Maria Jorge
Hoje acordei, sentei-me na cama e de repente
senti uma vontade desmedida de transgredir, de não fazer nada que tinha
planeado no dia anterior.
Esta é a altura do ano em que normalmente
faço uma vistoria à minha casa, e, entre outras coisas, revolvo gavetas para
depois as deixar um pouco mais desocupadas, dando outro destino às peças que
considero mais inúteis para mim e talvez mais úteis para alguém.
Desperdiçar este dia? |
Mas… o dia hoje amanheceu radiante com o sol
a espreitar pela janela do meu quarto.
Desperdiçar este dia? Nada disso, este
trabalho podia esperar. Há coisas muito mais interessantes para fazer, pensei.
Se bem pensei, melhor o fiz. Peguei as chaves
do meu carro e desafiei a minha companhia habitual.
Contemplando aquela extensão de mar, fechei
os olhos e deixei-me levar pelo silêncio da praia deserta, interrompido de vez
em quando apenas por alguma gaivota mais atrevida ou pelo sussurro daquelas
pequenas ondas que teimavam em quererem molhar-me os pés.
Regressei a casa ao fim da manhã. Afinal
valeu a pena não arrumar gavetas.
Maria Jorge ©2015,Aveiro,Portugal
A descrição autêntica de um apelo a que todos estamos sujeitos e nem sempre temos a sabedoria de atender: trocar o trivial pelo especial.
ResponderEliminarSimples e verdadeiro. Parabéns.
Eu gostava sinceramente que estes dias fossem uma vertente diária! Claro que trocar as voltas às regras é mesmo o melhor que nos resta fazer. Mas o que gostava mesmo, mesmo era que estas palavras não fossem metidas dentro da gaveta, esquecidas e amarrotadas como papel velho. Sábias "palavras", Maria.
ResponderEliminarAo ler este belo "Se bem pensei melhor o fiz" veio-me à ideia esta prenda que te deixo.
ResponderEliminarLiberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa... .......
Do nosso Fernando Pessoa.
Quanto à foto que acompanha este texto, diria, como um amigo meu dizia, quando pretendia mostrar grande admiração por qualquer coisa ou acontecimento, é uma foto do caraças!
ResponderEliminarDe Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:"Tudo vale a pena se a alma não é pequena". O salpico das ondas, nos lábios deixa um sabor a sal o que é delicioso. O arrumar gavetas, dá-nos um certo gozo. Continua minha amiga. JHS.
ResponderEliminarTambém me deliciei com o texto de que destaco esta passagem "Contemplando aquela extensão de mar, fechei os olhos e deixei-me levar pelo silêncio da praia deserta, interrompido de vez em quando apenas por alguma gaivota mais atrevida ou pelo sussurro daquelas pequenas ondas que teimavam em quererem molhar-me os pés."
ResponderEliminarE cada EU recria até ao infinito momentos de VIDA como estes.