Chamava-se Guilherme; um
nome pouco vulgar para mim, na época em que eu era ainda menina. Um nome que eu
pronunciei poucas vezes, apenas quando me perguntavam o nome do meu pai -
Guilherme Carneiro Marado -, dizia eu à espera dos sorrisos enviesados que às
vezes deixavam entrever os inquiridores. Eu sorria para dentro e pensava
comigo: tomaras tu ter um pai Guilherme como o meu, um pai doce que me dá
mimos, beijos, abraços. Um pai que me protege da minha mãe que não me perdoa
uma. Na verdade, embora ela me amasse muito também, cabia-lhe o menos bom:
mandar-me estudar, não me deixar brincar o dia todo, mandar-me ir para a cama
cedo, etc., etc.
... o seu jeito doce de lidar comigo, o seu modo de me amar. |
Mas voltemos ao meu pai,
pois é dele que vou continuar a falar, sobretudo daquele seu jeito doce de lidar
comigo, do seu modo de me amar. Enquanto pequena, os seus braços eram os mais
acolhedores do mundo e os seus beijos os que estavam sempre cheios de
promessas.Com que alegria o recebia quando ele chegava a
casa, à noite! Rita Joana, perguntava-me, como correu o dia? Portaste-te bem?
Obedeceste à mãe? Eu atirava-me a ele e os meus olhos diziam tudo…Depois, vinha
a recompensa ou a desilusão. E como eu sofria quando o via triste comigo! E
dizia de lágrimas nos olhos: amanhã vou ser mais obediente, pai. E isto era o
suficiente para o ver de novo feliz e sentir os seus afagos.
Fui crescendo e, jovem
ainda, senti que ele nunca mudou. Momentos houve em que os caminhos que eu
escolhi não lhe agradaram, mas ele não desistiu de mim. Como o Pai do céu, o da
terra também esperou que eu regressasse dos meus devaneios, para me acolher de
braços abertos e fazer uma festa.
Depois, mulher adulta,
continuámos com as nossas cumplicidades, com os nossos projectos. As tardes que
passámos juntos no rio Paiva, ao cair do dia, ainda hoje me trazem a cantilena
das águas e o frescor dos amieiros saboreados numa mesinha de pedra construída
pelas mãos do meu pai Guilherme.
Quem me dera tê-lo junto de
mim, em carne e osso! Cobria-o de beijos e deixava-me acolher nos seus braços
fortes, compreensivos e doces!
Idalinda Pereira enviou-nos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Saudade é amar um passado que ainda não passou. É recusar um presente que nos magoa. É não ver o futuro que nos convida" (Neruda). Neste lindo texto revi a minha infância. Obrigada.
Pai! Pai! Pai! Repito vezes sem conta esta palavra. Não espero ouvir resposta. Espero mais : os seus braços abertos para me acolherem em festa quando, desiludida, regresso ao seu colo.
ResponderEliminarObrigada Cacilda por ser capaz de traduzir por palavras o sentir da imensidão da presença dos nossos pais que estarão para sempre à nossa espera.
Os laços que, permanecendo, se vão tecendo na ternura da afetividade!
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