sábado, 5 de outubro de 2013

Era uma vez… uma história dos nossos dias

Albertina Vaz

Era uma vez três porquinhos que viviam com a sua mãe numa casinha lá no meio da floresta. Passavam o dia a brincar e a dançar com os seus amiguinhos e um dia a mãe chamou-os e disse-lhes:
- Meus filhos, chegou a hora de ver o que já aprenderam: ide e não vos esqueçais de tudo o que vos tenho ensinado! Tenho aqui um saco com algumas moedas para cada um e quero ver o que fazem com elas. Depois encontramo-nos em casa de novo.
Era uma vez três porquinhos
Os três porquinhos lá foram todos contentes pela floresta fora para descobrirem a vida e o que ela esconde atrás de cada esquina. E resolveram seguir cada um o seu caminho, combinando que, ao fim de um certo tempo, se voltavam a reencontrar.
Passado algum tempo voltaram à casa da floresta e correram a cercar a mãe que já tinha muitas saudades deles. Depois dos abraços olharam uns para os outros e, ao mesmo tempo, disseram os três:
- Ó mãe, há por aí alguma coisa que se coma?
A mãe achou muito estranho mas foi de imediato arranjar um jantarinho de que todos gostassem e ficou derretida ao ver os três filhotes a comerem regalados o que lhes preparara. No fim do jantar, os porquinhos, já mais refeitos da caminhada, preparavam-se para fazer uma boa soneca mas a mãe não resistiu e perguntou-lhes:
- Então, meus filhos, como fizeram para organizar a vossa vida longe da floresta?
Um a um foram falando, cabisbaixos, sem saber como começar. Com os olhos no chão, atrapalhado, o porquinho mais pequeno começou:
Eu resolvi fazer uma casa pequenina
- Eu resolvi fazer uma casa pequenina e gastei quase todo o dinheiro que tinha. Era uma casa feita de cartão e tábuas que ia encontrando no caminho. Eu gostava muito dela mas fazia frio lá dentro e às vezes recordava-me muito da nossa casa aqui na floresta. Só que um dia veio um Lobo Mau que me bateu à porta e me disse: esta casa é minha! Eu sou o dono do terreno onde ela está e dos materiais que utilizaste. Ou me pagas tudo ou deito a tua casa abaixo!
Ora eu não tinha mais dinheiro e só me deu para fugir até à casa do mano enquanto via o Lobo Mau a deitar a minha casinha abaixo. Nem percebi porque é que ele estava a fazê-lo, mas o que eu sabia era que não podia continuar ali.
- Quando chegou a minha casa o mano ia estafado e entrou logo a correr. Depois de me ter contado tudo, eu, que tinha feito uma casa de madeira, fiquei assustado até porque devia algum dinheiro ao banco e eles estavam sempre a pedir-me mais e mais. Mas lá ficámos os dois.
Estive aqui a fazer umas contas...
Um dia, porém, veio um senhor, muito bem vestido, com uma pasta na mão e bateu à porta. O mano ainda me disse: Não abras, não abras, é o Lobo Mau. Mas eu não quis acreditar e abri. Então ele disse-me: Estive aqui a fazer umas contas do que o senhor deve ao banco, mais os juros, mais os impostos, mais o IMI, mais as taxas municipais, mais a correcção monetária, mais… mais…
Eu não o queria ouvir e respondi-lhe: Esta casa é minha! Faça favor, ponha-se lá fora! Eu pago quando puder…Mas o Lobo Mau era mesmo mau e disse-me com uma vozinha muito meiga, a lembrar a avozinha do Capuchinho Vermelho: ou pagas o que deves até amanhã ou então eu venho cá com uma ordem do juiz e ponho-te na rua!
Eu nem quis ouvir mais. Mal ele saiu começámos os dois a correr e fomos para casa do mano mais velho que tinha uma casa grande, toda feita de pedra e com um jardinzinho à volta. Não era uma casa de rico mas era uma casa bonita.
- Eu, quando os vi a correr, nem queria acreditar que estavam a ser perseguidos pelo Lobo Mau. A minha casa era feita de tijolo. Não tinha muito dinheiro mas tinha pedido emprestado ao banco e eles até me tinham dado mais do que eu precisava, mas andava a pagar direitinho. Estávamos os três a viver lá em casa e já só eu trabalhava. Um dia eu perdi o meu emprego no supermercado da vila. Os manos queriam trabalhar mas já não havia empregos e ficámos sem saber o que fazer. Alguns dias depois lá apareceu o tal senhor todo vestido de preto, com uma gravatinha azul, uns papéis na mão, outros na pasta a bater à porta.
Os manos diziam: Não abras, não abras, é o Lobo Mau! Mas ele batia, batia com tanta força
Porque não emigras?
que até tive medo que fizesse um buraco. E fui, de mansinho, e perguntei: O que quer o senhor? Eu o que quero é que me pagues o que me deves. E eu a falar muito calminho: Eu pago, eu pago, agora é que não posso, porque estou sem emprego!
- Não tenho nada a ver com isso! Porque não emigras? Vai para a Alemanha, ou para África, eles lá precisam muito de porquinhos com a tua formação. Eles até fazem salsichas muito boas: tipo Frankfurt, sabes?! O que eu sei é que, se não pagares ao banco e ao Estado e à Segurança Social e a todos os outros, ficas sem a casa.
- Mas eu não tenho mais lugar nenhum para onde ir viver… e até cá tenho os meus irmãos comigo porque estão sem emprego… e até eu perdi o emprego!
Dou-te até amanhã, senão...
- Olha, estão a pedir trabalhadores para o Qatar. E também para Angola. Vendes a casa, vais e podes ficar por lá. É menos um a quem temos de pagar ensino, saúde, educação, pão, reforma… Dou-te até amanhã, senão és despejado!
E como não sabíamos mais o que fazer viemos a correr cá para casa. Só temos medo que o Lobo Mau venha atrás de nós.
A mãe dos porquinhos começou a rir e disse-lhes:
- Não se preocupem, meus filhos! Ele não se atreve a vir à floresta. Até porque tem medo de se perder. Ele não sabe escolher os caminhos como eu vos ensinei, nem fugir das armadilhas que vamos espalhar por aí à volta. E se, mesmo assim, ele aparecer não tenham medo: veem ali aquela vassoura – dou-lhes tanta vassourada que ele não se aguenta e depois chamamos todos os habitantes da floresta e acabamos com ele.
E o Lobo Mau, que era mesmo mau e já tinha espalhado microfones por toda a parte, ficou espantado com a força dos porquinhos e dos animais da floresta e resolveu pensar três vezes antes de vir tirar a casa aos animais da floresta. Até porque já tinha tantas casas vazias que não sabia o que lhes fazer!
Os animais da floresta ficaram muito felizes por voltarem à sua terra e às coisas simples do dia a dia. Na casa da mãe sentiam-se seguros e, embora cada vez mais baixinho, porque a mãe era também cada vez mais velhinha, ela lá estava sempre a recordar-lhes:


- Não se esqueçam, meninos, só juntos é que podemos vencer o Lobo Mau! E se ele aparecer por aí vamos todos cantar-lhe: Quem tem medo do Lobo Mau, Lobo Mau, Lobo Mau…ele é feio, é mesmo muito feio, é pior que um lacrau!


8 comentários:

  1. E assim, um por um (ou melhor, muitos ao mesmo tempo) os porquinhos vão sendo implacavelmente "depenados" pelo insaciável lobo mau. É preciso que todos os habitantes da floresta (porquinhos jovens e mais velhos) se unam e defendam o que legitimamente lhes pertence. Fábula carregada de força interventiva. Boa, Albertina!

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  2. Muito criatividade e muita atualidade. Parabéns, Albertina!

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  3. Se uma criança me perguntar o que é isso do capitalismo vou ler-lhe, com muita serenidade, esta história. Ela irá perceber naturalmente aquilo que poderia parecer quase impossível de explicar. Preocupa-me é quando essa criança me questionar sobre: - porque é que tem que ser assim? Espero ter nessa altura a lucidez e a capacidade necessárias para lhe poder contar outras histórias sem Lobo Mau. A fonte do meu êxito só pode depender da ingenuidade da criança!

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  4. Pedro e o lobo.
    Pedro e o lobo mau.
    Pedro é o lobo mau.
    E num instante se forma uma alcateia!
    De lobos?
    De Pedros?
    De Pedros lobos.
    De lobos Pedros.
    E não só de Pedros e de lobos,
    Mas também de Paulos…
    De Abel a Zacarias estão todos na alcateia.
    Alcateia?
    Quadrilha bem organizada que ataca os animais que vivem na floresta queimada pelo vírus incontrolável da ida aos mercados para alimentar a corrupção.
    E não temos um verdadeiro refúgio na floresta, como os porquinhos, porque vamos descobrindo muito vagarosamente o sentido de palavras como união, ação…

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    1. Todos sabemos que a floresta é grande, mas ainda haverá algum sitio disponivel para tantos porquinhos?

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  5. Neste momento não me saem palavras para comentar. Apenas que... já tinha saudades ... Obrigada Albertina.

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  6. Realmente o que falta aí são lobos que tiram tudo o que foi angariado ao longo do tempo. Gostei muito do seu texto, Albertina.

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  7. É uma história que nos faz pensar. Também nós, tomando como exemplo esta história, nos devemos unir para defender a nossa floresta e não permitir que nos roubem cada vez mais.

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