém que só ouvisse; alguém que só animasse; alguém que não se
desse à porra do trabalho de terem que amansar o ego, apurar a audição e ouvir;
abrir os olhos e aceitar - que amizade é tanta mas tanta coisa que só estar não
basta.
A
realidade rima com verdade e esta rima com amizade: tive tantos amigos. Tenho
uma mão cheia deles agora. Somo-nos. Às vezes vem com riso o outras vezes vem
com lágrimas e às vezes um fala e outras vezes um ouve e às vezes estás só e
não faz mal, faz parte; não tarda um chega e dá-te um chega para lá que isso faz
parte: da vida, do amor.
Quanto
ao resto da multidão, não os culpei; era eu que vivia uma ilusão. As multidões
nunca prometem nada; são apenas multidões que estão por ali, cada um com um
motivo, cada um com uma necessidade. Preciso deles também. É que eu também faço
parte dessa multidão, todos fazemos.
Inventei
uma palavra para ela: coleguizade.
No
que toca à coleguizade: tenho muitos: amo nenhum.
Agora
vou finalmente responder à tua pergunta: a amizade é irmã do amor. E amar dá
muito trabalho; tanto trabalho que é projecto de grupos pequenos. Assim tem
mais veracidade. Não vá virar peça de teatro.
Definição
da amizade pela Laura, uma mulher que se sentou na minha mesa porque não havia
mais nenhuma.
Eu
sou a Alice. Tinha a intenção de escrever outra coisa sobre este assunto mas
decidi aproveitar o desabafo de uma mulher desconhecida apenas porque não tenho
mais nada a acrescentar.
Partiu
sem me dar tempo de lhe contar. Já não precisa disso: tem uma mão cheia de
certezas.
Evoluir saúda a participação dum novo colaborador - Albertina Silva Monteiro. Agrada-nos sobretudo o conceito de que "amizade rima com verdade". Realmente sem verdade não pode - não existe - amizade. Um amigo é incondicional - dentro do seu conceito não cabe a palavra falsidade.
ResponderEliminarObrigado Albertina, pela sua participação - ficamos a aguardar novas publicações.
Devorei este texto Albertina Silva Monteiro. Será "defeito" das Albertinas?
ResponderEliminarÉ que o seu texto é espetacular, sem dúvida alguma, adorei. Obrigada.
Ora, aí está um texto introspetivo, cheio de ritmo e poesia. Um deleite de análise maior.., Parabéns
ResponderEliminarBem-vinda, Albertina Monteiro: li com prazer o seu texto!
ResponderEliminarDe facto, no palco da nossa vida, permanentemente, têm de existir muitos atores, para termos o prazer de irmos descobrindo alguns amigos...
Também eu lhe digo bem-vinda. Foi com um prazer enorme que li o seu texto. pois é verdade; quantas são as vezes que nos enganamos com os amigos. Obrigada.
ResponderEliminarLi como quem assiste a uma peça de teatro. Apesar de mentira remete-nos sempre uma mensagem. Já saí. Valeu a pena. Fez-me pensar...
ResponderEliminarAmizade, "Coleguizade" não serão diferentes graus do amor? Interessante a reflexão. Bonito texto.
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