Maria José Pereira
Era eu ainda bastante pequeno e já a minha
mãe dizia:
– Anda lá, Jaquim, que não é na cama que se
arranja plim-plim!
Pouco fui à escola. Também não conseguia
aprender grande coisa.
A minha mãe via mesmo mal. Usava uns óculos
muito graduados. Era uma autêntica " caixa de óculos".
A minha mãe tinha mais filhos, os meus
irmãos, mas ela não lhes dizia: "Anda lá Jaquim, que não é na cama que se
arranja plim-plim!"
"Anda lá Jaquim..." |
Eu acho que a minha mãe descobriu em mim este
talento para arranjar plim-plim.
Quando já era mais crescidito, comecei a ir
para a cidade, que era o sítio onde andavam mais pessoas nas ruas. Acho que a
minha mãe percebeu isso.
A minha mãe andava sempre triste. Devia ser
por causa do meu pai. Ele bebia uns copos a mais e quando chegava a casa era
uma grande confusão!
E lá
ia o Jaquim, todos os dias, para a cidade, para arranjar plim-plim, para a mãe
não ficar zangada. É que ela zangava-se, mesmo, se eu não aparecesse, em casa,
com o plim-plim!
Depois de muitos anos a pedir esmola, comecei
a observar os polícias de trânsito e pensei: Vou arranjar um apito e um livro
de passar multas.
Assim fiz.
Fui para um sítio onde passavam muitos
carros, apitava, fazia de conta que passava multas e o certo é que ia
conseguindo algum plim-plim. Todos os dias entregava plim-plim à minha mãe.
Um dia, alguém me disse que havia os bancos,
que eram casas onde se guardava o dinheiro.
Fui ao BPA e disse que queria que me
guardassem lá algum dinheiro, que ia recebendo das "multas".
Abriram-me uma conta, eu dei-lhes o dinheiro, mas disse: " fiquem aí com
os papéis para a minha mãe não saber”.
Entretanto continuei a apitar e a passar
multas até à altura em que não me deixaram ser, mais, polícia.
A minha mãe já está velhinha, quase cega e o
meu pai já morreu.
Continuo
a ir para a cidade e monto o estaminé à porta de um supermercado. Guardo os
sacos às pessoas e sempre recebo algumas moeditas, menos que antigamente,
porque, agora, dizem que há crise...
Agora,
a minha mãe já não diz:
- Anda lá, Jaquim, que não é na cama que se arranja
plim-plim!
Maria José Pereira©2015,Aveiro,Portugal
O retrato de um personagem tão conhecido desta cidade e com uma história de vida deveras surpreendente. Achei muito interessante a forma como o tema foi abordado. Gostei sobretudo da sonoridade da frase que é repetida ao longo de todo o texto. Força Maria José – é para continuar.
ResponderEliminarVida. Quantas vidas surpreendentes estão encerradas dentro de seres humanos imprevisíveis?
ResponderEliminarComo se consegue sentir o pulsar desta vida nas palavras da Maria Jose.
Gostei das frases curtas e simples. Parabéns
Fui multado muitas vezes pelo "Jaquim". Perante meu apelo para que compreendesse que tinha dois filhotes e me fazia diferença pagar mais uma multa, espreitava para dentro do carro, observava-os, esboçava um sorriso de um carinho imenso, perfilava-se no seu posto e com a compostura de um verdadeiro sinaleiro, apontava as suas mãos, como se fossem raquetes, fazendo-nos sinal para podermos avançar.
ResponderEliminarÉ ótimo que se escreva sobre as histórias tão simples quanto complicadas dos "Jaquins" que vai havendo por aí. Aprender com elas, porque não? Eles, os "Jaquins", só são os "diferentes", ou porque o são e andam por aí, ou porque assim foram rotulados.
Tanto para ler nas entrelinhas...
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