sexta-feira, 5 de julho de 2013

Amizade rima com verdade

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade. 

Albertina Silva Monteiro

Deixa-me contar-te uma história.
Eu tive tantos amigos
Eu tive tantos amigos. Não foi culpa minha; na altura eu pensava que amizade era ter muito; muitos amigos. Era tão óbvio, tão absorvente. Foram precisos alguns anos para me aperceber que muito, neste caso, era um redondo nada. E nada de ninguém é solidão.
Tudo começou quando eu e o meu primeiro amigo – grande irmão e companheiro – decidimos que havia chegado a altura de seguir caminhos diferentes. Foi um processo natural e, francamente, foi bastante fácil esta emancipação: gargalhada alta, extrovertida, pioneira de ideias e uma falta de timidez, constantemente definida como coragem, aliada a uma franca disponibilidade para psicóloga de quem quisesse (e todos querem e precisam) ser ouvido. Foi fácil ser amada: sim, amada. Já lá chego.
Primeiro ouves isto
- És fantástica.
Depois isto
- Tu, tu és espectacular.
Foi rápido chegar a este ponto
- Gosto tanto de ti: amo-te.
Amo-te. Foi a gota de água. Amo-te. Alguém – repara que digo alguém; desses muitos podia ser qualquer um - abraçado a mim me diz esta palavra tão intensa colada ao ouvido. Alguma coisa ali estava errada. Seria eu? Na altura fiquei com o ego confuso e submisso: sorri. Sorri muitas vezes depois do primeiro sorrir – seria o amor assim tão vulgar, tão rápido, tão à tona daquilo que realmente somos e em consequência seria a amizade mais vulgar ainda para anunciar o nome do amor em vão?

A partir daí questionei-me do que se andava ali a fazer; fazíamos nada uns pelos outros, nada
Todo o ser humano precisa se sentir
parte de um grupo
de que valesse a pena morrer, mas dizia-se muito. Cheguei à conclusão que não havia ali nada de verdadeiro a não ser a necessidade que muitos têm de se alimentar de alguns: conveniências.
Vieram as perguntas. Meu Deus, quem tenho? Quem tens quando te calas? As respostas, por esta altura, já se organizavam dentro da minha cabeça; o pior é o coração. Ninguém precisa tanto da mentira como o coração.
Por covardia continuei a minha peça de teatro. Sabes que existem peças de teatro que podem durar anos, às vezes uma vida? Quando me lembro: bilhetes esgotados a cada espectáculo
- Tens mesmo que vir. Contigo é festa na certa.
Lembra-te: todo o ser humano precisa se sentir parte de um grupo; todo o ser humano procura alguém que o ouça e o faça esquecer o seu drama (a sua impotência); não o fazem por mal, mas também não o fazem por bem; dá-lhes jeito: isso não é amizade. E nunca será amor. Falta-lhe uma coisa, a verdade.
Um dia deixei de dar espectáculo. Mostrem-me o que valem, pensei. Dêem-me algo. Deixei em vago o lugar na peça. Alguém que a preenchesse.
- Estás tão decadente.  
- Ultimamente não vai a lado nenhum.
- Tu afinal és tão igual a mim. (Isto pensa-se.)
A realidade rima com verdade e esta
rima com amizade
Tive tantos amigos. Tantos amigos. Um a um foi procurar alguém com a mesma gargalhada; alguém que só ouvisse; alguém que só animasse; alguém que não se desse à porra do trabalho de terem que amansar o ego, apurar a audição e ouvir; abrir os olhos e aceitar - que amizade é tanta mas tanta coisa que só estar não basta.
A realidade rima com verdade e esta rima com amizade: tive tantos amigos. Tenho uma mão cheia deles agora. Somo-nos. Às vezes vem com riso o outras vezes vem com lágrimas e às vezes um fala e outras vezes um ouve e às vezes estás só e não faz mal, faz parte; não tarda um chega e dá-te um chega para lá que isso faz parte: da vida, do amor.
Quanto ao resto da multidão, não os culpei; era eu que vivia uma ilusão. As multidões nunca prometem nada; são apenas multidões que estão por ali, cada um com um motivo, cada um com uma necessidade. Preciso deles também. É que eu também faço parte dessa multidão, todos fazemos.
Inventei uma palavra para ela: coleguizade.
No que toca à coleguizade: tenho muitos: amo nenhum.
Agora vou finalmente responder à tua pergunta: a amizade é irmã do amor. E amar dá muito trabalho; tanto trabalho que é projecto de grupos pequenos. Assim tem mais veracidade. Não vá virar peça de teatro.

Definição da amizade pela Laura, uma mulher que se sentou na minha mesa porque não havia mais nenhuma.
Eu sou a Alice. Tinha a intenção de escrever outra coisa sobre este assunto mas decidi aproveitar o desabafo de uma mulher desconhecida apenas porque não tenho mais nada a acrescentar.
Partiu sem me dar tempo de lhe contar. Já não precisa disso: tem uma mão cheia de certezas.

7 comentários:

  1. Evoluir saúda a participação dum novo colaborador - Albertina Silva Monteiro. Agrada-nos sobretudo o conceito de que "amizade rima com verdade". Realmente sem verdade não pode - não existe - amizade. Um amigo é incondicional - dentro do seu conceito não cabe a palavra falsidade.
    Obrigado Albertina, pela sua participação - ficamos a aguardar novas publicações.

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  2. Devorei este texto Albertina Silva Monteiro. Será "defeito" das Albertinas?
    É que o seu texto é espetacular, sem dúvida alguma, adorei. Obrigada.

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  3. Ora, aí está um texto introspetivo, cheio de ritmo e poesia. Um deleite de análise maior.., Parabéns

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  4. Bem-vinda, Albertina Monteiro: li com prazer o seu texto!
    De facto, no palco da nossa vida, permanentemente, têm de existir muitos atores, para termos o prazer de irmos descobrindo alguns amigos...

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  5. Também eu lhe digo bem-vinda. Foi com um prazer enorme que li o seu texto. pois é verdade; quantas são as vezes que nos enganamos com os amigos. Obrigada.

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  6. Li como quem assiste a uma peça de teatro. Apesar de mentira remete-nos sempre uma mensagem. Já saí. Valeu a pena. Fez-me pensar...

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  7. Amizade, "Coleguizade" não serão diferentes graus do amor? Interessante a reflexão. Bonito texto.

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