domingo, 12 de abril de 2015

O Pai Guilherme

 Maria Cacilda Marado 


Chamava-se Guilherme; um nome pouco vulgar para mim, na época em que eu era ainda menina. Um nome que eu pronunciei poucas vezes, apenas quando me perguntavam o nome do meu pai - Guilherme Carneiro Marado -, dizia eu à espera dos sorrisos enviesados que às vezes deixavam entrever os inquiridores. Eu sorria para dentro e pensava comigo: tomaras tu ter um pai Guilherme como o meu, um pai doce que me dá mimos, beijos, abraços. Um pai que me protege da minha mãe que não me perdoa uma. Na verdade, embora ela me amasse muito também, cabia-lhe o menos bom: mandar-me estudar, não me deixar brincar o dia todo, mandar-me ir para a cama cedo, etc., etc.

... o seu jeito doce de lidar comigo, o seu modo de me amar.
Mas voltemos ao meu pai, pois é dele que vou continuar a falar, sobretudo daquele seu jeito doce de lidar comigo, do seu modo de me amar. Enquanto pequena, os seus braços eram os mais acolhedores do mundo e os seus beijos os que estavam sempre cheios de promessas.Com que alegria o recebia quando ele chegava a casa, à noite! Rita Joana, perguntava-me, como correu o dia? Portaste-te bem? Obedeceste à mãe? Eu atirava-me a ele e os meus olhos diziam tudo…Depois, vinha a recompensa ou a desilusão. E como eu sofria quando o via triste comigo! E dizia de lágrimas nos olhos: amanhã vou ser mais obediente, pai. E isto era o suficiente para o ver de novo feliz e sentir os seus afagos.

Fui crescendo e, jovem ainda, senti que ele nunca mudou. Momentos houve em que os caminhos que eu escolhi não lhe agradaram, mas ele não desistiu de mim. Como o Pai do céu, o da terra também esperou que eu regressasse dos meus devaneios, para me acolher de braços abertos e fazer uma festa.

Depois, mulher adulta, continuámos com as nossas cumplicidades, com os nossos projectos. As tardes que passámos juntos no rio Paiva, ao cair do dia, ainda hoje me trazem a cantilena das águas e o frescor dos amieiros saboreados numa mesinha de pedra construída pelas mãos do meu pai Guilherme.

Quem me dera tê-lo junto de mim, em carne e osso! Cobria-o de beijos e deixava-me acolher nos seus braços fortes, compreensivos e doces!

Maria Cacilda Marado ©2015,Aveiro,Portugal

3 comentários:

  1. Idalinda Pereira enviou-nos o seguinte comentário:
    "Saudade é amar um passado que ainda não passou. É recusar um presente que nos magoa. É não ver o futuro que nos convida" (Neruda). Neste lindo texto revi a minha infância. Obrigada.

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  2. Pai! Pai! Pai! Repito vezes sem conta esta palavra. Não espero ouvir resposta. Espero mais : os seus braços abertos para me acolherem em festa quando, desiludida, regresso ao seu colo.
    Obrigada Cacilda por ser capaz de traduzir por palavras o sentir da imensidão da presença dos nossos pais que estarão para sempre à nossa espera.

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  3. Os laços que, permanecendo, se vão tecendo na ternura da afetividade!

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